domingo, 27 de maio de 2018

TRÊS VERSÕES DA TRAGÉDIA DE 28 DE FEVEREIRO DE 1967 EM MANIAMBA NO NIASSA

A Minha Narrativa:
Por: José Cardoso Reis
Furriel Miliciano da CCAÇ 1560



Os Unimogs envolvidos na tragédia de 28-02-1967 em Maniamba

Partimos de Maniamba em três viaturas,uma Berliet e dois Unimogs. A Missão era para fazermos o reconhecimento à Ponte em madeira do Rio Lualesi, situada ao km 10 da Picada entre Maniamba e Vila Cabral. O dia estava com sol e muito quente,tudo levava a crer que era mais um Missão de rotina e sem problemas. Na frente seguia a Berliet,conduzida pelo"Lourosa"  e Comandado pelo Alf. Rio Tinto e que transportava um Secção,na qual eu estava incorporado. Na 3ª posição seguia um Unimog que era conduzido pelo Fernando da Silva Fernandes e a 2ª  viatura,o outro, Unimog era conduzida pelo "Pardal". Ao 6º km, o primeiro Unimog,accionou um mina anti-carro.Os nosso camaradas foram projectados,sendo o  JOSÉ PAIVA SIMÕES que seguia ao lado do Pardal sido atingido na cabeça pelo dínamo da viatura que se tinha soltado com a explosão. O seu estado era crítico,havia mais feridos e entre eles o condutor,o Pardal com uma perna fracturada.De imediato o Comandante da coluna o Alf. Rio Tinto,ordenou que se montasse a segurança,recolhesse o material disperso e  ele,regressou a Maniamba com os feridos,no outro Unimog.Deveriam ter percorrido poucas Centenas de Metros, o Unimog que ía de regresso a Maniamba accionou uma nova mina. Foi um estrondo enorme e vimos a levantar uma enorme nuvem de fumo.Nós,os que estávamos no local do primeiro rebentamento,invertemos o sentido da marcha da Berliet e fomos em socorro dos nossos camaradas.Quando lá chegámos deparámos com um cenário dantesco. O Unimog em chamas,e quase todos os Militares com queimaduras muito graves e o condutor oFernando da Silva Fernandes preso pelos pés nos sacos de areia,gritava por socorro.O Alf. Rio Tinto estava apático no meio da picada e tinha um braço queimado.Perguntei-lhe se estava ferido não respondeu.Levantei-o e pu~lo na Berliet juntamente com os outros feridos. No meio do caos instalado apercebi-me que faltavam alguns Militares. Os ausentes eram o Paulos,o Ventura,O Manuel dos Santos e o Carlos Morais,todos eles feridos com estilhaços e queimaduras em todo o corpo.Tinham ido a correr para Maniamba.Dei ordem de partida à Berliet e no caminho de regresso fomos recolhendo os camaradas que tinham saído do local.O último a ser recolhido foi o Paulos já junto à Cantina do Dinis, ás portas do quartel.As imagens deles a correrem e a pele dos braços a soltarem como se fossem luvas compridas,isso a minha memória não apaga.Os feridos deram entrada na Enfermaria e lembro o Carlos Morais o "Lisboa"entrar em desespero.Queria a todo o custo voltar para o mato repetindo: EU VOU MATAR TODOS ESSES BANDIDOS.Tentámos acalmá-lo,mas ele dava pontapés,cabeçadas nas portas,nas paredes e por fim já exausto,acalmou.Os feridos foram evacuados para o Hospital em Vila Cabral.Nesta tragédia faleceram no local o Simões e o Fernandes.O Morais viria a falecer no Hospital Militar de Nampula a 9 de Março.Outros militares foram evacuados para a Metrópole.
 
O Oliveira

A Minha Narrativa:
Por: José Carlos Paulos
Soldado da CCAÇ 1560ra e o Dias em 2004 no local da tragédia de 28 Fevereiro de 1967
Neste fatídico dia,seguia com a minha Secção,na 3ª viatura.Depois do 2ºUnimog ter acciomado uma mina,fomos em seu socorro. De repente,um estrondo,eu e os meus camaradas fomos projectados e uma bola de fogo atingiu-nos. Eu,o Carlos Morais e o Ventura,fomos as maiores vítimas.O Condutor o Fernando da Silva Fernandes,ficou preso pelos sacos de areia.Nós todos, apesar de feridos com estilhaços e com muitas queimaduras tentámos  por várias vezes libertá-lo.Fizeram-se  várias tentativas e depois de  muito esforço,concluímos que era  impossível daquele pasto de chamas. As últimas palavras ouvidas da sua boca foram para mim : NUNCA MAIS VEJO AS MINHAS MENINAS (tinha 2 filhas). Assistimos à sua morte. Morreu carbonizado.
 Uma avioneta DO, de reabastecimento,deslocava-se para Maniamba,e sobrevoava por acaso o local da tragédia.Quando aterrou em Maniamba alertou o Comandante da Companhia que devido à ausência do Cap.Campinas,era o ALF. Fernando Oliveira do que tinha visto.
. A DO esperou que os feridos chegassem ao quartel. Depois dos primeiros socorros fomos transportados para Vila Cabral os três mais graves que eram o Paulos,o Manuel dos Santos e o Morais. Aterrámos na Base Aérea e ficámos abandonados no chão e dados como mortos.Foi então que  ouvi uma Enfermeira Paraquedista dizer a um Alferes: estes já tinham "Lerpado". Ao ouvir a Enfermeira, mexi em desespero um braço e por sorte o Alferes viu o gesto e  respondeu-lhe: ELES ESTÃO VIVOS. De imediato fomos transportados de ambulância para o Hospital de Vila Cabral.Aqui recebemos mais socorros e durante a noite fomos evacuados de urgência por um NordAtlas para o Hospital Militar 125 em Nampula. No dia seguinte agravou-se o estado do Manuel dos Santos que de imediato foi evacuado para a Metrópole.Eu e o  Morais  estávamos no mesmo quartoO sofrimento era muito.Nunca falámos.O meu estado era grave,mas o do "Lisboa" era bem pior. Creio que muito orgãos do seu corpo foram afectados irremediavelmente,designadamente a visão e o seu corpo apresentava um tom esverdeado. Não conseguiu resistir aos estilhaços e às queimaduras.E na manhã de 9 de Março acabou por falecer. Fiquei internado no Hospital durante 52 dias, findo os quais fui fazer a recuperação para o Quartel General em Nampula durante 15 dias. Saí desta Cidade a 8 de Agosto de 1967,tendo chegado a Maniamba a 14 do mesmo mês à noite e por curiosidade o aquartelamento foi atacado nessa mesma noite.Como era apontador de Morteiro desloquei-me ao local da arma e ripostei ao fogo do inimigo.  

