segunda-feira, 1 de agosto de 2016

LIVRO: OS ANOS DE ABRIL. VII VOLUME -- MOÇAMBIQUE. do Almirante Victor Crespo. Alto Comissário de Moçambique de de 12-9-1974 a 25-6-1975

MOÇAMBIQUE
POR:   VICTOR CRESPO
 Alto Comissário em Moçambique de: 
12/09/1974 a 25/06/1975

 Antes do 25 de Abril de 1974 os principais aspectos da situação em Moçambique eram os seguintes.


1. Situação de guerra com afirmação crescente da FRELIMO em Cabo Delgado, Niasssa, Tete, Manica e Sofala.


2. a) Alheamento dos colonos portugueses da situação de guerra em que se vivia. O pensamento dos grupos dominantes relativamente ao futuro era o do encontro de uma solução tipo Rodésia.


  b) Existência de um muito reduzido número d eupoeus residentes (Democratas de Moçambique) que advogava uma negociação de independência com a FRELIMO.


3. População moçambicana dando apoio militante à FRELIMO nas zonas de implementação militar.


  a) Quadros da FRELIMO em praticamente todo o território.

  b) Pequena actividade política da população moçambicana fora de implantação militar, à excepção da zona suburbana de Lourenço Marques e eixo Beira - Vila Pery.

  c) Aldeamentos de população moçambicanas autodefendidas.


4.) Existência de um brutal sistema de vigilância repressão político - ideológico cuja acção pode ser medida através dos milhares de moçambicanos presos.


5.) Situação económica crescentemente afectada pele guerra.

     Situação financeira de virtual bancarrota.
6. a) Algumas de a monstrações de cansaço por parte doa quadros da FA por  permanecerem numa guerra de 13 anos.

   b) Africanização crescente dos efectivos militares 50% das tropas combatentes.


   c) Sinais claros de pouco empenhamento de pessoal de incorporação relativamente à acção militar e descrença na sua validade.


Caracterização da situação em Moçambique entre entre 25 de Abril de 1974 e 7 de Setembro do mesmo ano


Os pontos que vão ser esquematicamente referidos não se observam sempre no mesmo grau. Deve também considerar-se que as situações descritas se foram sucessivamente agravando até 7 de Setembro.


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1. Do ponto de vista militar

a) Os comandos superiores das forças portuguesas revelaram total incompreensão relativamente às mudanças que a alteração política do 25 de Abril trazia. Só excepcionalmente foram adoptadas medidas diferentes daquelas que até aí vinham sendo usadas


b) Relativamente ao pessoal de incorporação, a clarificação do sentido da guerra e a evidência da inevitabolidade da soluão política a curto prazo desmobilizaram quase totalmente a vontade de combater e relaxaram mesmo a vontade de resistir.


c) Da parte dosmilitares do MFA são de salientar as seguintes acções:

- Contacto com os comandos militares no sentido no sentido de os alertar para a  necessidade de estabeleceruma linha de acção na orientação das operações que favorecesse o encontro de soluções negociadas.
- Esclarecimento às tropas relativamente à nova situação política resultante das transformações operadas em Portugal e preparação do pessoal para a inevitabilidade do encontro de uma solução política para a guerra. Esclarecimento das soluções civis, indicando com verdade a situação da guerra e preparando a opinião pública para a inevitabilidade do encontro de uma solução política.
- Definção clara, com posições públicas no final do período em análise, de que o reconhecimento do direito à independência de Moçambique era a solução que melhor serviria os interesses portugueses de então e também o futuro das relações de Portugal com Moçambique.
- Chamadas de atenção e mesmo algumas pressões junto das autoridades políticas e militares de Lisboa no sentido de serem tomadas as decisões que preconizavam, ou seja, negociações directas com a FRELIMO para o estabelicimento de um quadro que se efectivasse a independência de Moçambique com salvaguarda dos interesses portugueses.

d) Uma parte assinalável das forças portuguesas integravam soldados moçambicanos do recrutamento.

Através das acções de informação e propaganda exercida pelos meios de comunicação social e em razão da clareza crescente com que era observada a inevitabilidade da independência, deixou progressivamente de ser possível contar com essas tropas para a defesa das posições portuguesas, constituindo mesmo, em certos casos, factor de preocupação por poderem revoltar-se.

2. Do ponto de vista da acção político-militar da FRELIMO


Na zona Beira - Vila Pery registou-se o aumento da actividade militar que crescentemente se vinha verificando, tanto em intensidade como em extensão. Foram provocados importantes danos em objectivos económicos com assinaláveis efeitos psicológicos entre os portugueses.Tascimo de actividade antes do 25 de Abril, notou-se uma maior dispersão da actividade militar e uma minagem mais intensa nos itinerários.

Aumentam muito as actividades ligadas com a abertura da frente da Zambézia onde foi incrementada a preparação de estruturas militares e actividade de contacto com as populações através de acções política-militar.
Em Cabo Delgado, depois de um período  que consistiu na consolidação do seu dispositivo a norte do rio Messalo , foram intensificados os ataques a aquartelamentos usando consideráveis efectivos militares.
Em resumo, do ponto de vista política-militar assistiu-se a um intensificar de acções procurando obter efeitos psicológicos sobre as populações e, em particular sonre os portugueses residentes.

