LIVRO VOZES DE ABRIL NA REVOLUÇÃO: Nuno Alexandre Lousada (A)
segunda-feira, 30 de maio de 2016
LIVRO: VOZES de ABRIL na DESCOLONIZAÇÃO
NUNO ALEXANDRE LOUSADA
Nasceu no Concelho de Vinhais em 10/2/1929 3 faleceu em Lisboa em 5/6/2010
Frequenta o liceu em Bragança, onde no final é marcante a influência do escritor Virgilio Ferreira, seu professor de Português. Depois dos preparatórios em Coimbra, entra na Escola do Exército em 1948 - 1950, integra a arma de Infantaria, em Caçadores Especiais , tendo tirado nos Pirinéus espanhois o curso de Caçadores de Montanha, que preparava unidades de Esquiadores e Escaladores para o corpo Ibérico do Exército dos Pirinéus.
Fez quatro comissões de serviço no ultramar, a primeira no Estado da Índia (1957/1959) e as duas seguintes em Angola (1961/1963 nos Dembos. e 1969/1971, nas Forças de Defesa de Luanda e no Leste). Depois do curso geral do Estado - Maior, fará a última comissão em Moçambique como major e depois como tenente coronel, para onde parte em 1972, ficando colocado na Repartição de Operações do Quartel - General em Nampula quase até ao final da estadia.
Sem um percurso anterior de politização anti-regime, a guerra é talvez o seu mais importante factor de consciencialização e, talvez por isso, era aberto a expressões culturais, como o Cancioneiro do Niassa, que se ouvia em sua casa. Ideologicamente de tendência moderada, em outubro de 1973 integra-se no Movimento dos Capitães, participando na campanha de pedidos de demissão dos oficiais do Quadro Permanente contra o decreto 353/73 e subsequentes, sobre as promoçóes no Exército. É eleito em dezembro desse ano para a Comissão Coordenadora de Nampula.
A seguir ao 25 de Abril, embora manifestando discordância com formas de expressão por militares radicais que considerava desprestigiantes para a instituição, vem a integrar o Gabinete do MFA junto do Comando -chefe em Nampula. é indicado pelo Comando-chefe para integrar a delegação portuguesa às conversações de Lusaka, que resultaram no Acordo de 7 de setembro de 1974.
Na entrevista publicada a seguir, o assunto central foi a sua participação neste acontecimento, onde, como oficial de operações, teria de se ocupar do acordo para o cessar-fogo e assegurar um prazo viável para retracção do dispositivo militar; a este episódio acrescem as vicissitudes ligadas à eclosão do levantamento anti-independentista em Lourenço Marques e o regresso a Moçambique no dia seguinte, com a missão de acompanhar os primeiros altos quadros da FRELIMO que entraram oficialmente no território.
egressa a Lisboa em Janeiro de 1975; é colocado no Estado maior do Exército, 1ª Divisão. A partir do Verão seguinte apoia o Documento dos Nove.
Tendo sido promovido a coronel em 1 de Junho de1976, passa com este posto à reserva em 10 de Janeiro de 1985.
Foi entrevistado no âmbito deste projecto por ANA MOUTA FARIA, nos dias 18 e 25 de Fevereiro e 4 de Março de 2010.
Acordos e conversações prévias
Ana Mouta Faria (AMF): Senhor Coronel. Vamos, então, falar do Acordo de Lusaka, em cujas conversações participou. Li o seu artigo e uma entrevista que fez o favor de me emprestar, em relação aos quais gostava de esclarecer alguns aspectos. Gostava ainda de lhe perguntar sobre dois assuntos anteriores aos Acordos. Um, foi a libertação dos presos políticos e Moçambique, logo no mês seguinte ao 25 de Abril. Recorda-se?
Nuno Lousada (NL): Não, não me lembro.
AMF: Não tem memória de haver presos?
NL: Não tenho, não. Como lhe disse, eu não era chamado para esses assuntos
AMF): Outra pergunta é sobre os elementos é sobre os elementos da PIDE/DGS.
NL: Não sou capaz de concretizar, exactamente, como era, embora me desse muito bem com o oficial da justiça, o chefe do Serviço de Justiça Militar que lá estava, que já morreu. Foi a quem encarregaram de gerir esse assunto da PIDE. Em principio, de acordo com a orientação que teria ido para lá, os oficiais da PIDE/DGS, continuavam a desempenhar funções, enquanto elas se revelassem importantes e necessárias para o funcionamento das opeações militares, chamemo-lhes assim. Até me lembro de um....
AFM: De um inspector?
NL: De um inspector: São José Lopes?
AFM: São José Lopes, sim. Era o chefe da polícia política, da DGS de Moçambique nessa altura.
NL: Portanto, enquanto se tornasse necessário e importante haver a DGS, para estabelecer e facilitar a coordenação e a ligação, eles continuavam. E, depois, seriam...já não me recordo bem, mas depois acontecer-lhes-iam não sei o quê. Eu suponho que está escrito, parece-me, aqui no Acordo, não?
AFM: Não, porque nessa altura, já tinham sido recambiados para Portugal. Acontece antes do Acordo...
NL: Então, naturalmente, mandaram-nos logo. Porque depois houve uma mudança de pensamento, digamos, em relção à utilização dos elementos da PIDE/DGS. Acharam que era tolice eles manterem-se, porque já ninguém queria saber da PIDE/DGS, e toda a gente os insultava, e os militares não queriam estar atidos à DGS. Deram uma volta ao pensamento e mandaram-nos embora, tem toda a razão. Mas já não me recordo ao certo, isto já se passou há não sei quantos anos. E a PIDE/DGS era uma coisa que estava um bocado fora do âmbito militar.
AMF: E havia que distinguir, talvez, entre duas situações, que eram os agentes, os inspectores, que vinham de Portugal, e depois os informadores, que não eram propriamente do aparelho da PIDE, não?
Pois, então, isso ainda menos
.AFM: Recorda-s do que aconteceu às forças moçambicanas após o 25 de Abril? Havia vários grupos especiais de forças africanas, com designações diferentes.
NL: Lá, estavam todos incluídos num grupo. Os Flechas eram em Angola, em Moçambique, não me recordo do nome. Bem, o que ficou assente foi que esses grupos ficariam, sob, eu sei lá como lhe hei-de chamar...até que fosse decidido se eram todos passados à disponibilidade, ou se teiam outra solução. Na Guiné mataram-nos, foram mortos. Mas lá não aconteceu isso. Ou faram passados à disponibilidade, ou mandados embora, ou integrados em qualquer coisa. Já não me recordo em pormenor....Mas isso foi pensado e discutido.
AFM: Que ficariam aquartelados, não sei se se pode dizer assim?
Sim, sim, podia ser, que ficariam aquartelados em determinados sítios, a aguardar as soluções que fossem encontradas, mas já não me recordo em pormenor.
AFM: As soluções, se calhar, foram encontradas, depois, no âmbito da Comissão Militar Mista?
Sim, foram, também. Depois, já incluiu não só autoridades militares, mas também as autoridades políticas, que já eram as novas autoridades políticas, porque era muita gente abrangida.
AFM: Era muita gente?
NL: Era muita gente! Era na Beira, até, que eles estavam.
AFM: A ideia que tenho é de que as tropas de recrutamento local, no conjunto, incluindo africanos e não-africanos, digamos assim, não-pretos, eram metade das Forças Armadas que estavam estaciondas em Moçambique, em Abril de 1974.
Acho que não, nem pensar nisso.
AFM: Eram menos?
Eram. As forças naturais de Moçambique, praticamente eram só essas unidades especiais que tinham sido constituídas pelo coronel Costa Campos, salvo erro. O Costa Campos tinha esse comando. Constutuíram unidades especiais , assim como havia também em Angola. Não estavam em conjunto com as forças metropolitanas.
AFM: Mas em Moçambique até estariam ligadas, uma parte, a Jorge Jardim.
Não o Jorge Jardim é mais um mito que anda por aí. que nós, lá no Norte, tenhamos tido um conhecimento directo do Jorge Jardim estar a diriie essas tropas, eu não tenho essa ideia.
AFM: Ele gaba-se disso nos livros que escreveu
NL: Está bem, mas isso é outra coisa. É uma entidade que nunca soubemos bem quem era. Nós o militares, tenentes-coroneis, nunca soubemos bem como isso funcionava. Há uns militares que sabem, porque estiveram a trabalhar com ele, lá em Moçambique. O Aniceto Afonso, e esses, sabem bem quem são esses militares. Houve dois militares que estiveram a trabalhar directamente para o Jardim. Mas eu não sei.
AFM: Eu apanhei o nome, pelo menos, de um, num dos livros do Jorge Jardim, de quem ele diz claramente que era o elemento de ligação.
NL: Pois o elemento de ligação que ele tinha. Mas como eram coisas mais ou menos secretas, nem sabíamos. De repente, o militar que foi falar com ele, desapareceu da circulação. Ninguém disse: << o não-sem-quantos foi trabalhar com o Jorge Jardim>>, ía mas...aquilo era do tipo secreto.
AFM: Depois, houve um militar, que trabalhava para o Jardim, ou com o Jardim, que era o Daniel Roxo...
NL: Esse já não era militar. Era um civil, um caçador. Parece-me que era ali da área do Niassa. Havia outro assim no género, ali para os lados de Tete, mas só me lembro do nome do Roxo. Esse yambém se dizia que era um empregado do Jardim - era? não era? - não sei.
AFM: Sim, sim; funcionavam, também, como Informações.
NL: Pois, era possível que funcionassem com isso tudo.
AFM: Em Nampula, depois de 25 de Abril, teve ocasião de observar solicitações às Forças Armadas Portuguesas, quando havia conflitos, problemas, entre africanos e portugueses?
NL: Conflitos de que tipo?
AFM: Por exemplo, havia reivindicações nas empresas, havia tensões entre colonos e naturais?
NL: Em Nampula, não. Mas tenho a impressão de que, depois, nas outras localidades, já fora, muitas vezes, as Forças Armadas eram a via que actuava. Mas nisso nunca entrei.
AFM: E lembra-sede ter constatado algum movimento de regresso a Portugal da parte dos colonos que estavam instalados em Moçambique? Da parte de brancos.