Louvor concedido pelo comandante do BCAÇ 1891

Louvo o 1º Cabo José Carlos Paulos da CCAÇ 1560,pelo conjunto de virtudes Militares que soube demonstrar durante cerca de 2 anos de comissão na Região Militar de Moçambique.Tendo sido gravemente ferido em combate a 28 de Fevereiro de 1967,ficando bastante queimado em várias regiões do corpo e com algumas lesões internas,que o semi-incapacitaram físicamente ao voltar à CCAÇ 1560,foi ele próprio quem de motu-próprio procurou tornar-se útil aos seus camaradas e à Companhia,oferecendo-se para todos os trabalhos e serviços de Aquartelamento demonstrando assim um elevado espírito de sacrifício e noção do dever.Militar muito correcto e disciplinado é digno de toda a estima e consideração deste Comando. (O.S. Nº 100 de 06 de Maio de 1968,do BCAÇ 1891. 

Crónica de Germano Rio Tinto
Alferes da CCAÇ 1560

"O INIMIGO ESCONDIDO"

Naquele dia 28 de Fevereiro de 1967, a manhã havia despontado igual a tantas outras. Havia sempre a esperança, renovada em cada dia, de que as folhas do alendário fossem passando, e a hora de regressar, ainda tão longínqua,acabasse por surgir no meio da alegria colectiva, depois do amargo sabor das inesgotável horas de sofrimento.Partiram os três Unimogs gasolina, a prontidão era total e a disponibilidade absoluta. Havia algumas pontes a vistoriar, construções frágeis que uniam asmargens estreitas do Lualece. Este escorria com violência, semelhante a tantos outros rios do norte da Província. Era de algum modo a estreia no mato para mim, saído da Academia Militar ainda há menos de um ano. O brio desanuviava qualquer sentimento de ameaça, e o colectivo do grupo fazia desaparecer todo o receio. Nem sequer nos lembrávamos do capitão, em tratamento em Nampula, a sua presença tornava-se desnecessária. A picada desenhava-se sinuosa na sua terra vermelha barrenta, ameaçadora nas suas bermas amolecidas pelas chuvadas recentes, emoldurada pelo capim alto que ocultava muitos receios e demasiadas sombras. As três viaturas subiam, quase e cima umas das outras, numa marcha penosa e carregada de monotonia. Eu viajava na do meio, e olhava alternadamente para a da frente e para a da retaguarda, tentando ligar à vista aquele grupo tripartido,demasiado unido para que se pudesse facilmente separar. Íamos numa proximidade perfeita, e parecia que apenas uma viatura circulasse naquele ermo povoado de expectativas, em que os olhares não descortinavam o horizonte, centrados na proximidade do itinerário. E foi então que o inesperado aconteceu. O silêncio transformou-se num trovão atroz, a primeira viatura subiu no ar como boneco inofensivo, os seus ocupantes foram cuspidos para as bermas, uma nuvem de cinzas encheu todo o espaço visível e o característico cheiro a gasolina e explosivo queimados preencheu as narinas e os pulmões. De nada valeu a recusa ou o protesto, a fuga não era possível, estávamos ali irmanados numa desgraça de contornos ainda desconhecidos. Pouco importava sonhar quando o realismo dos factos se impunha como uma penedia no trajecto dum viajante.Chegou então a primeira notícia: o soldado ao lado do condutor, que viajava sem capacete na cabeça, situação que apesar dos contínuos avisos frequentemente se repetia, tinha sofrido o violento impacto do dínamo da viatura na cabeça. Era uma situação demasiado crítica e imensamente urgente. Olhei à volta, os soldados espalhavam-se pelo chão, alguns choravam,o desespero tornara-se presente, a desorganização completa. Num só instante,uma tarefa simples, planeada,corrente, fora transformada em tragédia. A fragilidade era enorme, a impotência ocupava as mentes, os pensamentos voavam sem nexo..Eu próprio senti os limites tornados presentes pela novidade duma realidade nunca experimentada. Senti que era urgente actuar,mandei fazer inversão da viatura à retaguarda, o rádio estava destruído, peguei ao colo o malogrado camarada e seguimos, pressupostos, a caminho de Maniamba. O carro transportava apenas três ou quatro soldados, lutávamos contra o tempo, alimentávamos alguma pouca esperança, sofríamos sem aconsciência dos factos . Não posso agora narrar, por mim mesmo, o que se passou. A viatura rebentou nova mina, que tinha ficado para trás, pisada mas não accionada pelas várias viaturas. Eu e o soldado ferido fomos cuspidos longe, aqueles que ficaram agarrados á viatura sofreram queimaduras horríveis, e as chamas espalharam-se pela mata e incendiaram o capim. Chegámos por fim á Companhia, que ouvira os rebentamentos como trovões, e fomos evacuados para o Hospital de Vila Cabral. Alguns nomes ficaram escritos nas recordações amargas da Companhia e na história do Batalhão: Simões, Fernandes e Morais.Hoje, ao recordar factos tão longínquos, não posso deixar de experimentar o respeito profundo pelo sacrifício dos camaradas aqui recordados, na sua efémera passagem pelo norte de Moçambique, sucumbidos em terra estranha e em mata adversa, sem poderem voltar alguns momentos antes a dizer adeus aos seus, que os aguardavam, contando as horas e sorvendo a saudade.Porquê eles e não outros, porquê naquela situação, para quê levar a cabo aquela tarefa provavelmente tão desnecessária e tão inoportuna ? Tudo ficou por responder, mas á medida que os anos passam ( e são já mais de quarenta)a saudade vai caminhando acompanhada de interrogações, e as vidas jovens ceifadas de forma tão brutal clamam certamente por uma vida não preenchida, por tantos sonhos não acharam espaço e tempo para se revelar.As guerras, mais uma vez, deverão deixar de preencher o acervo histórico da humanidade, e nunca mais deverão marcar a condição humana como algo de absolutamente inevitável, nem constituir um caminho para garantir a paz.As viaturas retorcidas e irreconhecíveis destas poucas fotos são como uma agressão imerecida, como forma de punição por crimes que nunca foram cometidos...