A FRELIMO já possuía armamento muito sofisticado
3. Acção política e movimentação social da FRELIMO

Os quadros da FRELIMO actuaram en todo o território de Moçambique promovendo acções de esclarecimento e mobilização de massas. Procuraram colocar-se em todos os organismos onde essa acção se tornasse mais eficiente.

Durante o período e num movimento crescente, o partido foi granjeando militantes entre os quadros locais que vieram juntar-se aos que de longa data nele militavam. Uns e outros mantiveram uma actividade meio aberta meio clandestina. É de destacar neste caso a acção dos democratas de Moçambique.
A face não armada da FRELIMO conseguiu uma notável implantação na comunicação social e na direcção das lutas laborais.
RUI NOGAR,
um conhecido Democrata de Moçambique

4. Comunicação Social


O  Governo empossado após o 25 de Abril e que esteve em funções até Agosto de 1974 não mediu devidamente as consequências que uma liberalização incontrolada da comunicação social acarretava.

Todos os sectores ideológicos se empenharam na luta quese travava em Moçambique. Alguns dos principais lugares foram mesmo ocupados por militantes da FRELIMO. A acção destes, naturalmente, visava desencadear os processos mais convenientes aocampo dos seus interesses  que não eram coincidentes com os portugueses.
Não haverá a pena alongarmo-nos sobre o significado que tem no plano militar a existência de uma comunicação social dominada pelos agentes do adversário. Basterá recordar que, na noite em que caiu a companhia de Omar, o Rádio Clube de Moçambique noticiou vá pela dependência  rias vezes que se tinha chegado a um cessar-fogo com as Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), facto que ajudará a compreender a forma como aquele incidente se deu.

Jornalistas moçambicanos presente no Acordo de Lusaka
5. Situação laboral e social

A má interpretação do sentido em que deveria ter sido a libertação da sociedade moçambicana e as correspondentes medidas tomadas na sua execução após o 25 de Abril provocaram fenómenos reinvidicativos e grandes movimentos de massas em todo o tecido social.
Assumiram particular importância neste contexto as grandes e frequentes greves que se verificaram nos caminhos de ferro, os quais desempenhavam um papel muito importante no conjunto da economia, não só pelo seu peso intrínseco, como também pela dependência que deles tinham os restantes sectores da economia.
Esta luta laboral extravasou o seu campo específico e foi-se transfoemando com o tempo em fenómenos de natureza insurrecional e em confrontos raciais. Em muitas empresas passaram a ser contestados os quadros brancos por cada vez mais agurridos competidores negros que, na esmagadora maioria dos casos, não tinham na realidade qualificação profissional para assumir os cargos, sendo a única razão da sua luta a expectativa crescente de uma independência a curto prazo e, com ela, a promoção dos nacionais aos postos cimeiros.

Manifestação de estivadores na Beira.
6. Situação financeira

Convém ainda referir que, no plano financeiro, a situação em 1974 era praticamente de bancarrota. Esta situação arrastava-se desde os finais dos anos 60 e  a sua gravidade exigiu mesmo que Marcelo Caetano apoiasse Moçambique com um empréstino de 3 milhões de contos, dos quais foram apenas concretizados apenas 500 mil.

A dificuldade crescente na cobrança de impostos e os aumentos em flecha dos preços de bens e serviços tinham posto o Estado sem capacidade de proceder à satisfação das suas necessidades. Tal só seria possível se se procedesse  a um substancial empréstimo, coberto apenas pelo Banco Nacional Ultramarino que, para o efeito, seria sem cobertura autorizado a emitir moeda. Mas todas estas operações requeriam tempo e a situação financeira interna, a curto prazo, seria insustentável.

7. População portuguesa residente


Relativamente à população portuguesa residente, na sua maioria funcionários e colonos com longa permanência, são de notar os seguintes pontos:

a) Tomada de consciência da situação real da guerra, a qual antes desconheciam:

b) A tomada de consciência, através da discussão aberta das questões, da inevitabilidade de uma solução política de a ou independência:
c) Face à conjuntura e em particular face à instabilidade social e racial, começaca a verificar-se um clima de insegurança e a consequente procura de emprego fora de Moçambique, iniciando-se o êxodo pelos de maior capacidade eeconómica e formação. Este fenómeno já vinha adquirindo assinalável proporção antes do 25 de Abril:
d) Na população portuguesa decidida a ficar nasceram agrupamentos políticos com pouca consistência político-ideológico, fraca organização e reduzidos apoios internos e externos, mas que em certa fase mobilizaram a esperança de um número apreciável da população portuguesa. Chegaram a ser apoiados pelo Presidente Spínola e mantiveram contactos encorajadores com altos chefes militares locais.