NL: Não, porque isso se processava tudo cá em baixo. Passava-se tudo na área de Lourenço Marques...ou, Maputo, Beira, por ali. Lá no Norte, em Nampula, não, que praticamente estava quase despovoada. E os que lá havia, lá se aguentaram...Não houve assim um movimento de regresso à Metrópole.
AFM: Como o que houve em Angola?
NL: Não, não houve.
AFM: Disse-me que antes de partir para Lusaka, integrado na delegação, veio a Lisboa, onde teve uma entrevista com o Chefe do Estado-Maior- General das Forças Armadas, general Costa Gomes. A pergunta, no caso de entender que deve esclarecer, é se o CEMGFA lhe deu indicações específicas sobre a sua missão neste acontecimento.
NL: Não, não me deu informações específicas. Eu é que vinha para lhe pedir informações específicas sobre como estabelecer um acordo de cessar-fogo com a FRELIMO. Porque - e foi essa a razão que me levou a pedir a entrevista ao general Costa Gomes - o MFA que estava em moçambique a até todos nós, militares, estávamos com um problema. Era que as nossas tropas já não combatiam.
Começou a acontecer a tal coisa, que me levou a mim a...deixar o MFA. Começaram a dizer que as nossas tropas andavam lá a "matar pretos", e isto e aquilo....Por um lado, as nossas tropas vontade de combater já não tinham nenhuma, nenhuma! Antes das negociações com a FRELIMO já tinha havido dois acontecimentos chatos, um em Omar e o outro, parece-me que não é muito falado, que foi, salvo erro, em Mocímboa do Rovuma. Em que o homem que lá estava a comandar o Batalhão tomou a decisão, quanto a mim acertada, de retirar de Mocímboa do Rovuma para Mueda, que era a capital, para evitar que aquilo desse em debandada. Porque eles já não combatiam! E iam render-se aos outros, não é? Ele ainda é vivo, não me recordo agora do seu nome. Assumiu, e muito bem, o comando do batalhão, e sujeitou-se a ser punido por retirar frente ao inimigo. Assim, conseguiu que o batalhão retirasse de Mocímboa do Rovuma e viesse para Mueda, inteirinho, comandado, sem desordem nenhuma, e que não ficasse lá ninguém, ou se entregasse ao inimigo.
Clica aqui para leres a crónica: RUI VERGUEIRO,ALFERES MILICIANO: NO PÓS 25 DE ABRIL DE 1974 NO NIASSA
AFM: Isso porque já tinha havido um...problema anterior.
NL: Não sei Omar foi antes ou depois. Mas o que penso é que já tinha havido estes episódios e mais umas coisas noutros sítios
AFM: Mais uns dois ou três, casos, pelo menos.
NL: Antes de partir para as conversações de Lusaka, fui pedir audiência ao general Costa Gomes, porque nós pensávamos: << ou adquirimos um acordo de cessar-fogo com a FRELIMO, ou qualquer dia eles pôem-nos daqui para fora a pontapé, sem precisarem de nos dar tiros, porque as nossas forças já não combatem>>. E depois, tínhamos de ir embora maltrapilhos...Tinha de se fazer um acordo de cessar-fogo antes, para não passarmos pela vergonha de sermos empurrados para o mar. Em linguagem rude, era isto. E foi isto que vim dizer ao general Costa Gomes: << Olhe que se passa isto, nóes estamos a ver...>> porque já não se combatia. Havia capitães milicianos de engenharia que já não mandavam as tropas fazer nada! milicianos...porque estavam todos já no outro lado...A minha entrevista com o Chefe do Estado-Maior foi para lhe apresentar este aspecto.
AFM: Quando diz o outro lado, está a referir-se à vontade de regressar?
NL: Quera dizer: à vontade de regressar, já não queriam combater. As provincia ultramarinas eram para serem independentes, portanto já não punham as tropas a combater.
AFM: Já não fazia sentido, não é?
NL: Sabe o que se passou com as forças em Angola, nalguns sítios? Que se entregaram?
AFM: E foi o que aconteceu em Omar?
NL: Em Omar entregaram-se...
Clik aqui para ler a crónica: A traição de OMAR, que fez correr lágrimas a Spínola
AFM: Mas houve prisioneiros feitos por parte da FRELIMO
NL: Não houve prisioneiros, ninguém fez prisioneiros, mas nã há dúvida nenhuma de que se entregaram,
quer dizer, entregaram as armas, entregaram tudo, e já não combatentes! Mais um bocado e a FRELIMO dizia: <<Pst!, eh, ponham-se a andar>>, e aquela malta punha-se toda a andar!
AFM: Também na entrevista que fez, e me deu a ler, diz que em Lusaka houve uma longa discussão. Como é que as discussões estava organizadas? As delegações dividiram-se em grupos, ou estiveram sempre juntos?
NL: Não, não, foi sempre à mesa...
AFM: ...frente a frente?
NL: ...Uma delegação de um lado, outra delegação do outro, e depois, iam surgindo os assuntos: <<Então e agora como é que se faz, e como vai ser...>> E depois, ficou mais ou menos exarado. Não houve aquilo que se possa chamar de uma discussão grande, não houve ali um grupo a tratar de um assunto, e outro a tratar de outro, não...foram-se tratando os assuntos assim. Não pacificamente, isso não...Não vale a pena estar aqui com coisas, que o Samora Machel fartava-se de nos chamar colonialistas e outras coisas parecidas...
AFM: Era ele principalmente quem falava, ou havia outras intervenções?
NL: Ele, ele...só falou ele! Não deu a palavra a mais ninguém.
AFM: Não viu lá, nessa altura, o Aquino de Bragança?
NL: O Aquino de Bragança não estava na mesa. Mas estava em Lusaka, eu viu-o lá.
AFM: Ele não era natural de Moçambique, não é?
NL: Pois, não era moçambicano, não.
AFM: E falou-se num anteprojecto. Tem ideia de que haveria um anteprojecto, trazido pela...
NL: Pela FRELIMO. Tenho ideia, mas não juro...
AFM: Lembra-se de como é que se falou, se se falou, da libertação dos militares que havia presos, pela FRELIMO, durante a guerra?
Havia alguns, não? Que depois vão ser libertados mais tarde.
NL: Sim, falou-se. O assunto foi abordado. O que se passava é que da FRELIMO, quem é tinha prisioniros nossos? Que nós soubesse-mos, ninguém. Não tinham ninguém.
AFM: Havia uns quantos prisioneiros
NL: Em Moçambique?
AFM: Não, estavam na Tanzânia.
NL: Eu tenho a impressão que não havia ninguém. Agora, já lá vão estes anos todos... Mas tenho a impressão de que não havia ninguém. Isso foi uma das coisas que o Samora Machel queria saber: << Então, agora como é para os prisioneiros da FRELIMO? >>. Penso que nós também não tínhamos nenhum. Não havia propriamente prisioneiros, de maneira que foi um assunto que automaticamente se resolveu.
AFM: Portanto, não houve discussão ou debate sobre troca de prisioneiros.
NL: Não, não. Quer dizer, terá havido conversas sobre a troca de prisioneiros, mas foi um assunto que ficou resolvido, digamos, sem mais formalismos.
AFM: Sobre a PIDE, poderiam, em Lusaka, ter falado alguma coisa?
NL: Não, não, não.
AFM: Sobre os combatentes africanos, moçambicanos, que estavam integrados nas Forças Armadas Portuguesas? Em Lusaka, falaram sobre esse assunto, recorda-se?
NL: É possível que se tenha falado, mas volto à mesma, o que ficou assente, o que eu me recordo, é de que essas forças estavam...aquarteladas, talvez.
AMF: E sobre o destino dos colonos brancos, debateram isso?
tropelias
AFM: E sobre a questão da nacionalidade? Porque está ligada com a questão dos colonos. Quem é que teria direito à nacionalidade portuguesa ou à nacionalidade moçambicana?
NL: Também não foi discutido. É por isso que volto a dizer como já lhe tinha dito em OFF, que deve haver um artigo, ou um acordo prévio, em que discutiram isso. Porque se lermos o Acordo de Lusaka, não diz nada sobre o assunto.
AFM: Pois não.
NL: Não diz nada. Portanto, tenho a impressão de que isso já teria ficado acordado.
AFM: É sobre os futuros serviços e estruturas de Moçambique, que, anteriormente, eram ocupadas pelos portuguesas?
NL: Pois, os organismos civis, era tudo para resolver - suponho que está escrito em algum lado - pelo Victor Crespo, que era o alto-comissário. O alto-comissário resolveria isso com as autoridades da FRELIMO. A parte militar, essa, nós assentámo-la logo. Assentámos logo que, por exempço, todos os materiais ficavm para a FRELIMO, não íamos trazer para a Metrópole o material de guerra que já estava. Só algum material que ainda não tivesse entrado ao serviço, que tivesse chegado há pouco tempo a Moçambique e que ainda estivesse para ser distribuído aos orgãos executantes, esse já não se desencaixotava. O outro, nós entregámos todo à FRELIMO. Entregamos viaturas... entregámos-lhes isso tudo.
AFM: E sobre a questão das minas colocadas, lembra-se de terem falado?
NL: Falou-se, falou-se nisso das minas. Era um problema que tinha de ser resolvido localmente. Porque quem as tinha colocado, saberia onde as tinha colocado. Em Moçambique não houve grandes problemas com as minas. Por lá resolveram os problemas entre eles.
AFM: E relativamente ao funcionamento da Economia, recorda-se?
NL: Economia?...É por isso que lhe digo que terá havido o tal acordo prévio, ou então que isso terá estado englobado nos assuntos que o ACORDO estipulava que deveriam ser resolvidos pelo Alto-Comissário. Ele depois é que teve de resolver esses assuntos com as autoridades da FRELIMO, não foi ali entre nós. Ali foram só os aspectos militares
AFM: Esse é que foi o factor decisivo?
NL: Pois foi o leitmotiv
AFM: Então, também não se teráfalado a respeito da cooperação com Portugal, das relações de cooperação depois da independência?
NL: Também não.
AFM: Isso vê-se bem no texto do Acordo. Disse-me, então, que, da parte moçambicana, o único interlocutor a falar foi o Samora Machel.
