domingo, 20 de dezembro de 2015

LIVRO de CLOTILDE MESQUITELA. MOÇAMBIQUE 7 de SETEMBRO de 1974 MEMÓRIAS DA REVOLUÇÃO

Moçambique 7 de Setembro. Memórias da Revolução Clotilde Mesquitela



"AQUI MOÇAMBIQUE LIVRE"

Dia seis de Setembro de 1974,pelas dezassete horas. Lourenço Marques. Surge na avenida da República uma carrinha que ostentava, içada bem alto, a bandeira da Frelimo e que arrastava a bandeira portuguesa, já meio desfeita, pelo asfalto.

ASSIM NASCE O 7 DE SETEMBRO

Da passividade dos brancos, da desmoralização em que estavam, nasce a mais bela manifestação de amor à Pátria, numa fúria incontida. Em segundos, a carrinha foi desfeita, a bandeira da Frelimo rasgada, içada num pau a nossa bandeira portuguesa, que pareceu a todos mais bela que nunca. Cantava-se a "Portuguesa", como que pretendendo limpar a afronta a que todos estavam a ser sujeitos. Ninguém seguiu um plano .Foram-se sucedendo as coisas. Neste ambiente surgem estudantes brancos, que em nítida provocação,desdobram e mostram "posters" com a fotografia de Samora. A multidão cerca os carros, corre sobre eles. Refugiam-se nos edifícios dos jornais "Notícias" e "Tribuna". Destroem as três carrinhas em que os frelimistas apareceram. Insultam os jornais e jornalistas mais conhecidos. 
Atiram granadas de mão para dentro do jornal. Depois, seguem pelas ruas. apedrejam o Rádio Clube. Destroem quase por completo a Associação Académica  e pegam fogo à sede dos Democratas de Moçambique. Mais de oitenta automóveis estão parados junto ao Governo Geral. Jipes da Polícia de Choque barram a passagem. A multidão insiste. Quer prosseguir. Aparece o coronel Cunha Tavares, comandante da P.S.P., que recomenda calma. Dirige-se a um grupo de rapazes, que deixando os seus carros, vêm ao seu encontro. Fala o meu filho Gonçalo Nuno, que conhece de nossa casa, e pede-lhe que o ajude a controlar a multidão. Gonçalo Nuno responde: É o nosso futuro que está em discussão. O senhor coronel hoje está aqui, mas onde estará para o ano? o coronel responde: Na Metrópole, certamente. Então deixe-nos passar, porque nós queremos ficar. Às 03H30, frente ao Consulado da África do Sul, pedem que os ajude . O cônsul promete transmitir ao seu governo o desejo formulado. A multidão agradece e canta de novo a "Portuguesa".  Pouco depois, uma explosão abala a cidade. Rebentara o paiol de Benfica, a dez Kms do centro de Lourenço Marques e a outros tantos da Matola. A "Portuguesa", nessa noite, repercute-se a distâncias enormes. Nessa manhã do dia 7, não há jornais, mas há bandeiras de papel de todos os tamanhos, que se distribuem por toda a cidade, dando a grande notícia. Nas janelas há colchas, e gente acenando com os dedos em V, de lágrimas nos olhos ou com sorrisos. Os táxis juntam-se aos cortejos, e até alguns machibombos, seguem o desfile. Às 10H, frente ao  Hospital Militar, para, cantam a "Portuguesa" e, em seguida, homenageiam os mortos com um minuto de silêncio.