 
Um dos Unimogues intervenientes nesta tragédia

O "inimigo escondido" permanece, desde há
muitas décadas, dissimulado na perfídia e na maldade, e a sua presença está
essencialmente presente na opressão que vitima os inocentes, aqueles que
marcham empolgados por gritos de epopeia em nome duma Pátria que
frequentemente os desconhece.
Nos plainos de Vila Cabral, em nome dum patriotismo hoje esgotado, as três
vidas ali imoladas apenas podem ser glorificadas pela nossa recordação e
saudades.

Reconhecimento, ultraje e dignidade
 Em resultado desta tragédia, o Soldado Carlos Alberto da Silva Morais foi Condecorado com a Medalha de Mérito de 4ª Classe.
Medalha de Mérito de 4ª Classe


S. EXª o Comandante da Região Militar de Moçambique, concedeu o seguinte louvor: 


 Louvo o Soldado Atirador,Carlos Alberto da Silva Morais,porque no dia 28 de Fevereiro de 1967,quando do rebentamento de um engenho explosivo,na viatura em que seguia,ter tentado,por todos os meios,socorrer um seu camarada,condutor da mesma viatura,que havia ficado preso pelos pés à mesma quando esta se incendiou,atitude  que lhe causou graves ferimentos que acabou por ocasiona a morte no H.M. 125.Este Militar desde sempre se havia distinguido pelo seu aprumo disciplinar e bravura em combate,em todas as operações que actuou,sendo nelas sempre voluntário para as mais difíceis e perigosas missões.Tal militar que pela sua Pátria deu conscientemente a sua vida é bem digno de ser por nós olhado com todo o respeito e gratidão,muito honrando o Exército Português.
(Artº 3º da O.S. nº 81 de 11 de Outubro de 1967,da Região Militar de Moçambique). 

Na época, o Estado Português não participou economicamente na transladação do corpo do seu Herói. Seus Pais,os Senhores Agnelo e Flavia Morais além da dor da perda do seu querido filho foram confrontados com esta indignidade. Com muitos custos e dificuldades,os Pais do Carlos Morais angariaram a verba da transladação do corpo do seu filho.Mas,como eram pessoas muito honradas e de grande dignidade,e para não se misturarem com pessoas indignas,recusaram ir receber a Condecoração que foi atribuída a seu filho.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

A CONQUISTA DAS ALMAS -- (5ª PARTE) DOCUMENTOS, CARTAZES E PANFLETOS



segunda-feira, 7 de maio de 2018

A CONQUISTA DAS ALMAS -- A ACÇÃO ACÇÃO PSICOLÓGICA NA GUERRA COLONIAL


             
A CONQUISTA DAS ALMAS

Por: ANICETO AFONSO
CARLOS DE MATOS GOMES

DEFENDER O REGIME COLONIAL CONTRA OS VENTOS DA HISTÓRIA.