NL: Da parte moçambicana, foi ele. O Presidente é que falava, e os outros atrás, ouviam.
AFM: E nunca se manifestavam, na reunião?
NL: Não, não se manifestaram.
AFM: Tem ideia se se falou em Lusaka sobre o número de combatentes da FRELIMO?
NL: Sobre números já não me recordo, mas é possível que sim. Mas ficou ali, depois não se fez coisa nenhuma...Ter-se-ia discutido, por exemplo, qual o efectivo militar que estava em Mueda, e qual o efectivo militar da FRELIMO que iria ficar em Mueda. Isso é possível ter-se referido, mas sem nenhumas consequências. Foram depois as autoridades militares, os nossos e as deles, que discutiram isso sobretudo depois em Nampula, os quais foram comigo depois da assinatura do Acordo.
AFM: Sim, provavelmente até no âmbito da Comissão Militar Mista.
NL: Pois.
AFM: Portanto, em Lusaka esses assuntos não foram pormenorizados?
NL: Não.
AFM: Um segundo aspecto: depois da assinatura do Acordo, o senhor coronel ficou mais tempo em Lusaka do que o resto da delegação portuguesa, que veio imediatamente embora...
NL: Essa veio-se logo embora. Assim que asinámos o Acordo. Aquilo acabou às duas e tal da tarde. Almoçaram, comeram qualquer coisa, foram para o aeroporto e vieram-se embora para Lisboa. Nos livros do Almeida Santos e dos outros....Nenhum deles quer reconhecer, perdoe-me o calão...QUE SE PIROU ! Mas piraram-se todos, deixaram-me sózinho no aeroporto
AFM: Ficou até quando?
NL: Fiquei até ao outro dia...
AFM: Até ao dia 8, portanto
NL: O Acordo foi a 7, por isso foi a 8
AFM: E quanto àquele outro episódio, em Lusaka, depois da vinda da delegação portuguesa?
NL: Portanto , os nossos amigos de cá, a delegação....pirou-se, e eu fiquei no aeroporto sozinho. Eu até costumo brincar e dizer que disse para mim mesmo: << Ó nuninho, tu metes-te em cada uma, pá...>> .
Olhava para os lados, e não via ninguém, fiquei único! Bom, eles tinham-me posto um motorista, um carro de Táxi, à disposição. De maneira, que estava de Táxi, e pensei << E agora para onde é que eu vou? ...>> E lembrei-me : << há uma coisa, um garden party...>>Havia um beberete, oferecido pela comunicação social de Moçambique afecta à FRELIMO. Estava lá a decorrer, realmente, nos jardins, ao lado do Palácio do Governo, ou coisa assim. Disse ao Táxi para me levar para lá e fui buscar um grelhado qualquer...E andava - isto, autenticamente, é verdade, eu andava, pronto, contente, quando apareceu o tal senhor. Um tipo com um cartaz muito grande, a dizer; << Tenente Coronel Lousada, o Presidente Samora Machel chama-o ao Palácio do Governo.>> E eu: <<Olha, pá, agora só me faltava esta...>> Mas lá fui. Meti-me no tal Táxi e fui para o Palácio do Governo. E quando lá entrei - até tenho para aí escrito - o Samora Machel veio direito a mim, a dizer-me: << Traição!>> Isso é verdade...
AFM: Zangado?
NL: Zangado! Mas não me chamou nomes nenhuns, nem me invetivou. Veio a dizer: Traição! E eu..., pode imaginar-me, com cara de parvo, não sei que cara seria a minha, mas assim: Mas, traição o quê pá?!, e ele: Traição. Então não ouviste?! Acabámos de assinar um acordo de cessar-fogo, pá, e já estão a fazer operações militares contra nós, contra a FRELIMO, em Lourenço Marques! Então, não sabes?. Eu não,Eu não sei nada! Eu venho do Garden Party, não sei nada... E ele: Então ouve aqui: E pôs-me a ouvir uma estação de rádio que estava a transmitir a rádio de Lourenço Marques - isto embora pareça que não é importante, é. E então, estava um fulano, nem sequer sei quem era, a dizer pela rádio que negavam o Acordo de Lusaka, e que já tinham o apoio das unidades militares de Moçambique para continuar a luta, e que até já - e aí eu estava aflito...- as unidades de Nampula e unidades de Comandos estavam para actuar...Pode imaginar o assustado que eu estava nessa altura...
Clika aqui para leres o livro: Clotilde Mesquitela:MOÇAMBIQUE, 7 de SETEMBRO. MEMÓRIAS DE UMA REVOLUÇÃO.
AFM: Ficou numa situação muito delicada, não?
NL: Se estava delicada! Dizia o Samora Machel: << E foi o Presidente Spínola que deu as ordens para os tipos de Lourenço Marques se levantarem e fazer isso>> E eu: << Eu não acredito nessa coisa essa coisa que está a dizer. Olha com as unidades de Nampula ficou estabelecido...>> - que grande merda! olha, um merdas de um tenente-coronel como eu, desculpe o palavrão, é que ia agora mandar - << as forças de Nampula, ficou acertado entre mim e elas, que só actuavam se eu lhes desse ordem ou autorização, portanto as forças de Nampula, não se mexem, pá, está descansado. E, pelos Comandos também respondo eu que não!>>, e o Samora: << Tens a certeza, e tal?>> Isto foi a conversa entre mim e o Samora!...<< Tens a certeza?>> << tenho a certeza, respondo por isso. Respondo! As forças de Nampula estão à espera que eu lhes diga, se sim, se actuam, e os Comandos também não actuam sem ordens minhas ,
AFM: Mas quando diz Comandos, são as unidades de Comandos os os comandos militares?
NL: Os Comandos, tropas. Porque o que estava na rádio, estava dizer: << e os Comandos ...>> também iam todos actuar...Antes disso, o Samora Machel tinha-se voltado para trás, para o Mabote, e tinha dito: << Dá ordens para as forças da FRELIMO atacarem todas as forças portuguesas! >>.
(Clika aqui para ler a crónica " 8 SETEMBRO DE 1974. A ACÇÃO DA CHERET, EM NAMPULA, EVITOU UMA CATÁSTROFE."
E eu, se não desmaiei na altura, nem tive nenhum ataque de coração, também já não devo ter! Eu sabia o que se tinha passado em Omar, o que se tinha passado em Mocímboa do Rovuma, o espírito com que estavam as tropas, e pensava: << isto é o fim da macacada, se as forças da FRELIMO atacam de repente as nossas forças...isto vai ser o fim, o fim...>> Disse-lhe - a expressão verbal foi: << não faças issso! >> , e ele voltou-se para mim: << Não faço isto?! Então o que faço?>> E eu tive uma frase política, que não sei como me ocorreu...às vezes estas coisas na vida, saem sem querer...Disse: << Faz aquilo que achares melhor para o Povo de Moçambique e para o Povo Português.>> E o Samora Machel olhou para mim, voltou-se para trás, para o Mabote, e disse: << Sem efeito a minha ordem>> Eh pá!.
AFM: Respirou fundo.
NL: Respirei fundo, bem...E a partir daí, depois: << Então, vamos ver, porque, se as indicações que estão a dar pela rádio são coisas do Spínola.>> E fomos lá para cima, para a zona do Palácio do Governo que estava entregue a eles, e telefonou-se para o Spínola , e correu mal, correu muito mal! Eu não ando agora a dizer por aqui e ali, mas correu mal. Correu muito mal entre os dois, e ficou a coisa muito crispada. E depois parece-me que já foi por sugestão minha, ou então foi ele que perguntou, telefonou para o general Costa Gomes. E o Costa Gomes, que não tinha nada a ver com o Spínola, fez uma conversa: << Não senhor, daqui não houve ordem nenhuma para Lourenço Marques, é a paz, é o Acordo de Lusaka...>>bom, já não sou capaz de repetir ao certo. Pronto, eo Samora sossegou. O Samora sossegou, depois da conversa com o Costa Gomes. E foi, quando, depois, me foi servido o tal jantar, pela Graça Simbine. E o ambiente ficou assim.
Bem, e depois, então, começámos a combinar a vinda para Nampula no dia seguinte, quem vinha comigo e quem não vinha. Assentou-se quem é que vinha no outro dia. Fez-se o pedido um avião, alugaram um avião de Nampula para nos vir buscar, e pronto, passou-se assim o resto da noite, até as pessoas se deitarem.
AFM: Tratavam-se por tu?
NL: O Samora Machel tratava tudo por tu. E eu tratava-o também a ele. Tratava toda a gente por tu, sobretudo os combatentes. Na mesa das negociações, a certa altura, o Samora Machel tinha perguntado: << Quem é está aí, na delegação portuguesa, das tropas combatentes?>> e eu não vi ninguém levantar-se, porque ninguém se podia levantar, e levantei-me eu; << Estou eu, que sou das Operações do Quartel General >>. E ele; << É que eu tenho aqui, os meus comandos todos, e tal--->>, << Então, daqui estou eu >>, disse-lhe eu, << sou combatente, mas agora estava nas Operações>>. Bom, e dali para a frente, o Samora falava a olhar para mim, não para os outros. Porque ele era um cabeça..... Portanto, para ele...<< aquele é que é o combatente, é com aquele que vou falar>>. E depois, como digo, decorreu o que decorreu o que decorreu, naquela conversa no Palácio do Governo.
AFM: Entenderam-se entre combatentes.
NL: A coisa com que ele ficou pelo tenente-coronel, que era como ele me chamava, eu era o <<Tenente-coronel>>
AFM: Quanto ao episódio da noite de 7 de Setembro tenho uma dúvida, porque há informações contraditórias em fontes impressas...Portanto, durante a conversa com Samora Machel, à noite, no hotel, o senhor coronel diz que houve um primeiro telefonema para o general Spínola, para o presidente da República...
NL:;Sim
AFM: ...que correu mal, não foi?
NL: Sim, correu mal.
AFM: E depois, que há um segundo telefonema, para o general Costa Gomes...
NL: Sim
AFM: Ora, eu, encontrei, num livro do jornalista João Paulo Guerra, que esse segundo telefonema teria sido feito para o primeiro-ministro, que era Vasco Gonçalves...