Frente à Câmara Municipal e dando para e dando para a Rua do Rádio Clube, ergue-se na praça a estátua de Mouzinho de Albuquerque. Içam na estátua uma enorme bandeira portuguesa.São agora 14H30. Na Cidade , já ninguém tem medo. É dia da Liberdade, de um patriotismo que só o pode sentir quem o viveu minuto a minuto.;
Para a Penitenciária é a ordem de comando de alguém. E para lá se dirigem todos. Soltam 50 funcionários da DGS que se encontravam presos ( de Lisboa é dada depois a notícia que soltaram 200).
Chegando o cortejo ao Rádio Clube, por volta das 17H30, vê-se a bandeira da Frelimo ali hasteada. Sobem uns tantos manifestantes na intenção de exigir que seja arriada e em seu lugar fique a bandeira portuguesa. Iam ainda na esperança de poderem impor à comissão administrativa do Rádio Clube que este deixe de fazer propaganda pró Frelimo e se mantenha neutro. Com a demora a serem recebidos, o povo perde a paciência e invade o Rádio Clube. Um funcionário entra no gabinete onde estão e grita: Temos 5 minutos para abandonar o Rádio Clube. Os oficiais que compõem a comissão administrativa , comandante Lobo e alferes Cardoso, fogem e desaparecem. O povo tomou conta do Rádio Clube. Sabe-se, depois, que os oficiais se tinham dirigido ao Quartel General e ali afirmaram tratar-se apenas de um grupo de garotos e que, portanto, o movimento que se estava a dar não tinha importância. Mas, eles fugiram apavorados.
A ocupação do Rádio Clube
Um rapaz de camuflado diz pela rádio: a emissora está na posse do povo. Acabamos de tomar o Rádio Clube. Das 17H30 às 19H30, de tudo o que se disse na rádio não teve coordenação. Tocou-se "Grandola, Vila Morena" o "Avante, Camarada". Até marchas da Frelimo. Eram os discos que estavam na cabine de som. Ninguém foi responsável por as coisas certas e até tolices que foram ditas. Aproximadamente às 19H30 começou a esboçar-se uma linha. Uma jovem grita ao microfone: Tomámos o Rádio Clube. Não sabemos o que fazer com ele. Apelamos para que todos os que são portugueses e tenham experiência política se nos juntem para salvarmos Moçambique.
José dos Santos Gil, velho em idade e residente na Província há muitas dezenas de anos, fala a seguir e de tal modo ao povo que em todos desperta o que na alma de cada um existia de portuguesismo. É a primeira presença calma aos microfones, são as primeiras palavras com nexo que se ouvem.