Clika aqui para leres o livro de Clotilde Mesquitela:Moçambique 7 de Setembro: Memórias de uma revolução



Reunião de estudantes na Universidade de Lourenço Marques.
Condicionantes do Acordo de Lusaka
A mesa do acordo de Lusaka

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As negociações que procederam a assinatura do Acordo de Lusaka decorreram num contexto politicamente pouco claro e sofreram os efeitos da luta política que se desenrolava em Portugal.
A instabilidade, a desorientação e a situação militar existente em Moçambique, consequência em parte das diferentes visões que a descolonização tinha para o poder em Lisboa, não permitiram a afirmação com a necessária firmeza de uma vontade nacional coerenteao longo de todo o processo negocial e conduziram à necessidade de negociar as condições de independência no mais curto prazo possível.
A parte moçambicana não estava também em posição particularmente favorável para estabelecer uma negociação muito elaborada tecnicamente, nem muito minuciosa nos seu detalhes sectoriais, já que tinha pressa em concluir um acordo que pusesse termo à guerra e garantisse a independência. De facto, a situação política em Portugal evoluíu rapidamente e a instabilidade e divisão do poder então existente dificultavam uma previsão de como evoluiria a política de descolonização em Portugal. 
Para dar melhor a ideia da tensão em que foram assinalados os acordos e  até das preocupações que dominavam os negociadores, vale a pena enunciar alguns aspectos que efectivamente se podem considerar como condicionantes do Acordo de Lusaka

1. Situação militar


- Os comandos militares de Moçambique não entenderam ou não quiseram entender que o dispositivo e as acções militares que tinham sido usados até aí para resisti à luta da guerrilha movida pela FRELIMO não eram o conveniente para obter um acordo de independência numa posição de firmeza ou pelo menos de estabilidade militar. 

- Do tipo de dispositivo existente, aliado ao estado psicológico das nossas tropas e a outros factores de entre os quais se deve salientar o não controle dos orgãos de comunicação social, resultou a queda da Companhia de Omar. Os 150 homens da companhia haviam sido feitos prisioneiros e retirados para posições da Tanzânia.

 

- Nas tropas portuguesas havia graves problemas de organização e disciplina.

- A par do reforço das acções militares do distrito de Cabo Delgado, as Forças Populares de Libertação de Moçambique tinham intensificado a sua actividade operacional nos distritos da Zambézia, Niassa e Beira.

2. Instabilidade social e êxodo da população

Para caracterizar a situação moçambicana que condicionava as conversações de Lusaka é necessário chamar a atenção para o clima psicológico em que vivia a população em Moçambique
Durante a guerra muitas dessas pessoas acreditavam que a situação militar estava em vias de resolução total, estava pelo menos estabilizada, o que, como se sabe, não correspondia de nenhum modo à realidade. Para ilustrar esta questão recordaremos apenas o clima de falsidade em que haviam decorrido as operações militares mandadas efectuar por Kaúlza de Arriaga.

O choque sobre a verdade da situação militar, a visão súbita da inevitabilidade da independência a curto prazo, em que a propaganda colonial jamais deixava acreditar e ainda a agitação social reinante, onde os aspectos raciais foram muitas vezes pertubadores, provocaram uma onda de verdadeiro pânico na maioria da população portuguesa.
Iniciou-se, então uma saída da populalação portuguesa que tinha condições económcaspara o fazer a qual não encontrando localmente condições de segurança, a procura em Portugal e na África do Sul.
O volume e a dinâmica desta acção de abandono causou sérias apreensões aos negociadores de Lusaka que pretendiam encontrar condições propícias, tanto do ponto de vista de segurança, como condições de vida, à fixação das populações portuguesas radicadas em Moçambique.


3. A perda de confiança

Joaquim Chissano e o Almirante Victor Crespo
Nos primeiros contactos estabelicidos a nível pessoal e mesmo durante as conversações das primeiras delegações oficiais com Moçambique, os períodos de tempo que os nossos interlocutores entendiam como convenientes para a transição ( não muito claramente definidos) eram de três ou mesmo cinco anos. Foi nessas conversações também entendido como conveniente a formação de governos conjuntos e formas de soberania que assegurassem uma transição gradual ao longo daquele período.
Este quadro só foi encarado, evidentemente, enquanto os interlocutores tiveram confiança nas intenções políticas e nos homens que ocupavam o poder em Lisboa.
Mas em Portugal a situação não era clara relativamente ao caminho que devia seguir a descolonização dos territórios sobre a sua administração e concretamente a descolonização de Moçambique. Por Julho e Agosto de 1974 começaram a tornar-se evidentes as tramas urdidas para alteração do caminho que depois do 25 de Abril a vida política tinha seguido com vista à definição do quadro em que havia de consolidar-se a democracia e com ela a descolonização.
Havia ficado bem claramente estabelecido o princípio de que a independência de Moçambique seria negociada exclusivamente entre o Estado Português e a FRELIMO, não entrando nessa negociação mais nenhuma representação, quer fosse deorganizações internacionais ou de estados. Isto não significava que os princípios de descolonização estabelecidos nas resoluções pertinentes das Nações Unidas ão tivessem integral aplicação nas negociações e bem assim que os princípios defenidos pela OUA não fossem respeitados pela parte moçambicana e levados em consideração por Portugal.
Se em Portugal e entre os portugueses de Moçambique se tivesse conseguido obter uma vontade política em apoio do acordo em negociação, ele poderia ter tido outro conteúdo e, sobretudo, o período de transicção poderia ter tido outra extensão. Mas esta unidade não foi conseguida em Portugal, mesmo a nível de Estado, o mesmo acontecendo por consequência entre os portugueses de Moçambique.
Com a clivagem que já vimos evidenciar-se durante os meses de verão de 1974 relativamente à política de descolonização e ao curso da vida democrática interna portuguesa, e dado o peso, pelo menos aparente, das personalidades e forças que emprestavam o seu apoio à tentativa de mudança, foi fortemente abalada a confiança com que os nossos interlocutores havia encetado, No caso de Moçambique foi entendido mesmo que teria sido posto em causa um princípio da exclusividade da FRELIMO como representante do povo de Moçambique e da negociação bilateral.

