TRÊS VERSÕES DA TRAGÉDIA DE 28 DE FEVEREIRO DE 1967 EM MANIAMBA NO NIASSA
A Minha Narrativa:
Por: José Cardoso Reis
Furriel Miliciano da CCAÇ 1560
Partimos de Maniamba em três viaturas,uma Berliet e dois Unimogs. A Missão era para fazermos o reconhecimento à Ponte em madeira do Rio Lualesi, situada ao km 10 da Picada entre Maniamba e Vila Cabral. O dia estava com sol e muito quente,tudo levava a crer que era mais um Missão de rotina e sem problemas. Na frente seguia a Berliet,conduzida pelo"Lourosa" e Comandado pelo Alf. Rio Tinto e que transportava um Secção,na qual eu estava incorporado. Na 3ª posição seguia um Unimog que era conduzido pelo Fernando da Silva Fernandes e a 2ª viatura,o outro, Unimog era conduzida pelo "Pardal". Ao 6º km, o primeiro Unimog,accionou um mina anti-carro.Os nosso camaradas foram projectados,sendo o JOSÉ PAIVA SIMÕES que seguia ao lado do Pardal sido atingido na cabeça pelo dínamo da viatura que se tinha soltado com a explosão. O seu estado era crítico,havia mais feridos e entre eles o condutor,o Pardal com uma perna fracturada.De imediato o Comandante da coluna o Alf. Rio Tinto,ordenou que se montasse a segurança,recolhesse o material disperso e ele,regressou a Maniamba com os feridos,no outro Unimog.Deveriam ter percorrido poucas Centenas de Metros, o Unimog que ía de regresso a Maniamba accionou uma nova mina. Foi um estrondo enorme e vimos a levantar uma enorme nuvem de fumo.Nós,os que estávamos no local do primeiro rebentamento,invertemos o sentido da marcha da Berliet e fomos em socorro dos nossos camaradas.Quando lá chegámos deparámos com um cenário dantesco. O Unimog em chamas,e quase todos os Militares com queimaduras muito graves e o condutor oFernando da Silva Fernandes preso pelos pés nos sacos de areia,gritava por socorro.O Alf. Rio Tinto estava apático no meio da picada e tinha um braço queimado.Perguntei-lhe se estava ferido não respondeu.Levantei-o e pu~lo na Berliet juntamente com os outros feridos. No meio do caos instalado apercebi-me que faltavam alguns Militares. Os ausentes eram o Paulos,o Ventura,O Manuel dos Santos e o Carlos Morais,todos eles feridos com estilhaços e queimaduras em todo o corpo.Tinham ido a correr para Maniamba.Dei ordem de partida à Berliet e no caminho de regresso fomos recolhendo os camaradas que tinham saído do local.O último a ser recolhido foi o Paulos já junto à Cantina do Dinis, ás portas do quartel.As imagens deles a correrem e a pele dos braços a soltarem como se fossem luvas compridas,isso a minha memória não apaga.Os feridos deram entrada na Enfermaria e lembro o Carlos Morais o "Lisboa"entrar em desespero.Queria a todo o custo voltar para o mato repetindo: EU VOU MATAR TODOS ESSES BANDIDOS.Tentámos acalmá-lo,mas ele dava pontapés,cabeçadas nas portas,nas paredes e por fim já exausto,acalmou.Os feridos foram evacuados para o Hospital em Vila Cabral.Nesta tragédia faleceram no local o Simões e o Fernandes.O Morais viria a falecer no Hospital Militar de Nampula a 9 de Março.Outros militares foram evacuados para a Metrópole.
A Minha Narrativa:
Neste fatídico dia,seguia com a minha Secção,na 3ª viatura.Depois do 2ºUnimog ter acciomado uma mina,fomos em seu socorro. De repente,um estrondo,eu e os meus camaradas fomos projectados e uma bola de fogo atingiu-nos. Eu,o Carlos Morais e o Ventura,fomos as maiores vítimas.O Condutor o Fernando da Silva Fernandes,ficou preso pelos sacos de areia.Nós todos, apesar de feridos com estilhaços e com muitas queimaduras tentámos por várias vezes libertá-lo.Fizeram-se várias tentativas e depois de muito esforço,concluímos que era impossível daquele pasto de chamas. As últimas palavras ouvidas da sua boca foram para mim : NUNCA MAIS VEJO AS MINHAS MENINAS (tinha 2 filhas). Assistimos à sua morte. Morreu carbonizado.