                                 AQUI MOÇAMBIQUE LIVRE

Começou por anunciá-lo  Gomes dos Santos, que se apresentou como o locutor Manuel. Os seus apelos. as suas afirmações levam a Província a tomar consciência da hora grave que atravessa. Os apelos têm uma latitude espantosa, dirigem-se aos  líderes de todas as facções políticas, de todas as raças, ao Exército, à Marinha e à força Aérea. A estes pede-se que mantenham a segurança em Moçambique. Nós todos queremos o progresso de Moçambique. Ordem, progresso e calma, e que cada um cumpra o seu dever. Atenção, chefes dos movimentos políticos. Atenção, homens do FICO, da Convergência, dos Federalistas, do PNC. Atenção, bons chefes negros. O futuro de Moçambique está nas vossas mãos.
Apesar dos políticos se irem juntando no Rádio Clube,em resposta pronta e sincera aos apelos que eram feitos, a verdade é que a revolução foi inteiramente apolítica.
Na nossa Atalaia, os filhos foram chegando para o jantar e cada qual trazia a novidade do que tinha visto ou ouvido. Três deles vinham de Boane. Falavam já das barricadas que se estavam a levantar na estrada junto aos emissores do Rádio Clube, no parque das antenas.
Os apelos, além de serem dirigidos a políticos, eram agora directamente feitos a ex-militares e aos militares no activo. Meu genro foi fardar-se ( tinha sido Comando) e partimos em direcção ao Rádio Clube.
À saída da Matola, já vimos imensa gente nas antenas dos emissores do Rádio Clube. Chegados a Lourenço Marques, o nosso carro teve que ficar a uns duzentos e tal metros das instalações do Rádio Clube, e nesse curto espaço levámos quase meia hora, tal era o número de pessoas que ali se encontrava.
Ninguém sabia de nada. Ninguém era responsável por nada.
O Povo aglomerava-se junto ao Rádio Clube
Mas havia já a firme vontade por parte dos rapazes, que de facto tinham tomado o Rádio Clube, de que dali não sairiam. Gomes dos Santos do FICO, encontrava-se na cabine de som. Ele também nada sabia, e estava decidido a ficar aos microfones. Entrtanto, apareceu o Drº Velez Grilo, dirigente do FICO, e com ele falámos. Talvez ele já tivesse uma ideia. Mas estava como nós. No 1º andar, demos com um grupo de rapazes novos que, de G3 às costas, se preparavam para sair, e que depois vieram expressar ao meu marido a sua alegria, pois nele depositavam confiança.
Claro que a primeira pergunta foi:onde iam?
Matar os Democratas!!!
Mas quais Democratas? indagou o meu marido; Os do governo- mas qual governo? Vocês não sabem que daqui a três horas e pouco deixará de haver governo?
Já se sabia que embarcaria nessa noite o Dr. Ferro Ribeiro, encarregado do Governo Geral, no avião da TAP, cessando também, o mandato de todos os secretários provinciais.
O novo governo deveria ser nomeado por Victor Crespo, que se encontrava nessa altura em Lusaka, e, quando as conversações acabassem tomaria posse do seu cargo, em Lisboa, vindo depois para Moçambique, onde, com a Frelimo, formaria o novo gabinete. Perante isto os rapazes pensaram e decidiram ficar. O princípio que meu marido aí fixou e todos acataram durante a Revolução foi: A violência pode vir a ter que ser um instrumento. Mas nunca aceitarei que seja o nosso objectivo de acção. Com a calma que iria marcar durante todos aqueles dias as suas reacções, meu marido começou por se sentar a uma mesa, pegar em papel e lápis, e fazer um esquema.
Quem têm vocês para a parte militar? O Roxo, que deve estar a chegar.
Daniel Roxo em Lourenço Marques em 7 de Setembro de 1974
Que armamento existe de facto? - Quem controla as comunicações ? - Só há um telefone. responderam os rapazes. Em suma não havia nada a funcionar . Mas, rapidamente chegaram responsáveis de todas as facções políticas, o Roxo, outros jovens com as suas armas.
Por a ocupação do aeroporto e dos CTT parecerem das coisas mais urgentes,meu marido, mesmo antes da chegada do Roxo, mandou ocupá-los por voluntários ex-para-quedistas. Nos CTT não foram necessários, porque estavam connosco. Ficou só um pequeno grupo para segurança.
Reuniram os responsáveis, que daí até ao fim se mantiveram no Rádio Clube: Velez Grilo, Pires Monteiro, Daniel Roxo, Malosso, Gonçalo Mesquitela, Vasco Ferreira Pinto. À medida que foram chegando, juntaram-se-lhes os outros líderes da Província, pretos e brancos.
Após uma breve conversa, decidiram ir dialogar com o encarregado do governo. Contactaram-no pelo telefone. Ele diz que os receberá acompanhado por elementos do Exército, do MFA e da Polícia. Forma-se a delegação que ao Governo Geral se deslocará, principalmente com os elementos do FICO, pois estes tinham a autoridade moral que o general Spínola lhes tinha dado, nas conversas do Buçaco, quando
 lhes afirmou:
Façam vocês qualquer coisa que mostre a vontade da Província, para eu vos apoiar.
Velez Grilo chefia a delegação. Vai também um elemento da Convergência Democrática, Vasco Ferreira Pinto.
Meu marido e Daniel Roxo ficam estruturando o plano de ocupações urgentes.
A OPV aderiu em massa. O Ten.Coronel Carlos Vasconcelos Porto, seu comandante, num carro com alti-falante, deslocava-se já na cidade com os seus homens do Corpo de Voluntários, que vai colocando nos postos, para manter a ordem e a disciplina, e acalmar as excitações.
é necessário pedir aos médicos e aos hospitais a colaboração. Organizar um pequeno posto de socorros no Rádio Clube, também parece indicado.
Cria-se o gabinete de imprensa, ali no próprio Rádio Clube, que é confiado a Saavedra, Rui forjaz e Albano Melo Pereira, jornalistas profissionais. Organizam-se a sala do pouco armamento que exist, os gabinetes de reuniões, de descanso e de trabalhos diversos.
Roxo distribui homens para a segurança das instalações dos gabinetes. Nas antenas dos emissores da Matola, sabe-se que está a OPV, Trajano da Mata e Carlos Alberto Ferreira, ambos do FICO. Roxo manda um grupo que ficará responsável pela segurança. Comanda-o um dos "Mochos"
Eu fico no telefone. Será neste gabinete que toda a informação terá que passar, assim como os contactos com a província e com o estrangeiro. Vem pessoal que pode escrever e distribuir os vários sectores o que vai chegando. Eu terei que escrever tudo o que for ouvindo e passar por alguém que dê forma ao que seguirá para os microfones. Do nosso gabinete passará para uma sala de controle e, depois de seleccionado, terá um visto que o manda para o ar. assim se faz a triagem e selecção para matéria a ser difundida. É ali o coração da Revolução. Estou em contacto com todos os postos.
Os postos operacionais seriam ocupados pelos "Mochos", os quais só receberiam instruções do Roxo ou  do "Mocho 1". Como tinha as funções de transmitir algumas vezes pelo telefone estas instruções que me eram comunicadas para o efeito, passei a ser o "Mocho C".
Entretanto, decorria ainda no Governo Geral a reunião com Velez Grilo, e os outros que atrás estão referidos. Com o capitão, na reserva, Araújo Maia, meu marido prepara agora um projecto de proclamação que na manhã seguinte deveria acompanhar a indicação do governo revolucionário que se anunciaria. Perto das 24H dessa primeira noite, como o grupo que seguira para o Governo Geral não desse quaisquer notícias
nem tivesse regressado, meu marido dirigiu-se para lá, acompanhado pelo ex-Comando Augusto Cabral, nosso genro, e outros rapazes ex- militares. Chegado ao Palácio, ninguém impediu a sua entrada. Dirige-se para os gabinetes dos secretários e depara-se com Ferreira da Silva, antigo secretário e chefe de gabinete de Arantes de Oliveira e de Pimentel dos Santos. Vêm a sair nesse momento os delegados. Velez Grilo dirige-se ao meu marido, afirmando:Está tudo perdido. Fomos traídos. Não há nada a fazer. Temos que entregar o Rádio Clube.