As alterações na partilha de poder no mundo que resultaram da Segunda Guerra Mundial, com a emergência de duas superpotências e do bloco que ficaria conhecido como <<terceiro mundo>>, colocaram os dois grandes problemas de sobrevivência ao governo português dirigido por Salazar: como integrar um regime de ditadura no grupo vencedor doas Aliados, maioritariamente constituídos
por democracias; e como manter as colónias, opondo-se ao movimento descolonizador apoiado pelas duas superpotêcias. As credenciais anti-comunistas de Salazar e a importância da posição estratégica dos Açores resolveram a questão da aceitação do regime de ditadura, mas o problema colonial permanecia.
(....) Mas o governo português cedo se apercebeu de que devia preparar-se militarmente para os mesmos desafios que as  nos seus domínios ultramarinos,velhas potências coloniais europeias enfrentavam então nos seus domínios ultramarinos.
Procedeu por isso à reorganização do dispositivo militar na metrópole e no Ultramar, com a criação das regiões militares e regiões aéreas em Angola e Moçambique, comandos territoriais independentes e zonas aéreas na Guiné e Cabo Verde, e comandos navais e de defesa marítima em Angola, em Moçambique e na Guiné. Introduziu no Exército uma nova doutrina de operações e de organização de unidades para as adaptar ao tipo de guerra que se previa vir a ser desencadeado nos territórios africanos, semelhante à que os franceses e os ingleses tinham enfrentado ou enfrentavam na Indochina, na Argélia ou na Malásia. Uma nova forma de conflito que assumiu designações de <<guerra subversiva>>, ou de <<guerrilha>>, conforme fosse encarada do ponto de vista político/ideológico ou do ponto de vista táctico/operacional.
Militares franceses e ingleses ministraram no Instituto de Altos Estudos Militares cursos como os exércitos convencionais deviam combater forças de guerrilha motivadas politicamente para alterarem a ordem colonial existente. Foi criado o Centro de Operações Especiais (COIE) em Lamego. Missões de militares portugueses deslocaram-se à Argélia para acompanharem operações das forças francesas. Por fim, foi organizado um grupo de trabalho no Instituto de Altos estudos Militares para elaborar um <<Manual de Operações>> destinado a este novo tipo de guerra.Em 1963, esse manual foi promulgado com o título O Exército na Guerra Subversiva, dividido em cinco volumes: Generalidades; Operações contra Bandos Armados e Guerrilhas; Acção Psicológica; Apoio às autoridades Civis e Administração e Logística.
(...) A opção do governo português perante o movimento descolonizador foi de aguardar que se dissipasse naturalmente ou que a dinâmica entre as forças internacionais se alterasse, e ir reagindo conforme as necessidades.
Esta estratégia de <<esperar para ver>> implicou que as Forças Armadas foram equipadas desaquada e tardiamente, sempre sob pressão dos acontecimentos. Por exemplo, o Exército não dispunha de viaturas tácticas ou blindados  adequadas, e só depois de iniciada a guerra recebeu armas automáticas e camuflados. A Força Aérea não dispunha de aviões bombardeiros de ataques ao solo, de transporte táctico, ou de helicópteros. A Armada não dispunha de navios para fiscalização de rios, nem de lanchas de desembarque. Esses meios eram caros e Salazar preferia ter as contas acertadas em vez de fazer investimentos, mesmo que estes se destinassem à defesa das suas políticas. Mas, tal como acontecera durante a implantação do Estado Novo, durante a Guerra Civil de Espanha e durante a Segunda guerra mundial, o regime dispunha de meios baratos para fazer a guerra: uma massa de recrutamento abundante, constituída por jovens maioritariamente rurais e analfabetos, uma população condicionada pelo aparelho repressivo da ditadura 
, uma opinião pública dócil e facilmente mobilizada através da propaganda e censura.
No entanto, a evolução da guerra no terreno revelava o progresso galopante dos movimentos de libertação na sua capacidade de combate, dispondo de forças cada vez mais bem preparadas, armadas e comandadas, e com maior presença nos territórios. Esta situação obrigou as Forças Armadas portuguesas a desenvolverem métodos de Acção Psicológica, que visavam a conquista das populações e a desmoralização do adversário.

               Acção Psicológica (APsic)
               Acção Psicossocial (PSICO) 

Na guerra subversiva, a Acção Psicológica é utilizada para obter o apoio da população, desmoralizar e captar o inimigo e fortalecer o moral das próprias forças. assume três aspectos diferentes, embora intimamente ligados:
-- a Acção Psicológica propriamente dita, exercida através de todos os meios de propaganda e contrapropaganda (panfletos, material audiovisual e radiofónico);
-- A Acção Psicossocial, executada através de acções de melhoria do nível de  vida e de assistência às populações, com o fornecimento de habitação, apoio sanitário, e acesso à educação e à actividade económica;
-- a acção de presença, para garantir a segurança e o controle das populações.



Quer as forças portuguesas, quer os movimentos de libertação usaram intensamente a Acção Psicológica como arma, integrando-a na panóplia de meios disponíveis para a conquista dos seus objectivos.
Quanto às populações das zonas de conflito, as forças portuguesas procuram criar um ambiente favorável à sua própria actividade, por meio da acção social, que visava a elevação do seu nível de vida, para as cativar, <<conquistando-lhes os corações>> e promovendo condições de melhor receptividade à Acção Psicológica. Da conjugação da Acção Psicológica com a acção social surgiu a <<Acção Psicossocial, que foi designada por <<Psico>>.
A estratégia veiculada pela Acção Psicossocial - conquistar as populações, captando seu afecto, para retirar ao inimigo o terreno onde actuava - constitui parte integrante da guerra e da manobra militar portuguesa, e foi talvez mais decisiva para assegurar a permanência das Forças Armadas no terreno durante 13 anos do que as operações de assalto, as emboscadas e os golpes de mão. Por outro lado, as acções de assistências às populações carecidas ajudavam a justificar a presença dos militares portugueses em África, suavizando, de algum modo, as acções de guerra e humanizando o seu sacrifício.