Uma avioneta DO, de reabastecimento,deslocava-se para Maniamba,e sobrevoava por acaso o local da tragédia.Quando aterrou em Maniamba alertou o Comandante da Companhia que devido à ausência do Cap.Campinas,era o ALF. Fernando Oliveira do que tinha visto.
. A DO esperou que os feridos chegassem ao quartel. Depois dos primeiros socorros fomos transportados para Vila Cabral os três mais graves que eram o Paulos,o Manuel dos Santos e o Morais. Aterrámos na Base Aérea e ficámos abandonados no chão e dados como mortos.Foi então que ouvi uma Enfermeira Paraquedista dizer a um Alferes: estes já tinham "Lerpado". Ao ouvir a Enfermeira, mexi em desespero um braço e por sorte o Alferes viu o gesto e respondeu-lhe: ELES ESTÃO VIVOS. De imediato fomos transportados de ambulância para o Hospital de Vila Cabral.Aqui recebemos mais socorros e durante a noite fomos evacuados de urgência por um NordAtlas para o Hospital Militar 125 em Nampula. No dia seguinte agravou-se o estado do Manuel dos Santos que de imediato foi evacuado para a Metrópole.Eu e o Morais estávamos no mesmo quartoO sofrimento era muito.Nunca falámos.O meu estado era grave,mas o do "Lisboa" era bem pior. Creio que muito orgãos do seu corpo foram afectados irremediavelmente,designadamente a visão e o seu corpo apresentava um tom esverdeado. Não conseguiu resistir aos estilhaços e às queimaduras.E na manhã de 9 de Março acabou por falecer. Fiquei internado no Hospital durante 52 dias, findo os quais fui fazer a recuperação para o Quartel General em Nampula durante 15 dias. Saí desta Cidade a 8 de Agosto de 1967,tendo chegado a Maniamba a 14 do mesmo mês à noite e por curiosidade o aquartelamento foi atacado nessa mesma noite.Como era apontador de Morteiro desloquei-me ao local da arma e ripostei ao fogo do inimigo.
Louvor concedido pelo comandante do BCAÇ 1891
Louvo o 1º Cabo José Carlos Paulos da CCAÇ 1560,pelo conjunto de virtudes Militares que soube demonstrar durante cerca de 2 anos de comissão na Região Militar de Moçambique.Tendo sido gravemente ferido em combate a 28 de Fevereiro de 1967,ficando bastante queimado em várias regiões do corpo e com algumas lesões internas,que o semi-incapacitaram físicamente ao voltar à CCAÇ 1560,foi ele próprio quem de motu-próprio procurou tornar-se útil aos seus camaradas e à Companhia,oferecendo-se para todos os trabalhos e serviços de Aquartelamento demonstrando assim um elevado espírito de sacrifício e noção do dever.Militar muito correcto e disciplinado é digno de toda a estima e consideração deste Comando. (O.S. Nº 100 de 06 de Maio de 1968,do BCAÇ 1891.