Meu marido responde que não tinham qualidade para entregar coisa alguma, uma vez que quem tinha conquistado o Rádio Clube tinha sido a população e mais directamente, os rapazes. Estes teriam que se pronunciar. Felizmente, não houvera qualquer compromisso.
Concordou-se então em que havia que convocar uma reunião com os responsáveis.
Aí, foi relatada com os chefes militares que exigiam a entrega imediata do Rádio Clube, e as negativas formais dos interlocutores.Posta a questão aos presentes, foi decidido nem sequer discutir a entrega e continuar-se a resistência, na esperança de assim evitar a homologação dos acordos  de Lusaka pelo general Spínola. Perante a decisão firme dos rapazes, Velez Grilo acenou afirmativamente com a cabeça e, com ar cansado, aceitou: É a única coisa a fazer. Decidiram então quem seriam os responsáveis cuja orientação todos acataram. A Revolução necessitava deste comando improvisado, já que nenhum outro a tinha conseguido ou inspirado. Fizeram a proposta de se preparar desde logo um Governo Revolucionário, e uma proclamação a expor os objectivos da revolução. Resumem-se a 3 pontos essenciais:Concordou-se então em que havia de convocar uma reunião com os responsáveis. Regressados ao Rádio Club, juntam-se os elementos que, entretanto, se tinham revelado como líderes aceites pelos outros, exercendo assim uma chefia natural.