Joana Simeão. Opositora do acordo entre Portugal e a FRELIMO
Em face desta evolução na cena política portuguesa, os movimentos de libertação endureceram as suas posiçõestanto no campo negocial como no das pressões internas nos respectivos territórios. Certas acçõs militares praticadas em Moçambique e certos fenómenos sociais então verificados só podem ser entendidos à luz desta realidade.
Está hoje bem claro que grande parte das potencialidades de cooperação, de fixação de populações e até da manutenção de outros interesses portugueses em África depois da independência, foram desfeitas através da quebra de confiança que representou a tentativa de alteração da política de descolonização por parte das autoridades e forças portuguesas encabeçadas pelo Presidente Spínola.

4Os factores de aproximação com Portugal

a) O valor dos quadros nacionais

Já vimos a situação extremamente difícil em que se encontrava a econimia moçambicana por altura do Verão de 1974 e também a anarquia crescente que se instalava no todo económico e social do país. Convém porém notar que se tratava de situação conjuntural porque o país é rico em recursos naturais e dispunha de um mínimo de estruturas económicas para permitir o arranque, se para tanto se constituíssem as condições.
Por razão da natureza colonial do sistema. Moçambique não dispunha de quadros nacionais que permitissem manter a funcionar grande parte da estrutura económica do país nem o aparelho do Estado.
No que respeita porém à formação de quadros haverá no entanto de se reconhecer que não foram formados nacionais moçambicanos nem em número nem em qualidade equivalente à de outros países que ascenderam à independência. E entre outras razões deve-se o fenómeno ao fraco índice cultural da grande massa dos colonos, o que determinou que fossem por eles ocupados os lugares da hierarquia até aos mais baixos.
O número considerável de quadros moçambicanos que haviam estado empenhados na luta de libertação nacional e que agora regressariam às actividades normais do país minonaria um pouco aquela situação. Deve notar-se no entanto que grande que grande parte deles viria a ser utilizado nas funções superiores do Estado.
Na altura das negociações do acordo havia a expectativa de que bastantes pessoas de origem portuguesa, radicados em Moçambique há muitos anos, ou apenas identificados com o país, aí permanecessem como seus nacionais, o que minoraria um pouco a falta de quadros e trabalhadores qualificados.
Não se desconheciam as dificuldades que grande número de portugueses ex-colonos encontrariam na adaptação ao novo estilo de vida que iria ser intruduzida em Moçambique.
~
Alguns dos quadros moçambicanos que estavam exilados
b) A estruturada actividade económica

A análise que que vimos fazendo dos factores que condicionaram o Acordo de Lusaka não ficaria completa sem notar algumas características estruturais da actividade económica moçambicana.
Em primeiro lugar deve-se salientar os portos e caminhos de ferro que, como se sabe, constituíam à data da independência uma parte importante da economia do país e que dependiam na sua quase totalidade das ligações como exterior, África do Sul e Rodésia.
No que respeita ao comércio, praticamente todas as empresas eram tituladas por portugueses e mantinham correntes comerciais intensas com África do Sul e Rodésia e também Portugal, dependendo bastante das estruturas económicas destes países.
Os bancos comerciais existentes no território eram filiais de bancos portugueses (incluindo  o próprio banco emissor), de Angola ou da África do Sul.
Recebiam, tal como as empresas industriais, das suas casas mãe, além do apoio financeiro (reduzido 
As empresas do sector primário, as menos dependentes do exterior, requeriam para o seu funcionamento, tal como as industriais, apoio técnico e administrativo. A manutenção dos circuitos em que se apoiavam era muitas vezes assegurada fora do país.
Esta absoluta dependência económica do exterior tanto em capitais como em apoio técnico e em ligações estruturais, bem características aliás das economias coloniais, constitui, naturalmente ,também, uma condicionante presente em Lusaka.
Para suprir tal fraqueza o lado português entendeu, por todos os motivos, não dever recusar apoio e cooperação.