Planos, propaganda e contrapropaganda

Um plano de acção psicológica deve estabelecer um programa de acção que ofereça aos seus destinatários um <<futuro>>. Neste contexto, futuro significa uma solução política, direitos de cidadania e soberania. O plano de APsic das Forças Armadas Portuguesas sofreu sempre da incapacidade de oferecer um futuro aos três grupos de destinatários. O futuro prometido aos jovens mobilizados para a guerra e às suas famílias limitava-se à perspectiva de regressarem vivos, sem grandes mazelas, e integrarem-se na inalterável ordem do regime. O futuro prometido às populações era o de se submeterem à ordem colonial, e o futuro dos guerrilheiros era a deserção, aderindo ao regime colonial, ou a sua eliminação. O governo português nunca definiu um futuro para o conflito que não fosse a manutenção do statu quo colonial. Perante esta ausência de garantias do futuro, a APsic das Forças armadas Portuguesas teve de se centrar mais na contrapropaganda do que na
propaganda.
CHUANGA- METANGULA,  (NIASSA) Novembro de 1972
Inauguração do Posto Escolar
Os três alvos das acções psicológicas

A Acção  Psicológica, abreviadamente designada por APsic e conduzida por forças de contra-subversão, tem três objectivos: conquistar a população, baixar o moral das forças de subversão (dirigentes e guerrilheiros) e elevar o moral das forças de contra-subversão. assim, a APsic tem como alvos a população, o adversário e as próprias tropas. Estes três alvos foram considerados pelas Forças Armadas Portuguesas e estiveram presentes nas várias campanhas de Acção Psicológica desenvolvida ao longo dos anos de guerra.

Aldeamentos e controlo das populações

A doutrina militar portuguesa de contra-subversão assentava, tal como as doutrinas francesa e inglesa, no princípio da <<conquista das populações>>.
No volume I de O Exército na Guerra Subversiva, a conquista dos<<corações e mentes>> é considerada decisiva tanto para as forças de subversão como para as forças de contra-subversão. A população é um alvo, forçado ou voluntário, e constitui parte integrante de todo o processo da guerra subversiva. O princípio que determina a contra-subversão é o facto de esta ser levada a cabo pela conquista da população, e não contra ela.
Uma política com forte forte componente de guerra psicológica, foi a de realojar as populações em aldeamento (em troca de melhores condições de vida), para facilitar o seu controle e para dificultar o contacto com os guerrilheiros. Deste esforço de  controle das populações, e na sequência de intensos programas de reordenamento forçado nas regiões em guerra, ou onde as autoridades previam que ela viesse a irromper, nasceram as sanzalas em Angola, os aldeamentos em Moçambique, e as tabancas de auto-defesa na Guiné.
A aglomeração de pessoas em número elevado facilitou o controlo das populações e o fornecimento de certos serviços básicos, mas levou à quebra dos laços dessas populações com a terra, fonte estruturante da coesão comunitária, ao mesmo tempo que afectou as relações políticas e familiares, que sempre assentaram no território, e, ao contrário do que pretendiam as autoridades coloniais, gerou mais descontentamento do que adesão.


Aldeamento de CHUANGA - Metangula no Lago Niassa
                                       Guerrilheiros

Relativamente ao adversário, a Acçãp Paicológica das forças portuguesas procurou isolar os guerreirilheiros das populações, desmoralizá-los e conduzi-los ao descrédito, quer na sua acção, quer na dos seus líderes. Para esse efeito foram utilizados panfletos e cartazes - lançados de aviões oucolocados nos trilhos de acesso e nas povoações - , emissões de rádio, propaganda sonora emitida directamente a partir de meios aéreos, apelando aos guerrilheiros para se rendessem às forças militares ou administrativas, garantindo-lhes bom tratamento, e explicando-lhes que a participação na guerrilha constituía um logro.
Como toda a acção tem o seu oposto, os movimentos de libertação apelavam aos ideais de paz e de justiça, dirigindo a sua acção a grupos-alvo seleccionados: trabalhadores, intelectuais, estudantes, militares e mulheres, apresentando com ideias-chave a injustiça da guerra, o direito que tinham à independência e autodeterminação, o atraso económico provocado pelas despesas da guerra, e os sacrifícios à juventude e suas famílias.
                          Operações militares

A Acção Psicológica era uma actividade essencialmente militar e tinha também como objectivo desmoralizar as forças da guerrilha, desequilibrar psicologicamente as populações que as apoiavam e elevar o moral dos militares portugueses. O caso mais conhecido de emprego de meios da Acção Psicológica em apoio das operações militares ocorreu em Moçambique, na operação <<Nó Górdio>>, para a qual foi criado um Destacamento de Acção Psicológica que utilizou todos os meios de propaganda ao seu alcance - incluindo programas nas emissões de rádio civis (como o Rádio Clube de Moçambique), um avião Dakota (o <<Bocas>>) equipado  para difusão sonora de mensagens e lançamento de panfletos sobre zonas de operações, e ainda a criação de equipas de recolha de guerrilheiros que se tinham apresentado às forças militares. 


A Organização da APSIC (Acção Psicológica)

O Serviço de Acção Psicológica foi criado no Exército em 1965, na dependência da 2ª Repartição (Informações) do Estado Maior do Exército. Nos quartéis generais das Regiões Militares de angola e de Moçambique, bem como no Comando Territorial Independente da Guiné, foram também as 2ª Repartições que assumiram a responsabilidade  pelas operações de Acção Psicológica. Com a nomeação dos generais Costa Gomes, Kaúlza de Arriaga e Spínola para comandantes -chefes de Angola, Moçambique e Guiné (1968-1969), 

essas funções foram transferidas para os seus quartéis-generais e individualizaram-se em Angola e Moçambique, com a criação de uma 5ª Repartição (Acção Psicológica), e na Guiné , com uma Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica ( RepACAP). Existiam assim órgãos de Acção Psicológica desde os escalões de comando mais elevados, repartições ou secções de Acção Psicológica nos quartéis-generais, até aos batalhões, que deveriam dispor, pelo menos, de um oficial de Acção Psicológica.
Em Angola e em Moçambique -- onde as funções de governador-geral e de comandante-chefe eram desempenhadas por duas pessoas 