1)         CONSIDERAR A A INDEPENDÊNCIA COMO IRREVERSÍVEL

2)         FORMAÇÃO DE UM GOVERNO DE MOÇAMBIQUE COM PARTICIPAÇÃO DE TODAS AS CORRENTES POLÍTICAS, SEM QUALQUER DISTINÇÃO DE COR E GARANTINDO DESDE LOGO A MAIORIA AOS GRUPOS PRETOS, INCLUINDO NELES A PRÓPRIA FRELIMO EM IGUALDADE COM OS OUTROS.
3)        PREPARAÇÃO DE ELEIÇÕES, DESDE LOGO, NO ESQUEMA ANTERIOR.

Duas razões evitaram que esta proclamação tivesse seguimento: a vantagem que  se reconheceu de se aguardar a chegada de todos os líderes pretos para que tivesse mais autenticidade a orientação seguida, e a convicção, que se revelou ingénua, em que estavam alguns dos dirigentes, de que o general Spínola ainda pudesse e quisesse tomar uma decisão nesse sentido, como aliás tinha prometido no decorrer da conversa no Buçaco.
Decidiu-se que os jornais saíssem o mais cedo possível, logo de manhã, para informar a população de Lourenço Marques e da Província, e que alguns dos responsáveis, presentes, se dirigissem à população, pela Rádio. Velez seria o primeiro a falar.
Os termos desta primeira alocução pública vêm publicados no livro de Ricardo Saavedra " Aqui Moçambique Livre" e dele transcrevo:

Irmãos Moçambicanos: o dia é de alegria. Mas esta alegria tem que ser para todos. Não pode ser negada a ninguém. A liberdade é um direito de cada homem. A liberdade pertence a todos. E é necessário manter atitudes firmes, mas não ofensivas, seja contra quem for. Dessas atitudes faz parte, necessariamente, a palavra. É preciso não só evitar acções contra que for, mas muito mais, palavras insultuosas. Daqui vos digo que é preciso respeitar todos os que combateram pela liberdade, quer estejam de acordo connosco, ou não. Todos os que lutam pela liberdade merecem o nosso respeito e a nossa consideração. Se acusamos a Frelimo de não querer moçambicanos à mesa das conversações, não vamos cometer o mesmo crime, o mesmo delito, negando à Frelimo o direito de conversar connosco. A liberdade é para todos. Moçambique é para todos os moçambicanos, sem exclusão seja de quem for, a não ser dos passíveis de delito comum. Tenham calma.Nós procuramos realizar a Paz, a Democracia, a Harmonia, a Liberdade para todos, qualquer que seja o seu ideal político.
A população ouve em silencio absoluto. Está bem consciente do momento grave que a Província atravessa. Mal termina Velez Grilo. Mal termina Velez Grilo, rompe a "Portuguesa". O Hino Nacional e as bandeiras a agitar é tudo quanto milhares de pessoas podem expressar para manter firme a decisão de Moçambique Livre.
Nota-se a saída de alguns, mas rapidamente se agrupam mais, e mais. O frio aperta naquela madrugada de Setembro. Começam a aparecer cobertores; o café quente não falta. Algumas tímidas fogueiras também marcam o seu lugar nos passeios em frente do Rádio Clube. Alguém, vendo isto, interroga-se alto: E na Matola, como estarão? É quanto basta para que, pelo microfone, saia um apelo ao povo da Matola. Aqui a alegria é comunicativa. Todos comungam do mesmo ideal: Moçambique Livre! E a expressão da liberdade é portuguesa, recusando o exclusivo governamental da Frelimo. 
Na Matola, juntamente com a OPV, estão rapazes e raparigas muito jovens. Os mais velhos, apresentaram-se no Rádio Clube. Aqueles controlam os postos da estrada, fazem o serviço de sinaleiros. Revistam os carros. Alguns deles trazem as suas espingardas de chumbo ás costas, mas o ar é tão garboso que parecem militares feitos, daqueles que já tinham desaparecido do nosso respeito. 
Os da OPV, na Matola, estão com as suas armas, que foram buscar onde sabiam que as Forças Armadas as tinham posto, quando, meses antes, os tinham desarmado. O Administrador do Conselho, António Drumond Borges, abre as portas da sede da administração e é ele próprio que as vai entregar. Da esquadra da Polícia também conseguem algumas. As antenas da Emissora serão o ponto vital a ser defendido.
No rádio Clube o chefe Carolino da PSP, lança um apelo aos seus camaradas, começando por afirmar que ele se encontra com o Movimento e pede-lhes que o sigam. Uma Senhora de muita idade D.Joana, que fala várias línguas nativas, dirige-se aos negros e confirma-lhes que o Movimento Moçambique Livre é um movimento de Paz e Progresso.