Os Acordos de Lusaka
Lusaka, 7 de Setembro de 1974


1. Introdução

A leitura do texto dos acordos de Lusaka impressiona pela extraodinária singeleza da sua forma e o número reduzido de assuntos que aborda.
No essencial, o que importava conseguir em Lusaka era um período de estabilidade e bom entendimento já que a alternativa era a continuação da guerra e o caos, dos quais se conheciam sobejamente os resultados. Sem esse entendimento e vontade política de cooperação, os acordos a assinar nesse momento, mesmo que formalmente muito favoráveis à resolução dos problemas que nos preocupavam, não passariam de boas intenções e apenas serviriam para azedar as relações do futuro entre os dois países, como largamente aconteceu, por exemplo, com as promessas cheias de rigor técnico-jurídico de Evian.
Como se verá ao estudar o acordo, o essencial dos objectivos da delegação que esteve em Lusaka defendeu os pontos de vista portugueses. A paz, nas condições de dignidade que o Portugal de Abril exigia, foi conseguida. Além disso, foi estabelecido um conjunto de princípios que havia de garantir o relacionamento futuro entre os dois estados. Em Lusaka não foram olvidadas as potencialidades que a secular convivência entre o povo moçambicano e o português propiciava, mas foi estabelecido que apenas a independente interpretação da vontade de cada povo legitima a definição de interesses comuns.

2. O conteúdo do acordo

2.1. Reconhecimento da independência.

O acordo começa no seu número um por citar o reconhecimento por parte de Portugal  do direito do povo de Moçambique à independência, reconhecimento que, aliás, havia encontrado fundamento jurídico tempo antes, através da lei 7/74. 
Parece hoje inacreditável que no Portugal depois de Abril se tivesse gerado tamanha polémica em torno de uma matéria que a história já se havia encarregado de demonstrar ser indiscutível. Mesmo depois da lição que constituíram as independências de todas as colónias asiáticas e africanas; depois da inequívoca afirmação da vontade dos seus povos través de todas as instâncias internacionais onde tinham voz e do reconhecimento do direito desses povos à independência por parte de praticamente todas as nações do mundo; depois, enfim, da afirmação a vontade de independência através de uma prolongada guerra - meio supremo de afirmação dessa vontade - em Portugal, ainda vivamente se discutia, entre diversas correntes do poder, o direito à independência dos povos das colónias.

2.2. Transferência de poderes.

O acordo, no seu número um, depois da afirmação do direito à independência, fala na tranferência de poderes sobre o território ate 25 de Junho de 1975, como é fixado no seu número dois.
O período de transição teria que ser o tempo, durante o qual, através do esclarecimento e do exemplo se criasse o clima propício às opções conscientes dos portugueses residentes em Moçambique relativamente ao futuro das suas vidas. E, porque não declará-lo abertamente, também para as desicisões das populações de origem europeia que, dada a sua radicação profunda no território moçambicano, sentiam vontade de optar pela nacionalidade daquele país.
O tratamento destes assuntos exigia que fosse criado um período de tranquilidade em que os novos dirigentes moçambicanos fossem revelando a sua vontade e interesse em utilizar a capacidade técnica   e de trabalho dos portugueses residentes. Ao mesmo tempo, estes iriam formando opinião sobre as condições em que iria desenrolar-se a sua vida na nova sociedade.

Lourenço Marques  7 de Setembro de 1974
Evidentemente que alguns dos portugueses que viviam em Moçambique, quer pelo seu comportamento anterior em acções políticas inaceitáveis para o noco Estado, quer pela sua consciente ou inconsciente opção racista, ou ainda pelo seu reaccionarismo e intransigência política, não poderiam ficar em Moçambique.
A grande maioria dos residentes em Moçambique não pertencia àquele número. Eram pessoas de valor, que tinham passadoa vida a trabalhar como acontece à maioria dos imigrantes, e que muito podiam ainda contribuir para o progresso do país. A estes havia de criar condições de segurança, para que não fossem obrigados a partir, e expectativas de vida compensadoras que os decidissem a ficar. Era para satisfação deste objectivo que se teria requerido um período de transição muito maior que o acordado, cujos escassos 10 meses, ainda gravemente pertubados no início, não permitiram, no grau desejável, cumprir aquela aspiração.
O tempo de transição se tinha, além disso, de servir para desfazer todasas estruturas coloniais que não importava ao novo Estado conservar e construir os organismos qu.e as iriam substituir. Só num período de transição se poderia a tal transformação eficientemente, visto só nessas condições poder o Estado dispor de um governo que se orientasse pela nova política e de uma autoridade portuguesa, o alto-comissário, que tinha competência para proceder à gestão de todos os funcionários públicos, incluindo os técnicos.

3. A estrutura governativa.

Cerimónia de tomada de posse do Governo de Transição.
Lourenço Marques, Domingo 20 de Setembro de 1974
O número 3 do Acordo define a estrutura governativa de Moçambique para o períodode transição. A estrutura acordada é do tipo das que foram usadas praticamente em todas as descolonizações dos territórios ingleses. Um alto-comissário representaria a soberania portuguesa e asseguraria ali a chefia do Estado.
Um governo liderado  e maioritariamente constituído pelos representantes do povo do novo país asseguraria a governação até à independência. Uma comissão militar garanteria a implementação dos acordos de paz e regularia as questões militares entre os dois exércitos.