NL: Comigo a tomar parte no assunto, não foi, Foi para o general Costa Gomes.
AFM: E o engenheiro Monteiro da Silva também refere que o segundo telefonema é com Vasco Gonçalves.
NL: Então, esse não foi comigo.
AFM: Provavelmente é um engano, mas...
NL: Comigo, o que houve, e eu é que estabeci conversa com o general Costa Gomes, e disse que estava a conversar com o presidente Samora Machel sobre o que se estava a passar em Lourenço Marques...Isso foi comigo e com o Costa Gomes. Se houve alguma coisa com o Vasco Gonçalves, foi fora do meu conhecimento.
AFM: Portanto, não foi durante esse episódio?
NL: Acho que não.
AFM: Não deve ter sido então...isto acontece muitas vezes. Uma pessoa comete um erro, e depois as outras vão-se baseando nela e vão-se repetindo. Às tantas, esta informação já aparece em vários sítios diferentes.
Há algum outro aspecto que ache importante referir, relativo a Lusaka? Que eu não esteja a ver...
NL: Deixe-me só falar numa coisa, que me está...eu não sei qual é a possibilidade que têm de nseguir isto...No Maputo, eles têm isto tudo registado com certeza, eu quase jurava que eles têm isto tudo gravado, todas estas coisas que se passaram.
AFM: Gravadas?
NL: Estou convencido de que sim, de que têm aquilo tudo gravado. Que possibilidades teriam, entidades oficiais de investigação históri ca, de pedir:<< Mostrel lá o diário das conversaçõs em Lusaka>>, não sei que possibilidades é que...porque têm tudo gravado.
AFM: Lembra-se de que havia gravação a decorrer?
NL: Não, porque, para já, eu estava nervisíssimo, como pode calcular! E estava era com atenção ao que se estava a passar comigo, e em relação àquilo que se estaria a passar por fora. Se estariam mesmo a gravar, ou não, eu não cheguei a aperceber-me . Mas estou convicto de ue sim, de que eles gravaramtudo.
AFM: Bom, para conseguir isso precisávamos de duas coisas: de dinheiro para lá ir, que é o mais fácil; e da autorização para consultar esses registos, no caso de terem existido. Essa é mais difícil. Mas é uma boa sugestão, e eu vou ficar com ela.
NL: Pois, eu não queria esquecer. É uma coisa que eles, de certeza....
Eu não ponho a cabeça em sítio nenhum por nada....mas quase juro que eles, se não gravaram tudo, pelo menos parte daquelas coisas gravaram. Eu tenho a impressão, até...que aquela senhora célebre que foi directora de um jornal...
AFM: A Vera Lagoa?
NL: Que a Vera Lagoa chegou a referir, mas também o que ela dizia não se escreve....Tenho a impressão de que escreveu qualquer coisa assim, que a conversa que houve entre mim e o Samora estava gravada...
AFM: À noite?
NL: Á noite. Ela escreveu isso. Até dizia que o Samora me tinha insultado, e não sei quê, o que é mentira, não tenho pejo nenhum em afirmar.
AFM: Nem da parte dele, nem de outras pessoas?
NL: Nem de outras pessoas. É como eu digo, quase ninguém abria o bico, pelo menos, eu não tenho ideia de ouvir abrirem...
AFM: Mesmo à noite?
NL: Mesmo na conversa à noite . Mas a Vera Lagoa escreveu isso no jornal. É mentira que ele me tenha insultado. Mas continuo convencido de que há gravações disso. E quem sabe, também, se há gravações ou não é a Graça Simbine
AFM: Depois Graça Machel.
NL: Depois Graça Machel. Que ela eatava ali, foi ela que nos serviu o jantar, nessa noite. Porque estas coisas deram muita coisa que falar. E portanto, não sei que horas eram, e eu ainda não tinha jantado...
AFM: Mas isso foi onde, no hotel
NL: Em Lusaka. No Palácio do Governo. E, a certa altura, a Graça Simbine foi buscar meio frango, ou qualquer coisa assim, e deu-nos de jantar. Isto é para lhe dizer que não jogámos à pancada, nem nos insultámos...Foi ela que serviu o jantar, e ficou minha amiga, muito minha amiga.
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AFM: Como se vê, depois por aquela declaração de apreço quando vieram a Portugal em visita oficial. Muito obrigadob por essa sugestão, que é muito útil. Assim eu a consiga concretizar.
Em seguida, conforme vi na sua entrevista, quando regressou de Lusaka a Moçambique, regressou directamente a Nampula. E viajaram consigo...
NL: Como estava no Acordo, já não sei como está escrito. Mas sei que ficou decidido na reunião, que eu no outro dia iria para Nampula com os chefes principais da FRELIMO, como fui, com o ministro da Defesa, o chefe do Estado-Maior, o comandante militar não sei de onde...Ainda sei, mais ou menos, os nomes deles. Lembro-me do Chipande, era o ministro da Defesa, do Mabote que era o CEME, o comandante do Exército. Do Armando Panguene. Já só falta um, que não sei se era o Gebuza.
AFM: O Actual Presidente.
NL: Mas tenho a impressão que não era o Guebuza, que era outro, também um comando das forças operacionais deles. Mas destes três lembro-me.
AFM: Não encontrei ainda, em sítio nenhum, referência a quem são esses primeiros elementos da FRELIMO. São os primeiros que entram?
NL: Vieram comigo. Foram os primeiros, precisamente com a missão - de constituir aí uma Comissão Militar Mista. E depois o Quartel-General nomeou os oficiais que tinha de nomear, e estabeleceu-se essa Comissão com a FRELIMO, e começou-se a estudar, a pensar e a organizar, a retracção das nossas forças e o avanço das tropas da FRELIMO, claro. E seram depois essas quatro entidades da FRELIMO, que eram os comandos principais, que, juntamente com as personagens do Comando Militar português de Moçambique -que estava em Nampula, e depois até veio para Lourenço Marques - que iriam estabelecer as normas, e organizar em detalhe como seria então com as forças portuguesas que estavam no terreno.
AFM: A retracção das forças
NL: A retracção das forças portuguesas e a entrada em dispositivo das forças da FRELIMO. Isso era depois com a Comissão Mista, que isso tinha de ser feito no terreno. Senão, não se podia estar: << o comando em Nampula, o comando em Montepuez, o comando não sei onde>>
dava uma salganhada com o comando.
AFM: Foi uma operação de grande envergadura.
NL: Foi formada essa Comissão Militar Mista, que estudava como se ia fazer, e os passos em que aquilo se ia fazer, e depois, como estava no Comando Militar, as ordens iam saindo para os respectivos comandos militares, para darem execução ao plano que se tinha estabelecido, à programação.
AFM: Mas, e as suas funções específicas, nesse tempo?
NL: Mantiveram-se onde estavam, porque eu estava precisamente na Repartição de Operações do Quartel-General.
AFM: Portanto participou nesse planeamento?
NL: Sim, participei. Já não muito, porque como eu vinha embora...Quer dizer já estava, digamos, com os pés nos estribos... Mas ainda participei nisso.
AFM: Foi a sua actividade principal?
NL: Aí, foi.
AFM: Lembra-se do 21 de Outubro?
NL: O que é o 21 de Outubro?
AFM: É uma réplica do 7 de Setembro, em Lourenço Marques, em que há um massacre...há muitas mortes de brancos...
NL: Isso foi no 7 de Setembro.
AFM: E, depois, volta a haver no dia 21 de Outubro
NL: Ah, disso eu já não sei.
AFM: Pois esta va longe, não é?
NL: Estava longe.
AFM: Não chegava ao seu conhecimento
NL: Não; até desconheço essa data e tudo.
AFM: E ficou em Nampula até ao final? Não veio para Lourenço Marques?
NL: Não, fiquei até Janeiro em Nampula
AFM: Alguma vez voltou a Moçambique ?
NL: Não
AFM: Nem manteverelações com moçambicanos?
NL: Não, por cá, não mantive. A não ser quando cá veio o Samora visitar o Presidente da República , então, tive outra vez conversas, com ele e com a mulher. Mas, de resto, nunca mais tive ligaçações, com as coisas de Moçambique. Como lhe digo, eu também não era...muito afecto, digamos, às organizações que havia por cá, que na altura, eram quem falava com Moçambique e Angola, e eu não era chamado para nada disso.
AFM: Lembra-sede algum episódio que tenha sido referido durante o tempo em que lá esteve, e de que não se tenha falado ainda?
NL: Não, enquanto lá estive, não. É que nos meios militares, as coisas passassam-se um bocadinho...à distância. Não é estranho, é mesmo assim. Eu era um tenente-coronel, oficial adjunto da 3ª Repartição do chefe o Estado-Maior, e ninguém ligava a mais nada do que a isso. Portanto, só iria saber alguma coisa que eu pudesse apanhar por fora. O resto passava-se nos escalões de general e brigadeiro. E o tenente-coronel que estava lá, chefe da repartição, não sabia de nada
AFM: Não lhe chegava a informação?
NL: Não, não lhe chegava a informação.
AFM: Muito obrigado pela sua colaboração
Relatório do abandono total em 4 de Agosto de 1974, do aquartelamento de NANGOLOLO. Cabo Delgado -- Moçambique.
Considerando que a logística de apoio ao aquartelamento de Nangololo se encontrava no limite final, no tocante à alimentação e a protecção aérea por utilização de mísseis por parte da Frelimo, foi determinado pelo BCAÇ 15 o abandono puro e simples por comunicação cripto em 02.08.1974.
Foi dada instruções para que se queimasse toda a documentação escrita não confidencial, assim como a retirada de todos os percutores do armamento pesado e o rebentamento de todo o material explosivo.
Mais foi informado de que a data de abandono seria em 04.08.1974 devendo a Companhia deslocar-se apeada para Mueda.
O capitão da CART 7256 sediada em Nangololo desde 1973, reuniu com todos os Oficiais a fim de dar informação das instruções entretanto recebidas.
Denotou-se de imediato de que a retirada pelo percurso indicado para Mueda, seria altamente perigoso face à zona em si, assim como se previa de que a Frelimo após a captura dos militares de Omar, certamente de que iria exerceruma maior pressão contra os militares de Nangololo, conhecendo de antemão todas as nossas dificuldades de movimentação.