Crónica de Germano Rio Tinto
Alferes da CCAÇ 1560
"O INIMIGO ESCONDIDO"
Naquele dia 28 de Fevereiro de 1967, a manhã havia despontado igual a tantas outras. Havia sempre a esperança, renovada em cada dia, de que as folhas do alendário fossem passando, e a hora de regressar, ainda tão longínqua,acabasse por surgir no meio da alegria colectiva, depois do amargo sabor das inesgotável horas de sofrimento.Partiram os três Unimogs gasolina, a prontidão era total e a disponibilidade absoluta. Havia algumas pontes a vistoriar, construções frágeis que uniam asmargens estreitas do Lualece. Este escorria com violência, semelhante a tantos outros rios do norte da Província. Era de algum modo a estreia no mato para mim, saído da Academia Militar ainda há menos de um ano. O brio desanuviava qualquer sentimento de ameaça, e o colectivo do grupo fazia desaparecer todo o receio. Nem sequer nos lembrávamos do capitão, em tratamento em Nampula, a sua presença tornava-se desnecessária. A picada desenhava-se sinuosa na sua terra vermelha barrenta, ameaçadora nas suas bermas amolecidas pelas chuvadas recentes, emoldurada pelo capim alto que ocultava muitos receios e demasiadas sombras. As três viaturas subiam, quase e cima umas das outras, numa marcha penosa e carregada de monotonia. Eu viajava na do meio, e olhava alternadamente para a da frente e para a da retaguarda, tentando ligar à vista aquele grupo tripartido,demasiado unido para que se pudesse facilmente separar. Íamos numa proximidade perfeita, e parecia que apenas uma viatura circulasse naquele ermo povoado de expectativas, em que os olhares não descortinavam o horizonte, centrados na proximidade do itinerário. E foi então que o inesperado aconteceu. O silêncio transformou-se num trovão atroz, a primeira viatura subiu no ar como boneco inofensivo, os seus ocupantes foram cuspidos para as bermas, uma nuvem de cinzas encheu todo o espaço visível e o característico cheiro a gasolina e explosivo queimados preencheu as narinas e os pulmões. De nada valeu a recusa ou o protesto, a fuga não era possível, estávamos ali irmanados numa desgraça de contornos ainda desconhecidos. Pouco importava sonhar quando o realismo dos factos se impunha como uma penedia no trajecto dum viajante.Chegou então a primeira notícia: o soldado ao lado do condutor, que viajava sem capacete na cabeça, situação que apesar dos contínuos avisos frequentemente se repetia, tinha sofrido o violento impacto do dínamo da viatura na cabeça. Era uma situação demasiado crítica e imensamente urgente. Olhei à volta, os soldados espalhavam-se pelo chão, alguns choravam,o desespero tornara-se presente, a desorganização completa. Num só instante,uma tarefa simples, planeada,corrente, fora transformada em tragédia. A fragilidade era enorme, a impotência ocupava as mentes, os pensamentos voavam sem nexo..Eu próprio senti os limites tornados presentes pela novidade duma realidade nunca experimentada. Senti que era urgente actuar,mandei fazer inversão da viatura à retaguarda, o rádio estava destruído, peguei ao colo o malogrado camarada e seguimos, pressupostos, a caminho de Maniamba. O carro transportava apenas três ou quatro soldados, lutávamos contra o tempo, alimentávamos alguma pouca esperança, sofríamos sem aconsciência dos factos . Não posso agora narrar, por mim mesmo, o que se passou. A viatura rebentou nova mina, que tinha ficado para trás, pisada mas não accionada pelas várias viaturas. Eu e o soldado ferido fomos cuspidos longe, aqueles que ficaram agarrados á viatura sofreram queimaduras horríveis, e as chamas espalharam-se pela mata e incendiaram o capim. Chegámos por fim á Companhia, que ouvira os rebentamentos como trovões, e fomos evacuados para o Hospital de Vila Cabral. Alguns nomes ficaram escritos nas recordações amargas da Companhia e na história do Batalhão: Simões, Fernandes e Morais.Hoje, ao recordar factos tão longínquos, não posso deixar de experimentar o respeito profundo pelo sacrifício dos camaradas aqui recordados, na sua efémera passagem pelo norte de Moçambique, sucumbidos em terra estranha e em mata adversa, sem poderem voltar alguns momentos antes a dizer adeus aos seus, que os aguardavam, contando as horas e sorvendo a saudade.Porquê eles e não outros, porquê naquela situação, para quê levar a cabo aquela tarefa provavelmente tão desnecessária e tão inoportuna ? Tudo ficou por responder, mas á medida que os anos passam ( e são já mais de quarenta)a saudade vai caminhando acompanhada de interrogações, e as vidas jovens ceifadas de forma tão brutal clamam certamente por uma vida não preenchida, por tantos sonhos não acharam espaço e tempo para se revelar.As guerras, mais uma vez, deverão deixar de preencher o acervo histórico da humanidade, e nunca mais deverão marcar a condição humana como algo de absolutamente inevitável, nem constituir um caminho para garantir a paz.As viaturas retorcidas e irreconhecíveis destas poucas fotos são como uma agressão imerecida, como forma de punição por crimes que nunca foram cometidos...