diferentes, sem acumulação de funções (como acontecia na Guiné) - foram constituídos órgãos civis - militares de Acção Psicológica: os Concelhos Provinciais e Distritais de Acção Psicológica.
Estes órgãos eram responsáveis pela elaboração de <<Planos de Acção Psicológica>>, dos quais resultava uma <<Carta de Situação Psicológica>>.
Os documentos produzidos por estes homens permitem-nos ter hoje um quadro iel de como a Acção Psicológica era encarada pelos vários escalões de comando militar e de governo no tempo em que as acções decorreram, sem as distorções e deturpações que foram introduzidas a posteriori por motivos ideológicos e por conveniências políticas ou de outra natureza,

                          MARCAS DE PRESENÇA

O conceito de << marcas de presença>> consta de um documento de referência da 5ª Repartição do quartel-general do Comandante-Chefe de Moçambique de 1970 -- <<Estruturação da ASsic em Moçambique>> - , elaborado pelo tenente-coronel Almiro Canelhas, um dos grandes especialistas em Acção Psicológica do Exército. Surgiu numa fase já adiantada da guerra colonial e após a realização da grande operação "Nó Górdio". Contém os prncípios essenciais da actividade de APsic nas Forças Armadas Portuguesas.
As <<marcas de presença>> consistiam em materiais impressos, como panfletos ou cartazes, e serviam para reforçar o efeito da presença ou da passagem de forças militares por determinada região. Deviam ser disseminados ou afixados em pontos estratégicos, que chamassem a atenção das populações, das populações deslocadas ou dos bandos armados para a existência de forças militares e para acções de protecção ou punição.


PANFLETOS

Os panfletos eram o meio mais adequado para comunicar com elementos inimigos e com núcleos de população deslocados e/ou por eles controlados. Tinham a vantagem de poderem ser passados de pessoa para pessoa, evitando que as mensagens sofressem distorções. Era aconselhável que os panfletos, sempre que possível, fossem ilustrados com desenhos que facilitassem a sua compreensão, principalmente para quem era analfabeto.
O documento do Quartel General de Moçambique estabelece regras e normas muito pormenorizadas para a elaboração dos panfletos e a sua distribuição. Na preparação de panfletos devia ter-se em atenção o seguinte:
Os textos deveriam ser escritos em português e nos dialectos locais, devendo os panfletos serem impressos em ambas as faces ( esta prática impedia que a guerrilha fizesse uso do verso para outras finalidades);
Nos casos em que eram usadas as declarações de elementos apresentados ou capturados, deveriam ser Os panfletos que se apresentam nesta colecção foram utilizados em Moçambique no final dos anos 60, e destinavam-se a fomentar a clivagem entre as populações e os guerrilheiros. Obedecem aos princípios enunciados pelos serviços Acção Psicológica de Exército. São impressos na frente e no verso, contém imagens explicativas e frases curtas, e são escritas nas línguas faladas em Moçambique. Na maioria dos casos, continham também a tradução em português, com a vantagem de ser inteligível para os militares portugueses.
Em Moçambique existiam dez grupos etnolinguísticos, sendo o Macua-Lomué o maior e mais disseminado pelo território. No norte, distinguiam-se o Maconde, o Angune, o Ajaua. No sul, o grupo dominante era o Tonga (também referido por Ronga ou Tsongue). O suali era (e é) um caso à parte, uma espécie de língua franca da África Central e Oriental e uma das poucas línguas de origem bantu com forma escrita, apresentando elementos do árabe e do chinês.
quase todos os panfletos incluíam o texto em Suali, para além da língua original.

                                                  CARTAZES

Os cartazes eram o método mais adequado para comunicar com a população reunida em aldeamentos. Tinham a vantagem de poderem ser expostos durante períodos de tempo mais ou menos longos, e explicados por pessoas qualificadas. Deviam ser ilustrados com desenhos ou fotografias. As frases ou textos deviam ser curtos. A temática devia ser actualizada e devidamente seleccionada, tendo em conta o público a que se destinavam. Os cartazes deviam ser afixados nas áreas de população controlada e em locais de passagem frequente.

     MENSAGENS

O documento <<Estruturação da APsic em Moçambique>>, já referido , inclui, de forma organizada, as mensagens adequadas de cada grupo-alvo. Estas ideias-chave eram replicadas em todas as campanhas de Acção Psicológica, e os panfletos e cartazes aqui apresentados constituem bons exemplos da sua utilização.

Exemplos de frases constantes dos planos de Acção Psicológica em Moçambique

AS FRASES PARA <<DESACREDITAR A ORGANIZAÇÃO INIMIGA>>

- A guerra é constituída por gente estrangeira que quer roubar Moçambique
- O inimigo não pensa na felicidade das populações, serve-se delas para atingir os seus fins
-Os chefes terroristas vivem be, enquanto o guerrilheiro sofre e passa fome
- A FRELIMO engana o povo
- A FRELIMO prometeu ganhar a guerra em pouco tempo, mas foi tudo mentira
-Os chefes terroristas vivem bem e não lhes faz mal que a guerra nunca acabe
--Muitos chefes já fugiram e largaram a guerra 
-Os chefes matam-se uns aos outros porque já não se entendem. Magaia, Kancombe e outros foram mortos.


