ADESCOLONIZAÇÃO PORTUGUESA
segunda-feira, 13 de junho de 2011
A descolonização Portuguesa!
No que julgo que interessa estive primeiro, em Dezembro de 1973, em comandante do CODCB (Comando operacional de Defesa de Cahora Bassa) sobre o que posso responder a todas ou quase todas as perguntas.Depois pouco antes do 7 de Setembro ou mesmo no 7 de Setembro, quando houve aquelas sensaborias em Lourenço Marques , em que andaram aos tiros aos pretos por causa do Radio Clube de Moçambique e não sei que mais, o então coronel Egídio que estava em Tete, teve de ir para Lourenço Marques e eu avancei para Tete. A missão não foi alterada, isto é continuámos em guerra, mas já a meio vapor até Setembro. No dia 7 de Setembro , recebemos ordem para deixar entrar a Frelimo. A partir daí vivemos (eu vivi) até Fevereiro de 1975 em companhia da Frelimo, companhia respeitável e respeitada.Devo dizer que o meu contacto começou pelo meu comandante José Moyane, que a seguir foi governador de Vila Perry e , mais tarde de Lourenço Marques. Depois houve um pequeno pormenor: matou a mulher e desapareceu da circulação. Mas o comandante José Moyane, logo no primeiro dia , começou por me tratar por camarada, e eu julgo que não há nada como explicar as coisas desde o primeiro dia. Eu expliquei-lhe que não era camarada dele de parte nenhuma, nunca tinhamos comido juntos, se ele que eu era do 25 de Abril, não era se julgava que eu era do M F A, também, portanto que nos respeitássemos um ao outro. Eu era senhor comandante, e ele era o senhor comandante e vivemos como Deus com os anjos até Fevereiro de 1975-.........
Mas a realidade é que estávamos ainda em guerra..........
Numa guerra daquelas é muito difícil o cessar fogo. É tão difícil que sucederam vários casos e que a maldade das pessoas ainda não permitiu que se esclarecessem e que convinha esclarecer, porque está a honra de muita gente em jogo. um deles por exemplo é o caso de um alferes que recebe ordem para acabar com as acções de fogo. Esse alferes cai com o seu grupo de combate numa emboscada . Tiros para lá , tiros para cá . Além dos tiros, havia sempre um folclore de palavrões, dirigido a cada um . Mas no meio daquilo o alferes conseguiu-se fazer ouvir e dizer aos do outro lado : " olha lá , já acabou a guerra ,e nós estamos aqui estupidamente aos tiros,". Ao que os outros responderam :" Está bem vai enganar outro"..." disse mais o alferes: ...então vai informar-te junto dos teus chefes e no dia tal encontramo-nos aqui. E no dia tal encontraram-se.......É claro que o (fazem) ainda com todas as seguranças e não houve desconfianças . Não entraram em contacto com os vossos: não:.. ainda não tenho contactos nenhuns, os nossos não fizeram fogo.....À terceira ou quarta vez, estava tudo aos abraços.
É dos nossos soldados, isto é assim mesmo. Simplesmente nessa altura foram desarmados, porque os nossos estavam de boa fé e os outros não. Isto depois aparece depois, como um grupo de combate que foi desarmado , que entregou as G-3 ao inimigo. Mais importante do que isto(talvez o coronel Pinto Ferreira esteja em melhores condições de explicar), foi o que se passou com uma companhia no norte. Entram em conversações, muita confiança muitos abraços e a certa altura foram desarmados.Um dos argumentos nas conversações em Lusaca usados por Samora Machel, com o dr. Mário Soares era que as nossas tropas já não se batiam. Com certeza que a nossa tropa no dia 7 de Setembro não era a mesma, que no dia 26 de Abril. Aqui fez-se tudo a seguir ao 25 de Abril, para dar cabo da nossa tropa. Na descolonização entrou o factor político e nem mais um soldado para o Ultramar. Nestas condições ninguém podia negociar, discutir e preparar uma descolonização inteligente.
Aquilo estava muito efervescente as pessoas andavam com armas na mão e a disciplina não era grande coisa, especialmente dentro da Frelimo. Eles tinham a disciplina do guerrilheiro.....matou morre.
José Pedro Castanheira: Quando é que foi esse primeiro encontro com o comando da Frelimo ?
