1º CAPITULO - O Paraíso
Texto de Vasco Pesado da Silva
Assim que cheguei, a minha primeira impressão foi que nem parecia estar num local de guerra. Encontrei um quartel a estrear, tudo muito arrumadinho.
Apresentei-me ao Capitão Daniel Delgado, dizendo-lhe Meu Capitão, eu não percebo nada disto
- Não pode ser, nós nem sequer temos médico na Companhia.
O meu grande problema é que entendia muito pouco de enfermagem para uma situação de guerra, pois o curso tiha sido de apenas três meses. Sinceramente não me sentia nada preparado pra tal situação. Então decidi com toda a honestidade contar ao comandante da companhia Capitão Daniel Pereira Delgadoe disse-lhe olhos nos olhos: Meu capitão estou-me a apresentar, mas eu não entendo nada disto, porque o que aprendi não foi mais que primeiros socorros.
Respondeu-me o Capitão: Não temos médico na companhia. E agora?
Respondi-lhe: - Como há um pequeno hospital civil aqui e também na vila um médico civil, se me autorizasse eu ia trabalhar nesse hospital, pois iria pedir ao Dr. Mário José Pires (residente) se me deixava ajudá-lo no hospital.
Ele aceitou a minha proposta e passei a ser seu assistente nas intervenções cirúrgicas além de outros serviços nas consultas hospitalares. Na realidade foi um médico que me ensinou bastante, tanto que o meu comportamento no teatro de guerra a ele posso agradecer. Bem haja ao Dr Mário José Pires.
Furriel Miliciano enfermeiro da CCAÇ 1558
Clube do ILE. Rodrigues (Civil), Pinto, Gonçalves, eu e o Higino |
Fui para Moçambique de avião e desembarquei em Lourenço Marques em Maio de 1966, onde permaneci 15 dias. Fui mais uma vez de avião (NordAtlas) para a Beira, onde estive dois dias e daqui fui de novo em avião para Nampula onde estive mais três dias. Daqui de comboio até Mutuali para no dia seguinte uma viatura militar veio-me às 4 da manhã transportar até ao Gurué (Vila Junqueiro)
Quando cheguei à CCAÇ 1558, esta já tinha um mês de presença no ILE-ERRÊGO. No dia seguinte fui para o Ile-Errêgo. Quando cheguei a esta localidade a CCAÇ 1558 já tinha 1 mês de permanência na localidade.Assim que cheguei, a minha primeira impressão foi que nem parecia estar num local de guerra. Encontrei um quartel a estrear, tudo muito arrumadinho.
Apresentei-me ao Capitão Daniel Delgado, dizendo-lhe Meu Capitão, eu não percebo nada disto
- Não pode ser, nós nem sequer temos médico na Companhia.
O meu grande problema é que entendia muito pouco de enfermagem para uma situação de guerra, pois o curso tiha sido de apenas três meses. Sinceramente não me sentia nada preparado pra tal situação. Então decidi com toda a honestidade contar ao comandante da companhia Capitão Daniel Pereira Delgadoe disse-lhe olhos nos olhos: Meu capitão estou-me a apresentar, mas eu não entendo nada disto, porque o que aprendi não foi mais que primeiros socorros.
Respondeu-me o Capitão: Não temos médico na companhia. E agora?
Respondi-lhe: - Como há um pequeno hospital civil aqui e também na vila um médico civil, se me autorizasse eu ia trabalhar nesse hospital, pois iria pedir ao Dr. Mário José Pires (residente) se me deixava ajudá-lo no hospital.
Ele aceitou a minha proposta e passei a ser seu assistente nas intervenções cirúrgicas além de outros serviços nas consultas hospitalares. Na realidade foi um médico que me ensinou bastante, tanto que o meu comportamento no teatro de guerra a ele posso agradecer. Bem haja ao Dr Mário José Pires.
2º CAPITULO
A DESILUSÃO
Até Fevereiro 1967 a tropa tinha sido uma autêntica maravilha, mas em Março do mesmo ano, começa então a vida negra de toda a Companhia.