Por: José Cardoso Reis
Furriel Miliciano da CCAÇ 1560
Os Unimogs envolvidos na tragédia de 28-02-1967 em Maniamba |
Partimos de Maniamba em três viaturas,uma Berliet e dois Unimogs. A Missão era para fazermos o reconhecimento à Ponte em madeira do Rio Lualesi, situada ao km 10 da Picada entre Maniamba e Vila Cabral. O dia estava com sol e muito quente,tudo levava a crer que era mais um Missão de rotina e sem problemas. Na frente seguia a Berliet,conduzida pelo"Lourosa" e Comandado pelo Alf. Rio Tinto e que transportava um Secção,na qual eu estava incorporado. Na 3ª posição seguia um Unimog que era conduzido pelo Fernando da Silva Fernandes e a 2ª viatura,o outro, Unimog era conduzida pelo "Pardal". Ao 6º km, o primeiro Unimog,accionou um mina anti-carro.Os nosso camaradas foram projectados,sendo o JOSÉ PAIVA SIMÕES que seguia ao lado do Pardal sido atingido na cabeça pelo dínamo da viatura que se tinha soltado com a explosão. O seu estado era crítico,havia mais feridos e entre eles o condutor,o Pardal com uma perna fracturada.De imediato o Comandante da coluna o Alf. Rio Tinto,ordenou que se montasse a segurança,recolhesse o material disperso e ele,regressou a Maniamba com os feridos,no outro Unimog.Deveriam ter percorrido poucas Centenas de Metros, o Unimog que ía de regresso a Maniamba accionou uma nova mina. Foi um estrondo enorme e vimos a levantar uma enorme nuvem de fumo.Nós,os que estávamos no local do primeiro rebentamento,invertemos o sentido da marcha da Berliet e fomos em socorro dos nossos camaradas.Quando lá chegámos deparámos com um cenário dantesco. O Unimog em chamas,e quase todos os Militares com queimaduras muito graves e o condutor oFernando da Silva Fernandes preso pelos pés nos sacos de areia,gritava por socorro.O Alf. Rio Tinto estava apático no meio da picada e tinha um braço queimado.Perguntei-lhe se estava ferido não respondeu.Levantei-o e pu~lo na Berliet juntamente com os outros feridos. No meio do caos instalado apercebi-me que faltavam alguns Militares. Os ausentes eram o Paulos,o Ventura,O Manuel dos Santos e o Carlos Morais,todos eles feridos com estilhaços e queimaduras em todo o corpo.Tinham ido a correr para Maniamba.Dei ordem de partida à Berliet e no caminho de regresso fomos recolhendo os camaradas que tinham saído do local.O último a ser recolhido foi o Paulos já junto à Cantina do Dinis, ás portas do quartel.As imagens deles a correrem e a pele dos braços a soltarem como se fossem luvas compridas,isso a minha memória não apaga.Os feridos deram entrada na Enfermaria e lembro o Carlos Morais o "Lisboa"entrar em desespero.Queria a todo o custo voltar para o mato repetindo: EU VOU MATAR TODOS ESSES BANDIDOS.Tentámos acalmá-lo,mas ele dava pontapés,cabeçadas nas portas,nas paredes e por fim já exausto,acalmou.Os feridos foram evacuados para o Hospital em Vila Cabral.Nesta tragédia faleceram no local o Simões e o Fernandes.O Morais viria a falecer no Hospital Militar de Nampula a 9 de Março.Outros militares foram evacuados para a Metrópole.