Entendendo de que só tínhamos uma outra alternativa q ue seri a deslocação para o aquartelamento do Chai, deslocação essa de cerca de sessenta quilómetros e de mais difícil progressão no entanto optámos por esse percurso pois certamente iríamos surpreender a Frelimo das suas intenções e que seria mais seguro para toda a Comanhia
Executámos todas as instruções que nos foram determinadas, excepto na determinação do percurso para Mueda, alteração essa comunicada para o BCAÇ 15.
Em 04-08-1974 pelo nascer do sol, já toda a Companhia se encontrava pronta para a deslocação para o Chai estando consciente de todas as dificuldades que tinham de superar.
Aguardou-se a chegada de dois helicópteros Puma, os quais só chegaram pelas 10h30 para transportar todos os nossos pertences pessoais, assim como a documentação confidencial e alguns materiais militares,
Assim que os helicópteros levantaram voo, iniciámos de imediato a nossa "fuga" para o Chai com cerca de cento e tal homens.
Inicialmente foi uma descida bem íngreme do Planalto dos Macondes para o Vale de Miteda em que a mata era de grande densidade, necessitando-se para isso a abertura do trilho com catana, provocando uma progressã muito lenta.
Pelo sol posto parámos já quase no fundo do vale extremamente cansados. A moral dos militares face aos acontecimentos estava bem baixa no entanto o instinto de salvar a pele era um bálsamo para todas estas dificuldades.
No dia seguinte, assim que apaeceram os primeiros raios de sol reiniciámos a marcha no sentido de tentar chegar ao nosso objectivo o aquartelamento do Chai.
A meio da manhã e já com os limites da resistência humana a aproximar-se do completo esgotamento. ainda tivemos uma nova e grande dificuldade. Atravessar o rio Messalo.
Após mais esta grande dificuldade, outra se nos deparava que era uma enorme subida até ao nosso objectivo final.
Pelo meio da tarde do dia 05-08-1974, os primeiros homens começaram a chegar ao Chai, aguardado-se mais do que uma hora pelo restante pessoal, pois muitos assim que se aperceberam que estavam próximos de zona segura, não mais conseguiram dar um passo tal era o esgotamento físico e psicilógico.
De salientar e enaltecer a boa colaboração entre todos os intervenientes desta "odisseia", qual não teve nenhum ferido grave , mas que deixou certamente marcas bem profundas na dignidade humana.
Texto de : Duílio Caleça. Alferes Miliciano da CART 7256
Nasceu no Concelho de Vinhais em 10/2/1929 3 faleceu em Lisboa em 5/6/2010
Frequenta o liceu em Bragança, onde no final é marcante a influência do escritor Virgilio Ferreira, seu professor de Português. Depois dos preparatórios em Coimbra, entra na Escola do Exército em 1948 - 1950, integra a arma de Infantaria, em Caçadores Especiais , tendo tirado nos Pirinéus espanhois o curso de Caçadores de Montanha, que preparava unidades de Esquiadores e Escaladores para o corpo Ibérico do Exército dos Pirinéus.
Fez quatro comissões de serviço no ultramar, a primeira no Estado da Índia (1957/1959) e as duas seguintes em Angola (1961/1963 nos Dembos. e 1969/1971, nas Forças de Defesa de Luanda e no Leste). Depois do curso geral do Estado - Maior, fará a última comissão em Moçambique como major e depois como tenente coronel, para onde parte em 1972, ficando colocado na Repartição de Operações do Quartel - General em Nampula quase até ao final da estadia.
Sem um percurso anterior de politização anti-regime, a guerra é talvez o seu mais importante factor de consciencialização e, talvez por isso, era aberto a expressões culturais, como o Cancioneiro do Niassa, que se ouvia em sua casa. Ideologicamente de tendência moderada, em outubro de 1973 integra-se no Movimento dos Capitães, participando na campanha de pedidos de demissão dos oficiais do Quadro Permanente contra o decreto 353/73 e subsequentes, sobre as promoçóes no Exército. É eleito em dezembro desse ano para a Comissão Coordenadora de Nampula.
A seguir ao 25 de Abril, embora manifestando discordância com formas de expressão por militares radicais que considerava desprestigiantes para a instituição, vem a integrar o Gabinete do MFA junto do Comando -chefe em Nampula. é indicado pelo Comando-chefe para integrar a delegação portuguesa às conversações de Lusaka, que resultaram no Acordo de 7 de setembro de 1974.
Mesa das conversações para o Acordo de Lusaka, em 7 de Setembro de 1974 entre os representantes do Estado Português e da FRELIMO |
egressa a Lisboa em Janeiro de 1975; é colocado no Estado maior do Exército, 1ª Divisão. A partir do Verão seguinte apoia o Documento dos Nove.
Tendo sido promovido a coronel em 1 de Junho de1976, passa com este posto à reserva em 10 de Janeiro de 1985.
Foi entrevistado no âmbito deste projecto por ANA MOUTA FARIA, nos dias 18 e 25 de Fevereiro e 4 de Março de 2010.
Acordos e conversações prévias
Ana Mouta Faria (AMF): Senhor Coronel. Vamos, então, falar do Acordo de Lusaka, em cujas conversações participou. Li o seu artigo e uma entrevista que fez o favor de me emprestar, em relação aos quais gostava de esclarecer alguns aspectos. Gostava ainda de lhe perguntar sobre dois assuntos anteriores aos Acordos. Um, foi a libertação dos presos políticos e Moçambique, logo no mês seguinte ao 25 de Abril. Recorda-se?
Nuno Lousada (NL): Não, não me lembro.
AMF: Não tem memória de haver presos?
NL: Não tenho, não. Como lhe disse, eu não era chamado para esses assuntos
AMF): Outra pergunta é sobre os elementos é sobre os elementos da PIDE/DGS.
NL: Não sou capaz de concretizar, exactamente, como era, embora me desse muito bem com o oficial da justiça, o chefe do Serviço de Justiça Militar que lá estava, que já morreu. Foi a quem encarregaram de gerir esse assunto da PIDE. Em principio, de acordo com a orientação que teria ido para lá, os oficiais da PIDE/DGS, continuavam a desempenhar funções, enquanto elas se revelassem importantes e necessárias para o funcionamento das opeações militares, chamemo-lhes assim. Até me lembro de um....
AFM: De um inspector?
NL: De um inspector: São José Lopes?
AFM: São José Lopes, sim. Era o chefe da polícia política, da DGS de Moçambique nessa altura.
São José Lopes, Director da Pide/DGS em Moçambique |
AFM: Não, porque nessa altura, já tinham sido recambiados para Portugal. Acontece antes do Acordo...
NL: Então, naturalmente, mandaram-nos logo. Porque depois houve uma mudança de pensamento, digamos, em relção à utilização dos elementos da PIDE/DGS. Acharam que era tolice eles manterem-se, porque já ninguém queria saber da PIDE/DGS, e toda a gente os insultava, e os militares não queriam estar atidos à DGS. Deram uma volta ao pensamento e mandaram-nos embora, tem toda a razão. Mas já não me recordo ao certo, isto já se passou há não sei quantos anos. E a PIDE/DGS era uma coisa que estava um bocado fora do âmbito militar.
AMF: E havia que distinguir, talvez, entre duas situações, que eram os agentes, os inspectores, que vinham de Portugal, e depois os informadores, que não eram propriamente do aparelho da PIDE, não?
Pois, então, isso ainda menos
.AFM: Recorda-s do que aconteceu às forças moçambicanas após o 25 de Abril? Havia vários grupos especiais de forças africanas, com designações diferentes.
NL: Lá, estavam todos incluídos num grupo. Os Flechas eram em Angola, em Moçambique, não me recordo do nome. Bem, o que ficou assente foi que esses grupos ficariam, sob, eu sei lá como lhe hei-de chamar...até que fosse decidido se eram todos passados à disponibilidade, ou se teiam outra solução. Na Guiné mataram-nos, foram mortos. Mas lá não aconteceu isso. Ou faram passados à disponibilidade, ou mandados embora, ou integrados em qualquer coisa. Já não me recordo em pormenor....Mas isso foi pensado e discutido.
AFM: Que ficariam aquartelados, não sei se se pode dizer assim?
Sim, sim, podia ser, que ficariam aquartelados em determinados sítios, a aguardar as soluções que fossem encontradas, mas já não me recordo em pormenor.
AFM: As soluções, se calhar, foram encontradas, depois, no âmbito da Comissão Militar Mista?
Sim, foram, também. Depois, já incluiu não só autoridades militares, mas também as autoridades políticas, que já eram as novas autoridades políticas, porque era muita gente abrangida.
AFM: Era muita gente?
NL: Era muita gente! Era na Beira, até, que eles estavam.
AFM: A ideia que tenho é de que as tropas de recrutamento local, no conjunto, incluindo africanos e não-africanos, digamos assim, não-pretos, eram metade das Forças Armadas que estavam estaciondas em Moçambique, em Abril de 1974.
Acho que não, nem pensar nisso.
AFM: Eram menos?
Eram. As forças naturais de Moçambique, praticamente eram só essas unidades especiais que tinham sido constituídas pelo coronel Costa Campos, salvo erro. O Costa Campos tinha esse comando. Constutuíram unidades especiais , assim como havia também em Angola. Não estavam em conjunto com as forças metropolitanas.
AFM: Mas em Moçambique até estariam ligadas, uma parte, a Jorge Jardim.
Não o Jorge Jardim é mais um mito que anda por aí. que nós, lá no Norte, tenhamos tido um conhecimento directo do Jorge Jardim estar a diriie essas tropas, eu não tenho essa ideia.
AFM: Ele gaba-se disso nos livros que escreveu
NL: Está bem, mas isso é outra coisa. É uma entidade que nunca soubemos bem quem era. Nós o militares, tenentes-coroneis, nunca soubemos bem como isso funcionava. Há uns militares que sabem, porque estiveram a trabalhar com ele, lá em Moçambique. O Aniceto Afonso, e esses, sabem bem quem são esses militares. Houve dois militares que estiveram a trabalhar directamente para o Jardim. Mas eu não sei.