FRASES PARA <<DESMORALIZAR OS GUERRILHEIROS>>

-A tropa destruiu as bases 
-A tropa está cada vez mais forte
-A tropa vai a todo o lado
-Vai haver cada vez mais bombas e a guerra vai ser mais dura
-Ninguém vai ter descanso no mato
-Os guerrilheiros foram enganados pelos chefes
-A FRELIMO enganou os guerrilheiros
-Só os guerrilheiros passam sacrifícios
-Ou foge, ou apresenta-te
FRASES PARA <<CONDUZIR AS POPULAÇÕES À APRESENTAÇÃO>>

-As populações foram para a guerra com medo dos castigos da FRELIMO
-Quais as promessas da FRELIMO que já se realizaram? Quais?
-A FRELIMO mentiu às populações quando disse que a guerra durava pouco.
-Quantos homens já morreram?
-Quantas crianças morreram com doença?
-Quantas mulheres ficaram sem marido?



-A guerra trouxe a desgraça às populações
-A tropa é muito forte. Está a fazer estradas novas e novos aldeamentos
-Ninguém pode lutar contra a tropa
-Quem continuar com a FRELIMO tem os dias contados
-A população é escrava dos guerrilheiros
-Apresentem-se nos quartéis e nos aldeamentos
-A tropa recebe toda a gente que se apresenta
-A tropa dá prémio a quem trouxer arma

Os panfletos e os cartazes da colecção de Rodrigo Sousa e Castro e do Arquivo Histórico Militar contêm todas estas ideias, destinadas a conquistar a adesão das populações, a quebrar os seus laços com a FRELIMO, a colocar os guerrilheiros contra os seus líderes e desacreditá-los

Outros meios de Acção Psicológica

Além dos cartazes e panfletos, a APsic também utilizou ouros meios, como a rádio - transmitindo programas militares em emissoras civis -, meios sonoros, e também a imprensa nacional e internacional.
A APsic visou ainda as populações metropolitanas e os europeus das colónias, e organizou acções específicas para militares, orientadas para grupos particulares: praças, oficiais e sargentos milicianos, ou militares dos quadros permanentes.
Podem ainda ser integradas na Acção Psicológica as actividades  de grupos de apoio, como o Movimento Nacional Feminino, a Cruz Vermelha e as Mulheres de Portugal. As cerimónias oficiais e asvisitas de altas entidades nacionais e estrangeiras foram igualmente usadas para o mesmo fim.


Relatórios de Acção Psicológica

Os relatórios da APsic constituem alguns dos documentos que melhor reflectem a evolução do modo como a sociedade portuguesa (e os militares, em particular) foi tomando consciência do problema colonial e da guerra. Estes documentos tinham uma periodicidade trimestral ou quadrimestral e, além do relato das notícias de acções nacionais e internacionais que podiam influenciar a situação militar nos teatros de operações, continham uma apreciação do estado psicológico dos militares, que eram divididos em grupos.
          
CONCLUSÕES 


Na escola de Estado Maior da China ensinavam aos futuros dirigentes dos movimentos de libertação em África que << as palavras são os canhões do século XX>> e que, na guerra revolucionária, se <<deve atacar com 70% de propaganda e 30% de esforço militar>>.
Durante a guerra colonial - sem atingirem esta repartição de proporções - , quer as forças portuguesas , quer os movimentos de libertação utilizaram a Acção Psicológica como arma, integrando-a na panóplia de meios disponíveis para conquistarem os seus objectivos. Contudo, para serem eficazes, os meios de condicionamento psicológico necessitavam de encontrar um ambiente favorável.
No que diz respeito à Acção Psicológica em Portugal, o objectivo era inverter a influência dos movimentos de libertação, que apelavam à independência, à devolução das riquezas, ao desenvolvimento e ao fim da exploração. Esta inversão implicaria oferecer uma alternativa política mais atraente.
O governo português não podia disponibilizar <<conteúdo político>> tão aliciante quanto aquele oferecido pelos seus oponentes sem pôr em causa  os fundamentos do regime, e os militares não podiam inventá-lo. Tornou-se evidente desde cedo que a guerra não seria vencida militarmente enquanto a única proposta do regime - a de manter inalterados os oilares essenciais da sua política colonial - ia perdendo adeptos tanto entre a população metropolitana como entre os colonos europeus em África, as populações não afectadas directamente por acções de aliciamento <<subversivo>>, e ainda entre os militares.
(...) A Acção Psicossocial, como suporte da Acção Psicológica que visava promover a adesão à tese de um Estado Unitário, pluricontinental e multirracial, teve diferentes resultados nos três teatros de operações.
Na << Guiné, os programas de Apsic conduzidos pelo General Spínola, sob o lema <<Por uma Guiné Melhor>>, conseguiram por alguns momentos opor-se com eficácia à independência total do PAIGC. Esse sucesso, embora relativo, deve-se ao facto de ter existido uma proposta política a suportá-lo: a atribuição de ampla autonomia à população guineense que tinha como título << Uma Guiné para os guinéus>>
(...) Em Moçambique,as ideias - força transmitidas foram, numa primeira fase (no contexto da grande operação <<Nó Górdio>>, a de que a FRELIMO ia ser destroçada.De seguida, e apesar do agravamento da situação nas três frentes - Niassa, Cabo Delgado e Tete -, a ideia de que existiam condições para Portugal vencer a guerra militarmente. Tal como em Angola, as Acção Psicossocial em Moçambique também não contribuiu significativamente para apoiar a Acção Psicológica dirigida aos vários grupos de população: a atribuição.
Quer em Angola, quer em Moçambique foram desenvolvidos programas desastrosos em termos de  Acção Psicossocial, sendo o dos <<aldeamentos>> o mais notório. Os aldeamentos forçados em Angola e em Moçambique consumiram recursos militares necessários para outras missões, aumentaram a rejeição da autoridade portuguesa e alargaram a base de recrutamento dos movimentos de libertação junto das populações descontentes. Os aldeamentos geraram um maior ressentimento e maior número de inimigos para a política portuguesa do  que aqueles que evitaram. Foi o que aconteceu nas grandes operações de aldeamento no leste de Angola e em Tete; as operações de pequena e média dimensão, como as realizadas em Cabo Delgado e no Niassa, foram de utilidade duvidosa.