O Oliveira |
A Minha Narrativa:
Por: José Carlos Paulos
Soldado da CCAÇ 1560ra e o Dias em 2004 no local da tragédia de 28 Fevereiro de 1967 |
Uma avioneta DO, de reabastecimento,deslocava-se para Maniamba,e sobrevoava por acaso o local da tragédia.Quando aterrou em Maniamba alertou o Comandante da Companhia que devido à ausência do Cap.Campinas,era o ALF. Fernando Oliveira do que tinha visto.
. A DO esperou que os feridos chegassem ao quartel. Depois dos primeiros socorros fomos transportados para Vila Cabral os três mais graves que eram o Paulos,o Manuel dos Santos e o Morais. Aterrámos na Base Aérea e ficámos abandonados no chão e dados como mortos.Foi então que ouvi uma Enfermeira Paraquedista dizer a um Alferes: estes já tinham "Lerpado". Ao ouvir a Enfermeira, mexi em desespero um braço e por sorte o Alferes viu o gesto e respondeu-lhe: ELES ESTÃO VIVOS. De imediato fomos transportados de ambulância para o Hospital de Vila Cabral.Aqui recebemos mais socorros e durante a noite fomos evacuados de urgência por um NordAtlas para o Hospital Militar 125 em Nampula. No dia seguinte agravou-se o estado do Manuel dos Santos que de imediato foi evacuado para a Metrópole.Eu e o Morais estávamos no mesmo quartoO sofrimento era muito.Nunca falámos.O meu estado era grave,mas o do "Lisboa" era bem pior. Creio que muito orgãos do seu corpo foram afectados irremediavelmente,designadamente a visão e o seu corpo apresentava um tom esverdeado. Não conseguiu resistir aos estilhaços e às queimaduras.E na manhã de 9 de Março acabou por falecer. Fiquei internado no Hospital durante 52 dias, findo os quais fui fazer a recuperação para o Quartel General em Nampula durante 15 dias. Saí desta Cidade a 8 de Agosto de 1967,tendo chegado a Maniamba a 14 do mesmo mês à noite e por curiosidade o aquartelamento foi atacado nessa mesma noite.Como era apontador de Morteiro desloquei-me ao local da arma e ripostei ao fogo do inimigo.
Louvor concedido pelo comandante do BCAÇ 1891
Louvo o 1º Cabo José Carlos Paulos da CCAÇ 1560,pelo conjunto de virtudes Militares que soube demonstrar durante cerca de 2 anos de comissão na Região Militar de Moçambique.Tendo sido gravemente ferido em combate a 28 de Fevereiro de 1967,ficando bastante queimado em várias regiões do corpo e com algumas lesões internas,que o semi-incapacitaram físicamente ao voltar à CCAÇ 1560,foi ele próprio quem de motu-próprio procurou tornar-se útil aos seus camaradas e à Companhia,oferecendo-se para todos os trabalhos e serviços de Aquartelamento demonstrando assim um elevado espírito de sacrifício e noção do dever.Militar muito correcto e disciplinado é digno de toda a estima e consideração deste Comando. (O.S. Nº 100 de 06 de Maio de 1968,do BCAÇ 1891.