Fomos para Nova Coimbra (LUNHO) (que de Coimbra não tinha nada, as diferenças era Coimbra o Paraíso e Nova Coimbra o Inferno de 5 estrelas ). Não tínhamos água, luz, (tínhamos um gerador que não funcionava e não havia peças para a sua manutenção). Em relação às instalações eram difíceis de descrever.
A Enfermaria era uma barraca de lona que tombava, todas as noites, quando havia uma pequena brisa. Já degradada, os ratos eram às centenas. Estava infestada de formigas (Mucham), portanto quase todos os dias os cabos enfermeiros tinham que a pôr de pé. Em relação aos medicamentos era outra desgraça. Pouco ou nada havia: anti-palúdicos, morfina 1%, pastilhas L.M., aspirinas, 3 seringas de vidro e um tacho muito velho para as esterilizar, 2 pinças, 2 tesouras 3 bolsas de enfermeiro (combate) e alguns pensos de combate, duas macas e talvez mais algum equipamento que após 40 anos me possa escapar.
Conclusão, tudo o que ali se encontrava estava altamente infectado e até alguns medicamentos fora do prazo de validade. Muito mais haveria para dizer, mas é melhor ficar por aqui.
3º CAPITULO
A INTOLERÂNCIA
Os médicos das outras Companhias ( Dr Bray Pinheiro da 1559 e o Dr. Poças da 1560 ) quando passavam pela nossa Companhia (1558) estavam sempre prontos a colaborar com os nossos militares, mas o médico do Batalhão ( CCS ) o sr. Dr. Ruas ignorava o que se passava na 1558 e não colaborava em nada, sabendo ele que não tínhamos médico . Das dezenas de vezes que fui ao batalhão para falar com ele, dava-me sempre lições sobre os sintomas que os militares sentiam. Falava com ele e dizia-lhe que tinha poucos medicamentos. Até nisso ele punha muitas dificuldades. Também lhe falava que tinha pouco pessoal, nunca se importou com isso, dizia sempre o que tinha e lhe fazia falta. Houve uma vez que falei com o meu comandante de Companhia ( capitão Daniel Pereira Delgado )para interferir nessa situação. Foi, então, que emprestaram um maqueiro que pouco ou nada sabia fazer, de primeiros socorros.
Lamento a sua atitude, mas um dia será julgado, não por mim, mas por um ser superior: DEUS. Ele só aparecia juntamente com o comandante de batalhão, porque dizia-se na altura, que ele era o médico particular do mesmo. Fizeram tantos relatórios acerca do seu trabalho em comissão em Africa (Moçambique) que até estou admirado de não ser condecorado com a CRUZ DE GUERRA.
Muito mais haveria para dizer mas ficamos por aqui.
4º CAPITULO
O INFERNO DO LUNHO
Nas dezenas de operações em que tomei parte como Enfermeiro e algumas como operacional, visto não haver graduados suficientes na Companhia, uns por doença outros feridos em combate no hospital de Vila Cabral, sempre estive em situação de resolver os problemas dos feridos. Embora haja um caso curioso, que vou descrever. Quando o Furriel Cardoso foi ferido com o cabo Barata, eu e outros militares demos sangue para os aguentar dado que tinham perdido bastante. De imediato foi feito um rádio para Vila Cabral a pedir transporte para os feridos a que responderam que não havia condições para tal. Então, o Capitão Delgado entrou em contacto com o comandante de batalhão e este com o comandante da Marinha em Metangula, dado que este quartel tinha uma avioneta para os seus abastecimentos e para acudir os seus militares. Estes ofereceram-se a levantar voo por volta das 23,00 horas e foi aí no aeródromo de Metangula que apareceu o Dr. Ruas e o comandante do batalhão.
No dia seguinte fomos fazer uma operação, muito difícil, a qual acabámos encurralados com o fogo da Frelimo. Tivemos que fugir e deixámos no local 5 feridos. Fui buscá-los um a um e quando chegámos a uma clareira pedi ao meu camarada Furriel Júlio que me desse uma injecção de sympatol porque estava a sentir-me mal. Era natural , pois no dia anterior tinha doado 500ml de sangue. Então o Furriel Júlio não foi de modas, deu-me a injecção por cima das calças do camuflado.