O Governo de Transição

4. Normas progamáticas

Como princípio geral, referido logo na introduçãoao número 5 das competências dos diversos orgãos, estabelece-lhes a função de transferência progressiva de poderes, e a preparação da independência. A execução deste princípio orientador, no que respeita à transferêcia de responsabilidades entre os orgãos e pessoas que só por si requeriam o empenhamento integral nos 10 meses disponíveis.De facto como se referiu a propósito das funções do alto-comissário, seria aqui que mais intensamente frutificaria uma estreita cooperação entre soberania portuguesa ainda residente e as novas estruturas governativas da futura soberania. Era neste ponto que o empenho mais devia aplicar-se. Suprir as carências de técnicos e quadros, na medida das necessidades de organização do novo Estado, era tarefa fundamental para as duas partes.
Para a parte portuguesa, única que aqui naturalmente abordaremos a realização daquele objectivo era imperativo, não só por corresponder aos interesses nacionais, de relacionamento com África, mas também pela assunção das responsabilidades da falta de quadros moçambicanos, apenas atribuíveis ao sistema  colonial e aos seus corolários de discriminação racial e social que haviam duramente incidido sobre as populações locais

5. Acordos de paz

O fim da guerra em Moçambique assumiu, naturalmente, importância capital no Acordo de Lusaka .
Guerra de Libertação para a parte moçambicana, teve o carácter mais iminentemente nacional que qualquer guerra pode ter. Conduzida durante 11 anos com dificuldades humanas e materiais assinaláveis, aceitou apenas os apoios compatíveis com os objectivos de independência nacional que prosseguia. Guerra assumida como imperativo de todo um povo, foi travada com vigor que só o sentido da razão pode emprestar a uma luta.
Para a parte portuguesa tratou-se de uma Guerra Colonial na mais ampla acção de expressão. Determinadapor uma política de dominação e defesa a qualquer preço dos interesses dos grupos dominantes, cedo conheceu um leitmotiv que mobilizou a vontade nacional. Forneceram-lha os acontecimentos de 1961 em Angola.
A guerra em Moçambique foi interrompida pela vontade de um povo que se queria situar no mundo e na época em que vivia e que, para iso, procurou, como alternativa à guerra, as soluções que a História e o Direito requeriam e que os interesses portugueses de há muito reclamavam.
A paz é restabelecida no texto do acordo, no seu número 9, fixando apenas a data e hora (0 horas do dia 8 de Setembro de 1974).


Depois de reafirmar a data e a hora do cessar-fogo, o documento passa a tratar da Comissão Militar Mista estebelecido no número 3 e com a composição e funções fixadas no número 8 do acordo.No essencial, competiria à comissão, que tinha composição paritária entre o Estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique, velar pela execução do acordo de cessar fogo. Em especial cabia àquela comissão tratar das matérias relacionadas com a retracção do dispositivo militar português e da sua substituição por forças moçambicanas, por forma a que não se criassem situações de vácuo no dispositivo militar de Moçambique durante a transição. Tinha ainda por função organizar a libertação dos prisioneiros de guerra de ambas as partes.
O protocolo estabelecia as normas dos acordos relativos à retracção do dispositivo militar português e a sua evacuação até 25 de Junho e regulava ainda missões conjuntas para as forças portuguesas e para as FPLM afim de dar execução aos preceitos contidos nos números 10 e 12 do acordo.

6. Segurança de pessoas e bens e condições de trabalho

Na análise que vimos fazendo do Acordo de Lusaka importa, por fim, observar os aspectos que mais directamente diziam respeito à criação de condições para a permanência dos portugueses em Moçambique.
Esta matéria era assegurada através do controlo que o alto comissário exercia sobre a Polícia, em coordenação com o Governo de Transição, como estabelicido no número 11 do acordo.
Como garantia derradeira da segurança dos portugueses residentes, o acordo permitia a retracção do dispositivo militar se fizesse concentrandosobre os principais centros  populacionais ocupados por porttugueses, garantindo assim a sua segurança até ao momento da inependência.
Est ava desta forma estabelecida no acordo o essencial dos mecanismos necessários a assegurar a ordem e a segurança das pessoas e bens durante o período de transição.
Relativamente à discriminação racial, são afirmados princípios que a negam na orientação do Governo, alínea f número 5 e no número 15, onde há uma declaração das duas partes no sentido de agirem concretamente na criação de uma verdadeira harmonia rcial a par da eliminação das sequelas do colonialismo.
Resta, por fim, analisar os aspectos relativos às propriedades e bens dos portugueses residentes em Moçambique. Este ponto constitui, naturalmente, grande preocupação da delegação que em Lusaka negociou o acordo, não só pelo valor intrínsico , como também pelo seu significado na permanência dos portugueses residentes em Moçambique.
E não deixou nunca de ter-se presente que dessa permanência dependeria, em grande medida, o futuro da economia e dos serviços do novo Estado e, através deles, o bom ou o mau relacionamento com Portugal. Mas o acordo não encerra nenhum preceito específico sobre esta matéria, o que foi regulado de forma indirecta.
Assim, portanto, durante o período de transição estava assegurado o direito à posse dos bens, propriedades e valores dos portugueses residentes em Moçambique através do Direito português que se aplicava no território, e que apenas podia ser alterado pela legislação produzida pelo Governo e promulgada pelo alto-comissário. Relativmente ao futuro, os seus termos foram os estabelecidos no acordo que veio a ser negociado sobre a matéria durante o período de transição.