Crónica de Germano Rio Tinto
Alferes da CCAÇ 1560
"O INIMIGO ESCONDIDO"
Naquele dia 28 de Fevereiro de 1967, a manhã havia despontado igual a tantas outras. Havia sempre a esperança, renovada em cada dia, de que as folhas do alendário fossem passando, e a hora de regressar, ainda tão longínqua,acabasse por surgir no meio da alegria colectiva, depois do amargo sabor das inesgotável horas de sofrimento.Partiram os três Unimogs gasolina, a prontidão era total e a disponibilidade absoluta. Havia algumas pontes a vistoriar, construções frágeis que uniam asmargens estreitas do Lualece. Este escorria com violência, semelhante a tantos outros rios do norte da Província. Era de algum modo a estreia no mato para mim, saído da Academia Militar ainda há menos de um ano. O brio desanuviava qualquer sentimento de ameaça, e o colectivo do grupo fazia desaparecer todo o receio. Nem sequer nos lembrávamos do capitão, em tratamento em Nampula, a sua presença tornava-se desnecessária. A picada desenhava-se sinuosa na sua terra vermelha barrenta, ameaçadora nas suas bermas amolecidas pelas chuvadas recentes, emoldurada pelo capim alto que ocultava muitos receios e demasiadas sombras. As três viaturas subiam, quase e cima umas das outras, numa marcha penosa e carregada de monotonia. Eu viajava na do meio, e olhava alternadamente para a da frente e para a da retaguarda, tentando ligar à vista aquele grupo tripartido,demasiado unido para que se pudesse facilmente separar. Íamos numa proximidade perfeita, e parecia que apenas uma viatura circulasse naquele ermo povoado de expectativas, em que os olhares não descortinavam o horizonte, centrados na proximidade do itinerário. E foi então que o inesperado aconteceu. O silêncio transformou-se num trovão atroz, a primeira viatura subiu no ar como boneco inofensivo, os seus ocupantes foram cuspidos para as bermas, uma nuvem de cinzas encheu todo o espaço visível e o característico cheiro a gasolina e explosivo queimados preencheu as narinas e os pulmões. De nada valeu a recusa ou o protesto, a fuga não era possível, estávamos ali irmanados numa desgraça de contornos ainda desconhecidos. Pouco importava sonhar quando o realismo dos factos se impunha como uma penedia no trajecto dum viajante.Chegou então a primeira notícia: o soldado ao lado do condutor, que viajava sem capacete na cabeça, situação que apesar dos contínuos avisos frequentemente se repetia, tinha sofrido o violento impacto do dínamo da viatura na cabeça. Era uma situação demasiado crítica e imensamente urgente. Olhei à volta, os soldados espalhavam-se pelo chão, alguns choravam,o desespero tornara-se presente, a desorganização completa. Num só instante,uma tarefa simples, planeada,corrente, fora transformada em tragédia. A fragilidade era enorme, a impotência ocupava as mentes, os pensamentos voavam sem nexo..Eu próprio senti os limites tornados presentes pela novidade duma realidade nunca experimentada. Senti que era urgente actuar,mandei fazer inversão da viatura à retaguarda, o rádio estava destruído, peguei ao colo o malogrado camarada e seguimos, pressupostos, a caminho de Maniamba. O carro transportava apenas três ou quatro soldados, lutávamos contra o tempo, alimentávamos alguma pouca esperança, sofríamos sem aconsciência dos factos . Não posso agora narrar, por mim mesmo, o que se passou. A viatura rebentou nova mina, que tinha ficado para trás, pisada mas não accionada pelas várias viaturas. Eu e o soldado ferido fomos cuspidos longe, aqueles que ficaram agarrados á viatura sofreram queimaduras horríveis, e as chamas espalharam-se pela mata e incendiaram o capim. Chegámos por fim á Companhia, que ouvira os rebentamentos como trovões, e fomos evacuados para o Hospital de Vila Cabral. Alguns nomes ficaram escritos nas recordações amargas da Companhia e na história do Batalhão: Simões, Fernandes e Morais.Hoje, ao recordar factos tão longínquos, não posso deixar de experimentar o respeito profundo pelo sacrifício dos camaradas aqui recordados, na sua efémera passagem pelo norte de Moçambique, sucumbidos em terra estranha e em mata adversa, sem poderem voltar alguns momentos antes a dizer adeus aos seus, que os aguardavam, contando as horas e sorvendo a saudade.Porquê eles e não outros, porquê naquela situação, para quê levar a cabo aquela tarefa provavelmente tão desnecessária e tão inoportuna ? Tudo ficou por responder, mas á medida que os anos passam ( e são já mais de quarenta)a saudade vai caminhando acompanhada de interrogações, e as vidas jovens ceifadas de forma tão brutal clamam certamente por uma vida não preenchida, por tantos sonhos não acharam espaço e tempo para se revelar.As guerras, mais uma vez, deverão deixar de preencher o acervo histórico da humanidade, e nunca mais deverão marcar a condição humana como algo de absolutamente inevitável, nem constituir um caminho para garantir a paz.As viaturas retorcidas e irreconhecíveis destas poucas fotos são como uma agressão imerecida, como forma de punição por crimes que nunca foram cometidos...
muitas décadas, dissimulado na perfídia e na maldade, e a sua presença está
essencialmente presente na opressão que vitima os inocentes, aqueles que
marcham empolgados por gritos de epopeia em nome duma Pátria que
frequentemente os desconhece.