Estive sempre presente nos locais dos feridos e felizmente nunca morreu ninguém nos meus braços. Houve acidentes em que não estive presente ( Furriel Freitas, Furriel Higino, soldado Martins e soldado Fernandes, este útimo num ataque em Miandica). O cabo Leão quando o coloquei no hélicoptro , já sabia que ele ia morrer, pois tinha pisado uma mina a 5 metros de mim, e tinha ficado muito mal tratado.
Destes 28 meses, penso que metade foi do pior que pode acontecer na vida.
Depois de acabarmos a comissão viemos para o Alto Molocué, pensando nós que a seguir regressaríamos a Portugal. Foi exactamente o contrário. A Companhia 1558, 3 pelotões, incluindo o capitão, voltaram para Nova Viseu, zona muito perigosa onde a Frelimo actuava em força. Felizmente não fui, fiquei no Alto Molocué.
Para terminar este Inferno, fomos muito maltratados pelos governantes da época, pois nunca se preocuparam com o nosso estado psicológico, os nossos traumas de guerra. Aqueles que tinham interesses nas ex-colónias nunca se preocuparam connosco.
Falava-se muito na guerra do Vietname, mas aí havia por parte dos Americanos apoio logístico, hospitais de campanha, meios aéreos, alimentação quente, totalmente diferente de nós. Nós íamos para uma operação com uma RAÇÃO de COMBATE e por vezes estávamos 5 dias sem mais nada para comer. Hoje recordo tudo, mas sei que eu e milhares de ex-militares não estão bem de saúde, para não falar nos deficientes, esses que ainda são discriminados. Mas pensando bem, todos nós, uns mais que outros, somos deficientes.
5º CAPITULO
HOMENAGEM
Quero prestar a minha homenagem àqueles que estiveram em todos os recantos onde havia guerra Portuguesa independentemente das ex-colónias: Guiné, Cabo Verde, S.Tomé, Angola, Moçambique, Índia (Goa , Damão e Diu ) Macau e Timor. Não só aqueles que foram feridos em combate, como os que partiram e não estão entre nós, mas também aqueles que sofreram na pele o afastamento familiar.
A DESILUSÃO
Até Fevereiro 1967 a tropa tinha sido uma autêntica maravilha, mas em Março do mesmo ano, começa então a vida negra de toda a Companhia.
Fomos para Nova Coimbra (LUNHO) (que de Coimbra não tinha nada, as diferenças era Coimbra o Paraíso e Nova Coimbra o Inferno de 5 estrelas ). Não tínhamos água, luz, (tínhamos um gerador que não funcionava e não havia peças para a sua manutenção). Em relação às instalações eram difíceis de descrever.
A Enfermaria era uma barraca de lona que tombava, todas as noites, quando havia uma pequena brisa. Já degradada, os ratos eram às centenas. Estava infestada de formigas (Mucham), portanto quase todos os dias os cabos enfermeiros tinham que a pôr de pé. Em relação aos medicamentos era outra desgraça. Pouco ou nada havia: anti-palúdicos, morfina 1%, pastilhas L.M., aspirinas, 3 seringas de vidro e um tacho muito velho para as esterilizar, 2 pinças, 2 tesouras 3 bolsas de enfermeiro (combate) e alguns pensos de combate, duas macas e talvez mais algum equipamento que após 40 anos me possa escapar.
Conclusão, tudo o que ali se encontrava estava altamente infectado e até alguns medicamentos fora do prazo de validade. Muito mais haveria para dizer, mas é melhor ficar por aqui.
3º CAPITULO
A INTOLERÂNCIA
Os médicos das outras Companhias ( Dr Bray Pinheiro da 1559 e o Dr. Poças da 1560 ) quando passavam pela nossa Companhia (1558) estavam sempre prontos a colaborar com os nossos militares, mas o médico do Batalhão ( CCS ) o sr. Dr. Ruas ignorava o que se passava na 1558 e não colaborava em nada, sabendo ele que não tínhamos médico . Das dezenas de vezes que fui ao batalhão para falar com ele, dava-me sempre lições sobre os sintomas que os militares sentiam. Falava com ele e dizia-lhe que tinha poucos medicamentos. Até nisso ele punha muitas dificuldades. Também lhe falava que tinha pouco pessoal, nunca se importou com isso, dizia sempre o que tinha e lhe fazia falta. Houve uma vez que falei com o meu comandante de Companhia ( capitão Daniel Pereira Delgado )para interferir nessa situação. Foi, então, que emprestaram um maqueiro que pouco ou nada sabia fazer, de primeiros socorros.