Novembro de 1972. CHUANGA- LAGO NIASSA. Inauguração do POSTO ESCOLAR.
A Acção Psicossocial não foi relevante na conquista das populações, nomeadamente em angola e em Moçambique, onde alguns programas tiveram tiveram até um impacto negativo, mas produziram um efeito colateral positivo sobre as tropas portuguesas, que contribuiu para assegurar a permanência das forças armadas no terreno durante 14 anos. As acções de tipo assistencial realizadas pela APsic, dirigidas a uma população carenciada, ajudaram os militares portugueses a encontrar significado na sua presença em África, e suavizaram, de algum modo, as acções de guerra, dando um sentido humano ao seu sacrifício.
(...)De todas as acções incluídas nos programas de APsic, a mais sensível era a que se dirigia às tropas do recrutamento local, maioritariamente negras, nunca se tendo conseguido equacionar um enquadramento e uma orientação suficientemente sólidos para garantir resultados satisfatórios. As mensagens eram constituídas por um conjunto de promessas, quase sempre vagas e sem coerência, raramente respondendo às interrogações destes militares incorporados nas forças portuguesas. Os militares destas tropas tinham origens e enquadramento muito diferenciados, o que tornava difícil encontrar motivações comuns. Uns integravam os corpos auxiliares, que incluíam milícias e grupos especiais de variados tipos, quase sempre com base nas diferentes etnias; outros integravam as forças regulares, ou especiais, do Exército. Para os primeiros, a Acção Psicológica acentuava os valores da sua etnia, normalmente valores guerreiros, de defesa do seu território e de lealdade a Portugal,
enquanto para os segundos eram acentuados os valores  militares clássicos da disciplina, da coragem, da camaradagem. Comum aos dos grupos era a mensagem do <<portuguesismo>>, entendido como ordem inquestionável estabelecida por uma entidade que se sobrepunha a todas as outras, desde os grupos étnicos e aos respectivos territórios coloniais. Com a excepção da <<Guiné de Spínola>>, onde o valor da <<guineidade>>foi desenvolvido, com a referência explícita aos <<guinéus>>, a APsic dirigida aos militares do recrutamento local em Angola e em Moçambique evitou apelar à identidade Angolana ou em Moçambicana evitou apelar à identidade angolana ou moçambicana, acentuando sempre a portugalidade.(...)
Quando chegou a hora dos acordos de transferência de soberania, todos esses militares se deram conta, em poucos dias, de que tinham estado do lado errado da História e que iriam assumir, praticamente sozinhos, essa circunstancia e as suas consequências.
Neste caso,  podemos concluir que, mais do que o impacto das mensagens da APsic nos africanos que integraram as Forças Armadas Portuguesas, resta neles a memória das relações de proximidade que estabeleceram com os militares portugueses durante a guerra. Os sentimentos, o conhecimento e as experiências vividas são sempre mais fortes do que as mensagens.
A pasta de documentação o Acervo Sousa e Castro é aqui reproduzida na íntegra, por ordem, bem como outros dados sobre as línguas utilizadas. Começa por apresentar os documentos militares secretos portugueses referentes à <<encomenda>> do panfleto e cartaz, incluindo elementos sobre a sua produção e distribuição, sobre a identidade das pessoas que nele figuram, bem como outros dados. Seguem-se os cartazes e panfletos propriamente ditos.

A pasta está incompleta no que diz respeito aos documentos de carácter militar.

PANFLETO Nº 6

PANFLETO Nº 6




PANFLETO Nº 7

PANFLETO Nº 7



PANFLETOS Nº 8

3 DOCUMENTOS DIRECCIONADOS PARA A OPERAÇÃO "ALFA"
Adicionar legenda

                                         OPERAÇÃO "ALFA" EXPLORAÇÃO DE RESULTADOS












Panfleto escrito em NIANJA e traduzido para Português
Panfleto escrito em SHUALILI
Panfleto escrito em MACONDE
Panfleto escrito em AJAUA
Panfleto escrito em MACUA-METTO
Panfleto escrito em NIANJA e traduzido para Português
Panfleto escrito em SHUALILI
Panfleto escrito em Maconde
Panfleto escrito em AJAUA
Panfleto escrito em MACUA-METTO
Estes cartazes e panfletos fazem parte de uma guerra - a  guerra colonial entre as tropas portuguesas e os guerrilheiros da FRELIMO no norte de Moçambique.
Contam a história da multiplicidade étnica e linguista desse território, e ilustram a complexidade  psicológica de um conflito de guerrilhas, de um  combate pela conquista dos corpos e das <<almas>>.
Nesta guerra, como em todas as outras, houve vencedores e vencidos. Os  homens e mulheres moçambicanos que passaram para o lado do ocupante fizeram a mais trágica e inglória das escolhas; na sua maioria foram presas, torturados ou executados. O objectivo deste livro é não deixar que esta história caia no esquecimento.