Nos plainos de Vila Cabral, em nome dum patriotismo hoje esgotado, as três
vidas ali imoladas apenas podem ser glorificadas pela nossa recordação e
saudades.
Reconhecimento, ultraje e dignidade
Reconhecimento, ultraje e dignidade
Em resultado desta tragédia, o Soldado Carlos Alberto da Silva Morais foi Condecorado com a Medalha de Mérito de 4ª Classe.
S. EXª o Comandante da Região Militar de Moçambique, concedeu o seguinte louvor:
Louvo o Soldado Atirador,Carlos Alberto da Silva Morais,porque no dia 28 de Fevereiro de 1967,quando do rebentamento de um engenho explosivo,na viatura em que seguia,ter tentado,por todos os meios,socorrer um seu camarada,condutor da mesma viatura,que havia ficado preso pelos pés à mesma quando esta se incendiou,atitude que lhe causou graves ferimentos que acabou por ocasiona a morte no H.M. 125.Este Militar desde sempre se havia distinguido pelo seu aprumo disciplinar e bravura em combate,em todas as operações que actuou,sendo nelas sempre voluntário para as mais difíceis e perigosas missões.Tal militar que pela sua Pátria deu conscientemente a sua vida é bem digno de ser por nós olhado com todo o respeito e gratidão,muito honrando o Exército Português.
(Artº 3º da O.S. nº 81 de 11 de Outubro de 1967,da Região Militar de Moçambique).
Na época, o Estado Português não participou economicamente na transladação do corpo do seu Herói. Seus Pais,os Senhores Agnelo e Flavia Morais além da dor da perda do seu querido filho foram confrontados com esta indignidade. Com muitos custos e dificuldades,os Pais do Carlos Morais angariaram a verba da transladação do corpo do seu filho.Mas,como eram pessoas muito honradas e de grande dignidade,e para não se misturarem com pessoas indignas,recusaram ir receber a Condecoração que foi atribuída a seu filho.
Medalha de Mérito de 4ª Classe |
S. EXª o Comandante da Região Militar de Moçambique, concedeu o seguinte louvor:
Louvo o Soldado Atirador,Carlos Alberto da Silva Morais,porque no dia 28 de Fevereiro de 1967,quando do rebentamento de um engenho explosivo,na viatura em que seguia,ter tentado,por todos os meios,socorrer um seu camarada,condutor da mesma viatura,que havia ficado preso pelos pés à mesma quando esta se incendiou,atitude que lhe causou graves ferimentos que acabou por ocasiona a morte no H.M. 125.Este Militar desde sempre se havia distinguido pelo seu aprumo disciplinar e bravura em combate,em todas as operações que actuou,sendo nelas sempre voluntário para as mais difíceis e perigosas missões.Tal militar que pela sua Pátria deu conscientemente a sua vida é bem digno de ser por nós olhado com todo o respeito e gratidão,muito honrando o Exército Português.
(Artº 3º da O.S. nº 81 de 11 de Outubro de 1967,da Região Militar de Moçambique).
Na época, o Estado Português não participou economicamente na transladação do corpo do seu Herói. Seus Pais,os Senhores Agnelo e Flavia Morais além da dor da perda do seu querido filho foram confrontados com esta indignidade. Com muitos custos e dificuldades,os Pais do Carlos Morais angariaram a verba da transladação do corpo do seu filho.Mas,como eram pessoas muito honradas e de grande dignidade,e para não se misturarem com pessoas indignas,recusaram ir receber a Condecoração que foi atribuída a seu filho.
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