7. Período de transição

1. Política de defesa

Nos termos do Acordo de Lusaka a integridade territorial de Moçambique era cometida à responsabilidade da soberania portuguesa, havendo um compromissode acção conjunta das forças portuguesas e da FRELIMO  na consecução deste desiderato.
O êxodo anterior à independência, de portugueses que haviam combatido em Angola e Moçambique e a posterior desmobilização dos grupos especiais moçambicanos e angolanos que haviam combatido ao lado do Exército Português deeram lugar à formação de grupos de intervenção na Rodésia constituídos por esses mercenários.
Os acontecimentos de 7 de Setembro, a agitação intensa a que deram origem e a saída de portugueses para a Rodésia e RAS que após eles tiveram lugar, contribuiriam para o incremento da organização e treino de grupos de mercenários de intervenção na Rodésia e para o aparecimento de organizações para militares de  portugueses na RAS com algum apoio estatal. Simultaneamente apareceram sinais evidentes de uma incipiente estrutura actuando no interior de Moçambique em ligação com as existentes na RAS e na Rodésia.
Na RAS, assistiu-sedurante os primeiros meses de 1975, a uma ofensiva diplomática sentido de tentar criar uma situação que lhe permitisse encetar uma política de boa vizinhança com os novos estados que chegavam à independência, Angola e Moçambique. Deu no entanto apoio às organizações dos ex-colonos moçambicanos e aumentou a capacidade de intervenção da sua Polícia, que chrgou a ser aplicada contra os nacionalistas rodesianos no inteior da Rodésia em apoio do sr. Smith.

IAN SMITH
O falhanço da cimeira de Lusaka e a políttica de intransigência e afirmação branca do sr. Smith, bem como as medidas tomadas no campo militar, deixavam antever que os seus objectivos não seriam os de procurar no futuro uma boa vizinhança com Moçambique, já que não lhe restavam dúvidas de que esta jamais poderia ser obtida.
Admitia-se por isso que pudessem ocorrer  intervenções rodesianas em Moçambique, quercomo apoio a incidentes ocorridos com colonos portugueses, quer a propósito de motivos económicos, quer a propósito de motivos económicos, quer ainda a propósito de alegados apoios à União Nacional Africana do Zimbábué (ZANU). Dos restantes vizinhos de Moçambique não havia receio de provocações de fronteira.
Esta preocupação de defesa, conjuntamentecom razões de estabilidade social, levaram a que se procedesse à reorganização do dispositivo, concentrando meios nas zonas de maior densidade urbana e actividade económica.

2. Retracção do dispositivo militar

A retracção dos dispositivos militares devia satisfazer os seguintes objectivos:

a)  Garantir a segurança das forças portuguesas durante o período de transição, mesmo após a sua redução por regresso a Portugal, constituindo o seu tipo de agrupamento e comando diversos contrapontos com as tropas da FRELIMO.
b) Garantir a segurança dos portugueses residentes em Moçambique até à independência; 
c) Consatituir elemento dissuador das invasões por forças de países vizinhos em especial da Rodésia, e suster essas invasões no caso de se verificarem
d) Contribuir para garantir a ordem pública e a criação de um clima de confiança, estabilidade rácica e social.

e) Permitir a cooperação com tropas da FRELIMO, estabelecendo as bases da futura cooperação militar entre os dois países.