AFM: Eu apanhei o nome, pelo menos, de um, num dos livros do Jorge Jardim, de quem ele diz claramente que era o elemento de ligação.
NL: Pois o elemento de ligação que ele tinha. Mas como eram coisas mais ou menos secretas, nem sabíamos. De repente, o militar que foi falar com ele, desapareceu da circulação. Ninguém disse: << o não-sem-quantos foi trabalhar com o Jorge Jardim>>, ía mas...aquilo era do tipo secreto.
AFM: Depois, houve um militar, que trabalhava para o Jardim, ou com o Jardim, que era o Daniel Roxo...
NL: Esse já não era militar. Era um civil, um caçador. Parece-me que era ali da área do Niassa. Havia outro assim no género, ali para os lados de Tete, mas só me lembro do nome do Roxo. Esse yambém se dizia que era um empregado do Jardim - era? não era? - não sei.
AFM: Sim, sim; funcionavam, também, como Informações.
NL: Pois, era possível que funcionassem com isso tudo.
AFM: Em Nampula, depois de 25 de Abril, teve ocasião de observar solicitações às Forças Armadas Portuguesas, quando havia conflitos, problemas, entre africanos e portugueses?
NL: Conflitos de que tipo?
AFM: Por exemplo, havia reivindicações nas empresas, havia tensões entre colonos e naturais?
NL: Em Nampula, não. Mas tenho a impressão de que, depois, nas outras localidades, já fora, muitas vezes, as Forças Armadas eram a via que actuava. Mas nisso nunca entrei.
AFM: E lembra-sede ter constatado algum movimento de regresso a Portugal da parte dos colonos que estavam instalados em Moçambique? Da parte de brancos.
NL: Não, porque isso se processava tudo cá em baixo. Passava-se tudo na área de Lourenço Marques...ou, Maputo, Beira, por ali. Lá no Norte, em Nampula, não, que praticamente estava quase despovoada. E os que lá havia, lá se aguentaram...Não houve assim um movimento de regresso à Metrópole.
AFM: Como o que houve em Angola?
NL: Não, não houve.
AFM: Disse-me que antes de partir para Lusaka, integrado na delegação, veio a Lisboa, onde teve uma entrevista com o Chefe do Estado-Maior- General das Forças Armadas, general Costa Gomes. A pergunta, no caso de entender que deve esclarecer, é se o CEMGFA lhe deu indicações específicas sobre a sua missão neste acontecimento.
NL: Não, não me deu informações específicas. Eu é que vinha para lhe pedir informações específicas sobre como estabelecer um acordo de cessar-fogo com a FRELIMO. Porque - e foi essa a razão que me levou a pedir a entrevista ao general Costa Gomes - o MFA que estava em moçambique a até todos nós, militares, estávamos com um problema. Era que as nossas tropas já não combatiam.
A entrada da Frelimo em Nangade |
Clica aqui para leres a crónica: RUI VERGUEIRO,ALFERES MILICIANO: NO PÓS 25 DE ABRIL DE 1974 NO NIASSA
AFM: Isso porque já tinha havido um...problema anterior.
NL: Não sei Omar foi antes ou depois. Mas o que penso é que já tinha havido estes episódios e mais umas coisas noutros sítios
AFM: Mais uns dois ou três, casos, pelo menos.
4 Agosto de 1974, dia do abandono do aqurtelamento de Nangololo. No chão as cinzas da documentação queimada. |
AFM: Quando diz o outro lado, está a referir-se à vontade de regressar?
NL: Quera dizer: à vontade de regressar, já não queriam combater. As provincia ultramarinas eram para serem independentes, portanto já não punham as tropas a combater.
AFM: Já não fazia sentido, não é?
NL: Sabe o que se passou com as forças em Angola, nalguns sítios? Que se entregaram?
AFM: E foi o que aconteceu em Omar?
NL: Em Omar entregaram-se...
Clik aqui para ler a crónica: A traição de OMAR, que fez correr lágrimas a Spínola
AFM: Mas houve prisioneiros feitos por parte da FRELIMO
NL: Não houve prisioneiros, ninguém fez prisioneiros, mas nã há dúvida nenhuma de que se entregaram,
quer dizer, entregaram as armas, entregaram tudo, e já não combatentes! Mais um bocado e a FRELIMO dizia: <<Pst!, eh, ponham-se a andar>>, e aquela malta punha-se toda a andar!
AFM: Também na entrevista que fez, e me deu a ler, diz que em Lusaka houve uma longa discussão. Como é que as discussões estava organizadas? As delegações dividiram-se em grupos, ou estiveram sempre juntos?
NL: Não, não, foi sempre à mesa...
AFM: ...frente a frente?
NL: ...Uma delegação de um lado, outra delegação do outro, e depois, iam surgindo os assuntos: <<Então e agora como é que se faz, e como vai ser...>> E depois, ficou mais ou menos exarado. Não houve aquilo que se possa chamar de uma discussão grande, não houve ali um grupo a tratar de um assunto, e outro a tratar de outro, não...foram-se tratando os assuntos assim. Não pacificamente, isso não...Não vale a pena estar aqui com coisas, que o Samora Machel fartava-se de nos chamar colonialistas e outras coisas parecidas...
AFM: Era ele principalmente quem falava, ou havia outras intervenções?
NL: Ele, ele...só falou ele! Não deu a palavra a mais ninguém.
AFM: Não viu lá, nessa altura, o Aquino de Bragança?
NL: O Aquino de Bragança não estava na mesa. Mas estava em Lusaka, eu viu-o lá.
AFM: Ele não era natural de Moçambique, não é?
NL: Pois, não era moçambicano, não.
Aquino de Bragança |
NL: Pela FRELIMO. Tenho ideia, mas não juro...
AFM: Lembra-se de como é que se falou, se se falou, da libertação dos militares que havia presos, pela FRELIMO, durante a guerra?
Havia alguns, não? Que depois vão ser libertados mais tarde.
NL: Sim, falou-se. O assunto foi abordado. O que se passava é que da FRELIMO, quem é tinha prisioniros nossos? Que nós soubesse-mos, ninguém. Não tinham ninguém.
AFM: Havia uns quantos prisioneiros
NL: Em Moçambique?
AFM: Não, estavam na Tanzânia.
NL: Eu tenho a impressão que não havia ninguém. Agora, já lá vão estes anos todos... Mas tenho a impressão de que não havia ninguém. Isso foi uma das coisas que o Samora Machel queria saber: << Então, agora como é para os prisioneiros da FRELIMO? >>. Penso que nós também não tínhamos nenhum. Não havia propriamente prisioneiros, de maneira que foi um assunto que automaticamente se resolveu.
AFM: Portanto, não houve discussão ou debate sobre troca de prisioneiros.
NL: Não, não. Quer dizer, terá havido conversas sobre a troca de prisioneiros, mas foi um assunto que ficou resolvido, digamos, sem mais formalismos.
AFM: Sobre a PIDE, poderiam, em Lusaka, ter falado alguma coisa?
NL: Não, não, não.
AFM: Sobre os combatentes africanos, moçambicanos, que estavam integrados nas Forças Armadas Portuguesas? Em Lusaka, falaram sobre esse assunto, recorda-se?
NL: É possível que se tenha falado, mas volto à mesma, o que ficou assente, o que eu me recordo, é de que essas forças estavam...aquarteladas, talvez.
AMF: E sobre o destino dos colonos brancos, debateram isso?
tropelias
AFM: E sobre a questão da nacionalidade? Porque está ligada com a questão dos colonos. Quem é que teria direito à nacionalidade portuguesa ou à nacionalidade moçambicana?
NL: Também não foi discutido. É por isso que volto a dizer como já lhe tinha dito em OFF, que deve haver um artigo, ou um acordo prévio, em que discutiram isso. Porque se lermos o Acordo de Lusaka, não diz nada sobre o assunto.
AFM: Pois não.
NL: Não diz nada. Portanto, tenho a impressão de que isso já teria ficado acordado.
AFM: É sobre os futuros serviços e estruturas de Moçambique, que, anteriormente, eram ocupadas pelos portuguesas?
NL: Pois, os organismos civis, era tudo para resolver - suponho que está escrito em algum lado - pelo Victor Crespo, que era o alto-comissário. O alto-comissário resolveria isso com as autoridades da FRELIMO. A parte militar, essa, nós assentámo-la logo. Assentámos logo que, por exempço, todos os materiais ficavm para a FRELIMO, não íamos trazer para a Metrópole o material de guerra que já estava. Só algum material que ainda não tivesse entrado ao serviço, que tivesse chegado há pouco tempo a Moçambique e que ainda estivesse para ser distribuído aos orgãos executantes, esse já não se desencaixotava. O outro, nós entregámos todo à FRELIMO. Entregamos viaturas... entregámos-lhes isso tudo.
AFM: E sobre a questão das minas colocadas, lembra-se de terem falado?
NL: Falou-se, falou-se nisso das minas. Era um problema que tinha de ser resolvido localmente. Porque quem as tinha colocado, saberia onde as tinha colocado. Em Moçambique não houve grandes problemas com as minas. Por lá resolveram os problemas entre eles.
AFM: E relativamente ao funcionamento da Economia, recorda-se?
NL: Economia?...É por isso que lhe digo que terá havido o tal acordo prévio, ou então que isso terá estado englobado nos assuntos que o ACORDO estipulava que deveriam ser resolvidos pelo Alto-Comissário. Ele depois é que teve de resolver esses assuntos com as autoridades da FRELIMO, não foi ali entre nós. Ali foram só os aspectos militares
AFM: Esse é que foi o factor decisivo?
NL: Pois foi o leitmotiv
AFM: Então, também não se teráfalado a respeito da cooperação com Portugal, das relações de cooperação depois da independência?
NL: Também não.
AFM: Isso vê-se bem no texto do Acordo. Disse-me, então, que, da parte moçambicana, o único interlocutor a falar foi o Samora Machel.
NL: Da parte moçambicana, foi ele. O Presidente é que falava, e os outros atrás, ouviam.
AFM: E nunca se manifestavam, na reunião?
NL: Não, não se manifestaram.