Populares de todas as raças e Credos juntaram-se em frente do Rádio Clube
Renovam-se os apelos a todos os combatentes e ex-combatentes, pedindo que se concentrem no Parque José Cabral, anunciando que para lá iria um oficial a fim de com eles organizar o esquema de segurança.
Roxo envia "Mocho1" que deixa imediatamente o Rádio Clube, onde só regressa depois de ter distribuído os combatentes pelos pontos vitais.
Os CTT mantêm-se em serviço permanente. De todos os lados vêm perguntas e palavras de apoio. Começa-se ali a ter a certeza de que não é só Lourenço Marques que está em vigília. Pela Província, todos acompanham a emissão contínua que vai para o ar.
Velez Grilo tenta, nessa noite, falar directamente para Lisboa com Spínola. Se o conseguiu, nada daí resultou.
No decorrer da reunião os responsáveis começaram a aparecer jornalistas das agências telegráficas estrangeiras, aos quais, depois dela, foram expostas as finalidades como atrás se descrevem. Os correspondentes estrangeiros foram autorizados a utilizar o telex do Rádio Clube que só transmitiria textos devidamente visados por alguns dos responsáveis. Ao mesmo tempo, intensificaram-se as notícias que se enviaram para Lisboa, na esperança, de que algumas das agências noticiosas portuguesas, mesmo não as publicando, as fizesse circular em cópias que se multiplicariam. Não tínhamos quaisquer ilusões sobre a imprensa portuguesa. Mas foi com certa surpresa que, horas depois, verificámos pela Press, recebida pelo Rádio Clube, do serviço internacional, que as notícias dos correspondentes eram comunicados ao mundo completamente deturpadas. De todas as agências os textos vinham no mesmo sentido, favoráveis à Frelimo, acusando os revolucionários de serem o último reduto de colonialistas europeus.
Esta distorção da verdade e das notícias transmitidas, originou vários protestos para as agências, que foram encaminhadas também pelo telex do Rádio Clube.
Gomes dos Santos. O "locutor Manuel"
Na Matola, os elementos da OPV que conseguiram armamento dividem-se em três sectores. De notar é que os efectivos são, em 70%, de pretos. O 1º sector ficou sob o comando de tenente miliciano Mendonça. O outro é entregue ao tenente miliciano Genio e o terceiro, o que opera nas imediações, é comandado por Maurício Gomes. O locutor Sampaio e Silva lê uma mensagem apelando para a consciencialização de todos  para o momento que se está vivendo, decisivo para Moçambique. Gomes dos Santos, o "locutor Manuel", chama a atenção para a necessidade de unidade e de se reconhecerem e viverem os princípios da democracia.
Dentro do Rádio Clube tudo parecia organizado. Na rua, começava o entusiasmo a ser dominado pelo sono e cansaço.
O primeiro alerta, por volta das quatro da manhã, vem despertar todos. Sabe-se que uma coluna militar sairá de Lourenço Marques, rumo à Matola. Roxo envia um estafeta a "Mocho5", com instruções secretas.
A Revolução é de todos e cada qual tem que estar consciente do momento grave que se vai atravessar e das possíveis consequências que terá de arrostar. Longe de afastar o povo, a notícia faz com que rompam a cantar a "Portuguesa".
Nas antenas da Matola o movimento é de concentração junto delas e não de dispersão. Os que em suas casas ouviam a rádio vêm para a rua. Mais carros, mais pessoas, e a decisão de que dali ninguém os arrancará. Antes morrer que cederas antenas às Forças Armadas.
É preciso defender a estrada que vai para a fronteira e que é vital, até porque nos seus primeiros Kms passa pelo parque das antenas. As barragens, já montadas, são reforçadas com convicção. É de admitir que em Boane, onde existe a maior concentração de tropas junto a Lourenço Marques, algo se venha a passar. Portanto Roxo ordena a fortificação das barragens existentes, aumenta o número delas entre a Matola e Boane, monta o policiamento móvel em toda a estrada até à fronteira.