3º Política de fixação dos portugueses



Tem sido largamente referido, ao longo deste trabalho, o clima de instabilidade, agitação social e antagonismos rácicos que se viveu em Moçambique antes do Acordo de Lusaka e aquando do seu anúncio. Se somarmos a isto a indefinição política e a consequente luta, a degradação económica e o receio relativamente ao modo como iriam actuar as novas autoridades, teremos o quadro sumário de razões que levaram grande número de portugueses a encarar a sua saída de Moçambique.
Não foi fácil extinguir as sequelas do 7 de Setembro e do 21 de Outubro Clika aqui para leres o blog: Bigslam.PT, que puseram em perigo a possibilidade de toda a comunidade portuguesa permanecer em Moçambique.
Já vimos as medidas tomadas no campo militar. Resta aqui dizer que tiveram reflexos imediatos não só na criação de um sentimento de segurança como também na emergência de uma nova expectativa relativamente à situação que a independência criava e sem a qual tudo seria debalde.
A questão da posse de bens e meios de produção, que foi uma das que mais receios suscitou entre a comunidade portuguesa, foi completamente esclarecida. Durante o período de transição foram apenas publicados dois diplomas com implicação na matéria. Um dizia respeito à possibilidade de intervenção nas empresas e era praticamente igual ao que fora publicado em Portugal. O outro dizia respeito à reapropriação dos bens abandonados e que passavam por dois períodos: declaração pública de abandonar e apropriação pelo Estado em caso de não reclamação pelo antigo titular. Essa intervenção estatal  foi fundamentalmente determinada pela necessidade de evitar que tivesse lugar uma ocupação anárquica sobre os bens aumentados.
Importa aqui dar uma nota sobre a saída de Moçambique. Com a saída dos portugueses assumiu aspecto alarmante para o Governo o volume de bens por eles levados. Houve por isso necessidade  de regular o assunto permitindo que cada família transportasse o equipamento normal de uma habitação bem como um automóvel.
A propósito deste problema da saída das pessoas que não queriam permanecer em Moçambique depois da independência, usou-se o critério de manter os transportes com excesso de lugares relativamente aos pedidos visto ter-se verificado inicialmente que a situação de carência aumentava a ânsia de partir. Conseguiu-se assim assegurar a total normalidade ao regresso dos portugueses que o desejavam. Encontra-se talvez aqui a razão de certa animosidade que o transporte dos bens provocou e que a situação psicológica em que se encontravam os que regressavam naturalmente fomentava. Deve recordar-se, a propósito, que desde há vários anos estavam proibidas as transferências para Portugal e que as pensões de família eram autorizadas apenas em casos excepcionais.
Concomitantemente com isto sentia-se a necessidade de compensar os pequenos e médios comerciantes e industriais pelos danos materiais provocados nas suas empresas durante os acontecimentos de 7 de Setembro e 21 de Outubro, sem o que a grande maioria dos afectados não poderia reconstituir as suas vidas em Moçambique.
Para tentar solucionar esta dupla questão, foi estudado um empréstimo de Portugal a Moçambique, que veio a ser negociado com o Governo de transição nas seguintes condições:
- O Governo português poria à disposição do Governo de Moçambique 500 mil contos não transferíveis (este montante correspondia a cerca de 1/3 do Orçamento de Estado de Moçambique);
- O Governo de Moçambique autorizaria transferências para Portugal a título de pensões de família;
- Essas pensões seriam pagas em Portugal com os fundos de empréstimo que o Governo Português havia posto à disposição de Moçambique;
- O contravalor em escudos moçambicanos das pensões transferíveis seria utilizado em empréstimos a juros muito baixos para a recuperação económica ou em indemnizações às vítimas das depredações. Esta medida, conjuntamente com vários incentivos à recuperação económica feita pelo Governo da presidência de Joaquim Chissano, teve grande efeito na vontade de muitos portugueses de continuar em Moçambique. assistiu-se ao mesmo tempo a uma acentuada melhoria na produtividade das empresas.
A questão mais importante relativamente à fixação de portugueses em Moçambique era certamente a que dizia respeito ao estatuto dos funcionários públicos portugueses depois da independência. Convém porém acrescentar que durante o período de transição se verificou um fenómeno de decisão colectiva da parte da comunidade portuguesa relativamente ao problema de partir ou ficar em Moçambique, expectativa que foi bem nítida até cerca do mês de Março.
Manifestação em Lisboa dos portugueses regressados das colónias
O núcleo de funcionários de funcionários públicos era o núcleo mais importante da comunidade e a sua decisão estava muito dependente da forma que assumisse o estatuto futuro dos funcionários.
Foi por isso que se tomaram duas medidas muito importantes para influenciar a decisão. Uma foi a da continuação da Polícia portuguesa para além da independência, a qual já foi relatada a propósito da criação de confiança. A segunda foi a da fixação do estatuto dos funcionários públicos. Para tal foi assinado um acordo entre o alto-comissário, em representação do Estado português, e o Primeiro ministro em representação de Moçambique. No essencial, o acordo estabelecia que todos os funcionário públicos com vínculo de provimento definitivo ao Estado português podiam assinar um contrato de dois anos com o novo Estado.
Verificaram-se imensa adesões e assinaturas de contratos. Mas, posteriormente, foram criadas em Lisboa situações especiais. Os magistrados e funcionários judiciais, por exemplo, viram-se ingressar nos quadros portugueses com as categorias que tinham em África, situação que jamais lhes havia sido concedida.
Não é aqui olugar para tratar estas matérias de um ponto de vista de justiça intrínseca, mas tão só para dizer que a partir daí foram imparáveis as pressões para ter estatutos semelhantes e muito do que se pensara realizar foi impossibilitado por decisões unilaterais de Lisboa.
Apesar de tudo assinaram o contrato e continuaram em África depois da independência muitos milhares de funcionários públicos portugueses, constituindo percentagem elevada (50%) dos que lá trabalhavam e com eles também  elevada percentagem (60%) da comunidade que permaneceu em Moçambique durante o período de transição.

Este texto é um excerto da intervenção de Victor Crespo no seminário<< 25 de Abril - 10 anos depois>> promovido pela Associação 25 de Abril, que decorreu de 2 a 4 de Maio de 1984, na Fundação Calouste Gulbenkian.

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