Lamento a sua atitude, mas um dia será julgado, não por mim, mas por um ser superior: DEUS. Ele só aparecia juntamente com o comandante de batalhão, porque dizia-se na altura, que ele era o médico particular do mesmo. Fizeram tantos relatórios acerca do seu trabalho em comissão em Africa (Moçambique) que até estou admirado de não ser condecorado com a CRUZ DE GUERRA.
Muito mais haveria para dizer mas ficamos por aqui.
4º CAPITULO
O INFERNO DO LUNHO
Nas dezenas de operações em que tomei parte como Enfermeiro e algumas como operacional, visto não haver graduados suficientes na Companhia, uns por doença outros feridos em combate no hospital de Vila Cabral, sempre estive em situação de resolver os problemas dos feridos. Embora haja um caso curioso, que vou descrever. Quando o Furriel Cardoso foi ferido com o cabo Barata, eu e outros militares demos sangue para os aguentar dado que tinham perdido bastante. De imediato foi feito um rádio para Vila Cabral a pedir transporte para os feridos a que responderam que não havia condições para tal. Então, o Capitão Delgado entrou em contacto com o comandante de batalhão e este com o comandante da Marinha em Metangula, dado que este quartel tinha uma avioneta para os seus abastecimentos e para acudir os seus militares. Estes ofereceram-se a levantar voo por volta das 23,00 horas e foi aí no aeródromo de Metangula que apareceu o Dr. Ruas e o comandante do batalhão.
Á entrada do posto médico em Nova Coimbra |
Estive sempre presente nos locais dos feridos e felizmente nunca morreu ninguém nos meus braços. Houve acidentes em que não estive presente ( Furriel Freitas, Furriel Higino, soldado Martins e soldado Fernandes, este útimo num ataque em Miandica). O cabo Leão quando o coloquei no hélicoptro , já sabia que ele ia morrer, pois tinha pisado uma mina a 5 metros de mim, e tinha ficado muito mal tratado.
Destes 28 meses, penso que metade foi do pior que pode acontecer na vida.
Depois de acabarmos a comissão viemos para o Alto Molocué, pensando nós que a seguir regressaríamos a Portugal. Foi exactamente o contrário. A Companhia 1558, 3 pelotões, incluindo o capitão, voltaram para Nova Viseu, zona muito perigosa onde a Frelimo actuava em força. Felizmente não fui, fiquei no Alto Molocué.
Para terminar este Inferno, fomos muito maltratados pelos governantes da época, pois nunca se preocuparam com o nosso estado psicológico, os nossos traumas de guerra. Aqueles que tinham interesses nas ex-colónias nunca se preocuparam connosco.
Falava-se muito na guerra do Vietname, mas aí havia por parte dos Americanos apoio logístico, hospitais de campanha, meios aéreos, alimentação quente, totalmente diferente de nós. Nós íamos para uma operação com uma RAÇÃO de COMBATE e por vezes estávamos 5 dias sem mais nada para comer. Hoje recordo tudo, mas sei que eu e milhares de ex-militares não estão bem de saúde, para não falar nos deficientes, esses que ainda são discriminados. Mas pensando bem, todos nós, uns mais que outros, somos deficientes.
5º CAPITULO
HOMENAGEM
Quero prestar a minha homenagem àqueles que estiveram em todos os recantos onde havia guerra Portuguesa independentemente das ex-colónias: Guiné, Cabo Verde, S.Tomé, Angola, Moçambique, Índia (Goa , Damão e Diu ) Macau e Timor. Não só aqueles que foram feridos em combate, como os que partiram e não estão entre nós, mas também aqueles que sofreram na pele o afastamento familiar.
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