Daniel Roxo
algum tempo depois, temos a confirmação de que 200 militares do Batalhão de Artilharia, todos de raça negra, se encaminham para a Matola .
Os primeiros momentos são de amargura e de surpresa.Mas logo a seguir é transmitida a " Portuguesa" que, na Matola, é acompanhada pelo coro de todos os que ali estavam, e que assim respondem aos perigos que se lhes anunciavam. às 04H30 desse domingo, na barragem perto do restaurante Casa Branca , a coluna é interceptada. Vem um Wolkswagen perto dela, com um tenente-coronel, que também é envolvido, sendo-lhe igualmente recusado a passagem. O capitão que comanda a coluna diz ter ordem para se juntar à tropa de Boane e não de tomar as antenas do Rádio Clube. Ninguém o toma a sério. Não deixar passar ninguém são as ordens que receberam. Um alferes e alguns furrieis insistem. Acabam por regressar á unidade por ordem do capitão. O tenente-coronel parte com eles sem dizer uma palavra.
O povo grita: Vitória!!! vitória!!! 
 Na Matola o regozijo ainda é maior. A vitória foi deles. De novo o Hino, para mostrar às Forças Armadas que é por vontade de portugueses que Moçambique será livre.
Ás 5 da madrugada aparece no Rádio Clube o coronel Cunha Tavares , comandante da polícia, declarando que só intervém em nome pessoal e por ser amigo das pessoas que aqui estão. Não pode falar, a não ser em nome pessoal, mas, como tem contactos imediatos com todas as autoridades, oferecia-se para ser o intermediário  nas negociações que entendia que deveriam prosseguir antes de se criar uma situação que só o sangue resolveria.
O Povo aderiu em massa à Revolução
Entre os muitos que nessa noite entraram no Rádio Clube, até a pretexto de se informarem, estiveram oficiais da Polícia, como o major Marinho Falcão, oficiais de todas as armas, que, depois de falarem com os responsáveis, normalmente declaravam que estávamos a tomar uma atitude de dignidade portuguesa que eles admiravam, mas que não tínhamos qualquer hipótese de êxito. Os rapazes chamam a atenção de Marinho Falcão, perguntando-lhe se não abandona os corredores do Rádio Clube por estar com eles, ou para os policiar e espiar.
Mahomed Haniff é convocado pelos microfones repetidas vezes.Elemento de grande confiança dos líderes negros, era o único que poderia estabelecer os contactos com os locais onde sabia estarem Uria Simango, Paulo Gumane, Basílio Banda, Arcanjo Kambeu, Lisboa Tristão Nasse, Padre Mateus Gwangere, Narciso Mbule, Samuel Simango, Joana Simeão e Ahmed Halder. Apareceram Joana Simeão e Paulo Gumane que estavam refugiados na Suazilândia . Ivens Ferraz de Freitas e outros, de pontos mais afastados ou até de fora de Moçambique, iriam chegando na medida do possível, mas contactando telefonicamente. 
Em Lisboa é o nosso filho Pedro Manuel quem faz os contactos para se tentar improvisar possíveis apoios de vária ordem à Revolução.
Através de um telefonema de Lisboa, interceptado pelos serviços de escuta, ouve-se Costa Gomes dar a ordem para que, mal amanheça, a Força Aérea bombardeie as antenas do Rádio Clube, já que a tropa de terra recuara perante o risco de ter que matar portugueses que respondiam às suas armas com o Hino Nacional.
Novo momento de gravidade para a Matola. Sempre com a mesma resposta, a população manter-se-á, não arredando pé mulheres nem crianças. O impulso para defenderem as antenas foi tão espontâneo que, a dada altura, de Lourenço Marques, é pedido pelos microfones que a multidão se deixe guiar pelo pessoal do Rádio Clube na área das antenas, porque havia enorme risco para eles.
Existia, no entanto, uma ténue esperança de que as Forças Armadas não fizessem o ataque. Elas tinham sido durante tantos anos o orgulho da  Nação, que era impossível aceitarmos que fossem matar homens, mulheres e crianças desarmados.
Honra seja feita aos militares que a sobrevoarem de helicóptero, e que, verificando esta decisão da multidão, não incorreram na indignidade que se receava.