AFM: Tem ideia se se falou em Lusaka sobre o número de combatentes da FRELIMO?
NL: Sobre números já não me recordo, mas é possível que sim. Mas ficou ali, depois não se fez coisa nenhuma...Ter-se-ia discutido, por exemplo, qual o efectivo militar que estava em Mueda, e qual o efectivo militar da FRELIMO que iria ficar em Mueda. Isso é possível ter-se referido, mas sem nenhumas consequências. Foram depois as autoridades militares, os nossos e as deles, que discutiram isso sobretudo depois em Nampula, os quais foram comigo depois da assinatura do Acordo.
AFM: Sim, provavelmente até no âmbito da Comissão Militar Mista.
NL: Pois.
AFM: Portanto, em Lusaka esses assuntos não foram pormenorizados?
NL: Não.
AFM: Um segundo aspecto: depois da assinatura do Acordo, o senhor coronel ficou mais tempo em Lusaka do que o resto da delegação portuguesa, que veio imediatamente embora...
NL: Essa veio-se logo embora. Assim que asinámos o Acordo. Aquilo acabou às duas e tal da tarde. Almoçaram, comeram qualquer coisa, foram para o aeroporto e vieram-se embora para Lisboa. Nos livros do Almeida Santos e dos outros....Nenhum deles quer reconhecer, perdoe-me o calão...QUE SE PIROU ! Mas piraram-se todos, deixaram-me sózinho no aeroporto
AFM: Ficou até quando?
NL: Fiquei até ao outro dia...
AFM: Até ao dia 8, portanto
NL: O Acordo foi a 7, por isso foi a 8
AFM: E quanto àquele outro episódio, em Lusaka, depois da vinda da delegação portuguesa?
NL: Portanto , os nossos amigos de cá, a delegação....pirou-se, e eu fiquei no aeroporto sozinho. Eu até costumo brincar e dizer que disse para mim mesmo: << Ó nuninho, tu metes-te em cada uma, pá...>> .
Jornalistas moçambicanos presente em Lusaka |
AFM: Zangado?
NL: Zangado! Mas não me chamou nomes nenhuns, nem me invetivou. Veio a dizer: Traição! E eu..., pode imaginar-me, com cara de parvo, não sei que cara seria a minha, mas assim: Mas, traição o quê pá?!, e ele: Traição. Então não ouviste?! Acabámos de assinar um acordo de cessar-fogo, pá, e já estão a fazer operações militares contra nós, contra a FRELIMO, em Lourenço Marques! Então, não sabes?. Eu não,Eu não sei nada! Eu venho do Garden Party, não sei nada... E ele: Então ouve aqui: E pôs-me a ouvir uma estação de rádio que estava a transmitir a rádio de Lourenço Marques - isto embora pareça que não é importante, é. E então, estava um fulano, nem sequer sei quem era, a dizer pela rádio que negavam o Acordo de Lusaka, e que já tinham o apoio das unidades militares de Moçambique para continuar a luta, e que até já - e aí eu estava aflito...- as unidades de Nampula e unidades de Comandos estavam para actuar...Pode imaginar o assustado que eu estava nessa altura...
Clika aqui para leres o livro: Clotilde Mesquitela:MOÇAMBIQUE, 7 de SETEMBRO. MEMÓRIAS DE UMA REVOLUÇÃO.
AFM: Ficou numa situação muito delicada, não?
NL: Se estava delicada! Dizia o Samora Machel: << E foi o Presidente Spínola que deu as ordens para os tipos de Lourenço Marques se levantarem e fazer isso>> E eu: << Eu não acredito nessa coisa essa coisa que está a dizer. Olha com as unidades de Nampula ficou estabelecido...>> - que grande merda! olha, um merdas de um tenente-coronel como eu, desculpe o palavrão, é que ia agora mandar - << as forças de Nampula, ficou acertado entre mim e elas, que só actuavam se eu lhes desse ordem ou autorização, portanto as forças de Nampula, não se mexem, pá, está descansado. E, pelos Comandos também respondo eu que não!>>, e o Samora: << Tens a certeza, e tal?>> Isto foi a conversa entre mim e o Samora!...<< Tens a certeza?>> << tenho a certeza, respondo por isso. Respondo! As forças de Nampula estão à espera que eu lhes diga, se sim, se actuam, e os Comandos também não actuam sem ordens minhas ,
AFM: Mas quando diz Comandos, são as unidades de Comandos os os comandos militares?
NL: Os Comandos, tropas. Porque o que estava na rádio, estava dizer: << e os Comandos ...>> também iam todos actuar...Antes disso, o Samora Machel tinha-se voltado para trás, para o Mabote, e tinha dito: << Dá ordens para as forças da FRELIMO atacarem todas as forças portuguesas! >>.
(Clika aqui para ler a crónica " 8 SETEMBRO DE 1974. A ACÇÃO DA CHERET, EM NAMPULA, EVITOU UMA CATÁSTROFE."
General da FRELIMO Mabote |
AFM: Respirou fundo.
NL: Respirei fundo, bem...E a partir daí, depois: << Então, vamos ver, porque, se as indicações que estão a dar pela rádio são coisas do Spínola.>> E fomos lá para cima, para a zona do Palácio do Governo que estava entregue a eles, e telefonou-se para o Spínola , e correu mal, correu muito mal! Eu não ando agora a dizer por aqui e ali, mas correu mal. Correu muito mal entre os dois, e ficou a coisa muito crispada. E depois parece-me que já foi por sugestão minha, ou então foi ele que perguntou, telefonou para o general Costa Gomes. E o Costa Gomes, que não tinha nada a ver com o Spínola, fez uma conversa: << Não senhor, daqui não houve ordem nenhuma para Lourenço Marques, é a paz, é o Acordo de Lusaka...>>bom, já não sou capaz de repetir ao certo. Pronto, eo Samora sossegou. O Samora sossegou, depois da conversa com o Costa Gomes. E foi, quando, depois, me foi servido o tal jantar, pela Graça Simbine. E o ambiente ficou assim.
Bem, e depois, então, começámos a combinar a vinda para Nampula no dia seguinte, quem vinha comigo e quem não vinha. Assentou-se quem é que vinha no outro dia. Fez-se o pedido um avião, alugaram um avião de Nampula para nos vir buscar, e pronto, passou-se assim o resto da noite, até as pessoas se deitarem.
AFM: Tratavam-se por tu?
NL: O Samora Machel tratava tudo por tu. E eu tratava-o também a ele. Tratava toda a gente por tu, sobretudo os combatentes. Na mesa das negociações, a certa altura, o Samora Machel tinha perguntado: << Quem é está aí, na delegação portuguesa, das tropas combatentes?>> e eu não vi ninguém levantar-se, porque ninguém se podia levantar, e levantei-me eu; << Estou eu, que sou das Operações do Quartel General >>. E ele; << É que eu tenho aqui, os meus comandos todos, e tal--->>, << Então, daqui estou eu >>, disse-lhe eu, << sou combatente, mas agora estava nas Operações>>. Bom, e dali para a frente, o Samora falava a olhar para mim, não para os outros. Porque ele era um cabeça..... Portanto, para ele...<< aquele é que é o combatente, é com aquele que vou falar>>. E depois, como digo, decorreu o que decorreu o que decorreu, naquela conversa no Palácio do Governo.
AFM: Entenderam-se entre combatentes.
NL: A coisa com que ele ficou pelo tenente-coronel, que era como ele me chamava, eu era o <<Tenente-coronel>>
AFM: Quanto ao episódio da noite de 7 de Setembro tenho uma dúvida, porque há informações contraditórias em fontes impressas...Portanto, durante a conversa com Samora Machel, à noite, no hotel, o senhor coronel diz que houve um primeiro telefonema para o general Spínola, para o presidente da República...
NL:;Sim
AFM: ...que correu mal, não foi?
NL: Sim, correu mal.
AFM: E depois, que há um segundo telefonema, para o general Costa Gomes...
NL: Sim
AFM: Ora, eu, encontrei, num livro do jornalista João Paulo Guerra, que esse segundo telefonema teria sido feito para o primeiro-ministro, que era Vasco Gonçalves...
NL: Comigo a tomar parte no assunto, não foi, Foi para o general Costa Gomes.
AFM: E o engenheiro Monteiro da Silva também refere que o segundo telefonema é com Vasco Gonçalves.
NL: Então, esse não foi comigo.
AFM: Provavelmente é um engano, mas...
NL: Comigo, o que houve, e eu é que estabeci conversa com o general Costa Gomes, e disse que estava a conversar com o presidente Samora Machel sobre o que se estava a passar em Lourenço Marques...Isso foi comigo e com o Costa Gomes. Se houve alguma coisa com o Vasco Gonçalves, foi fora do meu conhecimento.
AFM: Portanto, não foi durante esse episódio?
NL: Acho que não.
AFM: Não deve ter sido então...isto acontece muitas vezes. Uma pessoa comete um erro, e depois as outras vão-se baseando nela e vão-se repetindo. Às tantas, esta informação já aparece em vários sítios diferentes.
Há algum outro aspecto que ache importante referir, relativo a Lusaka? Que eu não esteja a ver...
NL: Deixe-me só falar numa coisa, que me está...eu não sei qual é a possibilidade que têm de nseguir isto...No Maputo, eles têm isto tudo registado com certeza, eu quase jurava que eles têm isto tudo gravado, todas estas coisas que se passaram.
NL: Estou convencido de que sim, de que têm aquilo tudo gravado. Que possibilidades teriam, entidades oficiais de investigação históri ca, de pedir:<< Mostrel lá o diário das conversaçõs em Lusaka>>, não sei que possibilidades é que...porque têm tudo gravado.
AFM: Lembra-se de que havia gravação a decorrer?
NL: Não, porque, para já, eu estava nervisíssimo, como pode calcular! E estava era com atenção ao que se estava a passar comigo, e em relação àquilo que se estaria a passar por fora. Se estariam mesmo a gravar, ou não, eu não cheguei a aperceber-me . Mas estou convicto de ue sim, de que eles gravaramtudo.
AFM: Bom, para conseguir isso precisávamos de duas coisas: de dinheiro para lá ir, que é o mais fácil; e da autorização para consultar esses registos, no caso de terem existido. Essa é mais difícil. Mas é uma boa sugestão, e eu vou ficar com ela.