General Duarte Silva: Foi no dia 7 ou 8 de Setembro de 1974. Só quando houve paz oficialmente, claro. Se não não havia conversa.
Fátima Patriarca: Retomando a pergunta do Manuel de Lucena, seria possível explicar porque é que os colonos brancos reagem contra no fundo a quem está ali para os defender? O que sentiu que estava por de trás dessa hostilidade?
Tenente- Coronel Aniceto Afonso: Isso pode ter várias explicações.
General Duarte Silva:Eu tinha lá família e diria que os coca-colas sempre pensaram que a guerra era nossa, não era deles, o problema era este.
Tenente-Coronel Aniceto Afonso: Sim , sim . Talvez também nunca lhes tenha sido explicado, também nunca participaram.
General Duarte Silva :O instinto de conservação não precisa de explicações. Nó íamos daqui para lá , eles estavam sossegadinhos nas cidades , porque +e que deviam de arriscar.
Coronel Pinto Ferreira : Eu estava na Beira, quando foi o ataque à messe da Beira e vi o acontecimentos todos, do principio ao fim.
Quando eu cheguei à Beira em 1973 , a população não tinha qualquer noção da guerra que se estava a passar. sabia que existia, mas não vivia no meio da guerra.
Tenente- Coronel Aniceto Afonso:Mas já havia batalhões de Janeiro.
General Duarte Silva: Pois. mas isso revela o estado de indisciplina que houve. Temos de o reconhecer! E depois quando chega Lusaca, o Samora Machel diz: Ah os senhores já não têm ninguém capaz de dar um tiro ."...não era completamente verdade, especialmente em Angola de maneira nenhuma. E é claro que as pagámos.
Coronel Pinto de Ferreira: Há uma questão de que o sr .tenente -coronel falou que eu ainda reforço. Nós em Moçambique, tínhamos chegado a este ponto: quando embarcávamos, os meus capitães operacionais eram do mesmo curso dos alferes comandantes de pelotão. No meu batalhão foi assim. Eles estavam em Mafra , terminavam o curso como cadetes e eram promovidos promovidos a aspirantes , todos. Uns eram escolhidos para ser capitães, nem espúrios nem púrios. Não havia nada.
General Duarte Silva : mas isso eram milicianos!
Coronel Pinto Ferreira: Pois, mas isso não interessa. Era quem fazia a guerra.
General Duarte Silva: não era a mesma coisa.
Coronel Pinto Ferreira: eram oficiais , faziam a guerra e estavam a defender a Pátria. Mas continuando.
General Duarte Silva: mais devagar.
Coronel Pinto Ferreira: Não é nada mais devagar- temos de ser objectivos. Portanto sucedia que esses homens saíam da Escola Prática de Infantaria e eram promovidos a alferes. Iam para as unidades, para o seu batalhão fazer instrução e embarcavam como alferes . Um deles era promovido a tenente , era comandante de companhia , mas eram todos do mesmo curso de alferes, tratavam-se por tu. Oh pá não me chateies! Então dás essa ordem? e na hora do embarque eram promovidos a capitães. Saíam todos da Escola Prática de Infantaria como aspirantes e, de repente , um aparecia como capitão e os outros eram alferes.
E era com isto que se tinha que fazer a guerra . Eu tinha quatro companhias na minha zona de acção , e os quatro capitães eram deste género. E quando davam uma ordem que alferes não gostavam, os alferes diziam: Eh pá não me chateies com essa! Eu não vou ! E na tropa não se pode trabalhar assim, não se pode actuar assim . mas era com isto que tinha de se fazer a guerra. isto é uma coisa que as pessoas aqui não sabiam! Quando chegámos à altura da descolonização e foi preciso contar espingardas onde é que se contavam, quem é que pegava nelas? Estavam todas no armeiro. Os problemas eram estes , e eram mais que muitos. em toda a província Moçambicana .
General Duarte Silva : estás a dar-me a razão.
Coronel Pinto Ferreira : Não lhe estou dar razão nenhuma.
General Duarte Silva: durante 13 anos fizemos a guerra sem problemas, de repente passou a haver problemas.
Extracto de entrevistas dadas por estes e outros militares sobre a situação em Moçambique e nas outras Províncias Ultramarinas a seguir ao 25 de Abril de 1974.
Falta referir a situação dos Africanos que lutaram ao nosso lado e o que é feito deles, já que parece o Estado português se esqueceu da maior parte deles.