NL: Pois, eu não queria esquecer. É uma coisa que eles, de certeza....
Eu não ponho a cabeça em sítio nenhum por nada....mas quase juro que eles, se não gravaram tudo, pelo menos parte daquelas coisas gravaram. Eu tenho a impressão, até...que aquela senhora célebre que foi directora de um jornal...
AFM: A Vera Lagoa?
NL: Que a Vera Lagoa chegou a referir, mas também o que ela dizia não se escreve....Tenho a impressão de que escreveu qualquer coisa assim, que a conversa que houve entre mim e o Samora estava gravada...
AFM: À noite?
NL: Á noite. Ela escreveu isso. Até dizia que o Samora me tinha insultado, e não sei quê, o que é mentira, não tenho pejo nenhum em afirmar.
AFM: Nem da parte dele, nem de outras pessoas?
NL: Nem de outras pessoas. É como eu digo, quase ninguém abria o bico, pelo menos, eu não tenho ideia de ouvir abrirem...
AFM: Mesmo à noite?
NL: Mesmo na conversa à noite . Mas a Vera Lagoa escreveu isso no jornal. É mentira que ele me tenha insultado. Mas continuo convencido de que há gravações disso. E quem sabe, também, se há gravações ou não é a Graça Simbine
Casamento de Graça Simbine com Samora Machel |
NL: Depois Graça Machel. Que ela eatava ali, foi ela que nos serviu o jantar, nessa noite. Porque estas coisas deram muita coisa que falar. E portanto, não sei que horas eram, e eu ainda não tinha jantado...
AFM: Mas isso foi onde, no hotel
NL: Em Lusaka. No Palácio do Governo. E, a certa altura, a Graça Simbine foi buscar meio frango, ou qualquer coisa assim, e deu-nos de jantar. Isto é para lhe dizer que não jogámos à pancada, nem nos insultámos...Foi ela que serviu o jantar, e ficou minha amiga, muito minha amiga.
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Outubro de 1983. Visita de Samora Machel a Portugal |
Em seguida, conforme vi na sua entrevista, quando regressou de Lusaka a Moçambique, regressou directamente a Nampula. E viajaram consigo...
NL: Como estava no Acordo, já não sei como está escrito. Mas sei que ficou decidido na reunião, que eu no outro dia iria para Nampula com os chefes principais da FRELIMO, como fui, com o ministro da Defesa, o chefe do Estado-Maior, o comandante militar não sei de onde...Ainda sei, mais ou menos, os nomes deles. Lembro-me do Chipande, era o ministro da Defesa, do Mabote que era o CEME, o comandante do Exército. Do Armando Panguene. Já só falta um, que não sei se era o Gebuza.
AFM: O Actual Presidente.
NL: Mas tenho a impressão que não era o Guebuza, que era outro, também um comando das forças operacionais deles. Mas destes três lembro-me.
AFM: Não encontrei ainda, em sítio nenhum, referência a quem são esses primeiros elementos da FRELIMO. São os primeiros que entram?
NL: Vieram comigo. Foram os primeiros, precisamente com a missão - de constituir aí uma Comissão Militar Mista. E depois o Quartel-General nomeou os oficiais que tinha de nomear, e estabeleceu-se essa Comissão com a FRELIMO, e começou-se a estudar, a pensar e a organizar, a retracção das nossas forças e o avanço das tropas da FRELIMO, claro. E seram depois essas quatro entidades da FRELIMO, que eram os comandos principais, que, juntamente com as personagens do Comando Militar português de Moçambique -que estava em Nampula, e depois até veio para Lourenço Marques - que iriam estabelecer as normas, e organizar em detalhe como seria então com as forças portuguesas que estavam no terreno.
AFM: A retracção das forças
NL: A retracção das forças portuguesas e a entrada em dispositivo das forças da FRELIMO. Isso era depois com a Comissão Mista, que isso tinha de ser feito no terreno. Senão, não se podia estar: << o comando em Nampula, o comando em Montepuez, o comando não sei onde>>
dava uma salganhada com o comando.
AFM: Foi uma operação de grande envergadura.
NL: Foi formada essa Comissão Militar Mista, que estudava como se ia fazer, e os passos em que aquilo se ia fazer, e depois, como estava no Comando Militar, as ordens iam saindo para os respectivos comandos militares, para darem execução ao plano que se tinha estabelecido, à programação.
AFM: Mas, e as suas funções específicas, nesse tempo?
NL: Mantiveram-se onde estavam, porque eu estava precisamente na Repartição de Operações do Quartel-General.
AFM: Portanto participou nesse planeamento?
NL: Sim, participei. Já não muito, porque como eu vinha embora...Quer dizer já estava, digamos, com os pés nos estribos... Mas ainda participei nisso.
AFM: Foi a sua actividade principal?
NL: Aí, foi.
AFM: Lembra-se do 21 de Outubro?
NL: O que é o 21 de Outubro?
AFM: É uma réplica do 7 de Setembro, em Lourenço Marques, em que há um massacre...há muitas mortes de brancos...
NL: Isso foi no 7 de Setembro.
AFM: E, depois, volta a haver no dia 21 de Outubro
NL: Ah, disso eu já não sei.
AFM: Pois esta va longe, não é?
NL: Estava longe.
AFM: Não chegava ao seu conhecimento
NL: Não; até desconheço essa data e tudo.
AFM: E ficou em Nampula até ao final? Não veio para Lourenço Marques?
NL: Não, fiquei até Janeiro em Nampula
AFM: Alguma vez voltou a Moçambique ?
NL: Não
AFM: Nem manteverelações com moçambicanos?
NL: Não, por cá, não mantive. A não ser quando cá veio o Samora visitar o Presidente da República , então, tive outra vez conversas, com ele e com a mulher. Mas, de resto, nunca mais tive ligaçações, com as coisas de Moçambique. Como lhe digo, eu também não era...muito afecto, digamos, às organizações que havia por cá, que na altura, eram quem falava com Moçambique e Angola, e eu não era chamado para nada disso.
Rádio Clube de Moçambique,em Lourenço Marques. 7 de Setembro de1974 |
NL: Não, enquanto lá estive, não. É que nos meios militares, as coisas passassam-se um bocadinho...à distância. Não é estranho, é mesmo assim. Eu era um tenente-coronel, oficial adjunto da 3ª Repartição do chefe o Estado-Maior, e ninguém ligava a mais nada do que a isso. Portanto, só iria saber alguma coisa que eu pudesse apanhar por fora. O resto passava-se nos escalões de general e brigadeiro. E o tenente-coronel que estava lá, chefe da repartição, não sabia de nada
AFM: Não lhe chegava a informação?
NL: Não, não lhe chegava a informação.
AFM: Muito obrigado pela sua colaboração
Relatório do abandono total em 4 de Agosto de 1974, do aquartelamento de NANGOLOLO. Cabo Delgado -- Moçambique.
A CART 7256, a última Companhia aquartelada em Nangololo |
Foi dada instruções para que se queimasse toda a documentação escrita não confidencial, assim como a retirada de todos os percutores do armamento pesado e o rebentamento de todo o material explosivo.
Mais foi informado de que a data de abandono seria em 04.08.1974 devendo a Companhia deslocar-se apeada para Mueda.
O capitão da CART 7256 sediada em Nangololo desde 1973, reuniu com todos os Oficiais a fim de dar informação das instruções entretanto recebidas.
Denotou-se de imediato de que a retirada pelo percurso indicado para Mueda, seria altamente perigoso face à zona em si, assim como se previa de que a Frelimo após a captura dos militares de Omar, certamente de que iria exerceruma maior pressão contra os militares de Nangololo, conhecendo de antemão todas as nossas dificuldades de movimentação.
Entendendo de que só tínhamos uma outra alternativa q ue seri a deslocação para o aquartelamento do Chai, deslocação essa de cerca de sessenta quilómetros e de mais difícil progressão no entanto optámos por esse percurso pois certamente iríamos surpreender a Frelimo das suas intenções e que seria mais seguro para toda a Comanhia
Executámos todas as instruções que nos foram determinadas, excepto na determinação do percurso para Mueda, alteração essa comunicada para o BCAÇ 15.
Em 04-08-1974 pelo nascer do sol, já toda a Companhia se encontrava pronta para a deslocação para o Chai estando consciente de todas as dificuldades que tinham de superar.
Aguardou-se a chegada de dois helicópteros Puma, os quais só chegaram pelas 10h30 para transportar todos os nossos pertences pessoais, assim como a documentação confidencial e alguns materiais militares,
O mapa relecte o percurso percorrido pela CART 7256, de Nangololo ao Chai, nos dias 2 e 5 de Agosto de 1974 |
Inicialmente foi uma descida bem íngreme do Planalto dos Macondes para o Vale de Miteda em que a mata era de grande densidade, necessitando-se para isso a abertura do trilho com catana, provocando uma progressã muito lenta.
Pelo sol posto parámos já quase no fundo do vale extremamente cansados. A moral dos militares face aos acontecimentos estava bem baixa no entanto o instinto de salvar a pele era um bálsamo para todas estas dificuldades.
No dia seguinte, assim que apaeceram os primeiros raios de sol reiniciámos a marcha no sentido de tentar chegar ao nosso objectivo o aquartelamento do Chai.
A meio da manhã e já com os limites da resistência humana a aproximar-se do completo esgotamento. ainda tivemos uma nova e grande dificuldade. Atravessar o rio Messalo.
Após mais esta grande dificuldade, outra se nos deparava que era uma enorme subida até ao nosso objectivo final.
Pelo meio da tarde do dia 05-08-1974, os primeiros homens começaram a chegar ao Chai, aguardado-se mais do que uma hora pelo restante pessoal, pois muitos assim que se aperceberam que estavam próximos de zona segura, não mais conseguiram dar um passo tal era o esgotamento físico e psicilógico.
De salientar e enaltecer a boa colaboração entre todos os intervenientes desta "odisseia", qual não teve nenhum ferido grave , mas que deixou certamente marcas bem profundas na dignidade humana.
Texto de : Duílio Caleça. Alferes Miliciano da CART 7256
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