DOMINGO, 8 DE SETEMBRO DE 1974

Mal rompe o dia, o ambiente da cidade é novamente dominado pela euforia dos cortejos de automóveis . Na fronteira, há filas duplas de carros de portugueses residentes na África do Sul que têm a intenção de se juntarem aos revoltosos. 
Os rádio-amadores começam a fazer a cobertura da Província, avisando alguns que já estão em contacto com Angola.
Nas salas do 1º andar do Rádio Clube, onde estavam os serviços de comunicações e do "estado maior" da revolução, surgiam constantemente pessoas com dinheiro em mão, ou cheques, e já nem se distinguiam nacionais ou estrangeiros. Juntam-se assim em poucas horas algumas centenas de contos de que mais adiante voltarei a falar. De manhã cedo começaram a manifestar-se as adesões das outras cidades da Província.
Os GEP a aguardarem ordens
Os Grupos de GEP que tinham chegado à Beira, perto das 3 da madrugada, vindos do mato, são mandados recolher ao quartel do GE, a 10 Kms do seu no Dondo. Dizem-lhes que as sua camaratas foram cedidas a elementos da Frelimo e que ficam ali por recearem que eles reajam mal, pois vêm da guerra. A tensão que se encontram é grande. Comanda-os o coronel Pinto Ferreira, que pertence ao MFA e que todos sabem ter ligações com Jorge Jardim.
Os aviões da DETA levavam grandes quantidades do jornal "Notícias", que com o esforço notável dos tipógrafos e com a autorização do seu administrador, Engº Ricardo Ferreira Martins, foi composto e editado sob a orientação de Ruy Forjaz e com a colaboração de alguns jornalistas, que desde o 25 de Abril tinham sido saneados.
Dirige e anima este trabalho dos jornais simultaneamente com o das notícias, o trio a que tinha sido confiado o Gabinete de Imprensa da revolução: Ricardo Saavedra, que vem depois publicar o seu notável livro sobre o 7 de Setembro , "Aqui Moçambique Livre"; 
Gomes dos Santos dirige-se agora, uma vez mais, às Forças Armadas nestes termos dramáticos: 


Gomes  dos Santos no Rádio Clube a dirigir-se às Forças Armadas
Porque tive conhecimento de que o Ex.mo Sr. comandante-chefe vos deu ordem para nos mandar desalojar do Rádio Clube, seria fácil para mim, para todos nós, pedir à população negra e branca de Lourenço Marques que nos viesse proteger com os seus carros, com as suas gentes, para que os senhores não nos desalojassem com a força das armas, com as forças das gazes lacrimogéneos, como lhes foi ordenado. dirijo-me ao tenente-coronel Cunha Lopes, ao major Maia, tantas vezes por mim avisados com lealdade de que o que se andava a passar não iria levar a bom caminho. Não vamos entrar em luta, irmãos de armas. Vamos ajudar Moçambique a ser Moçambique.
Uria Simango, Presidente do Partido de Coligação Nacional, fala, agora, com a autoridade que lhe advém de representar dois terços da população nativa. A sua alocução é é muito ouvida e origina uma grande afluência de gente dos subúrbios 
Paulo Guimane, Presidente da Coremo, e do Directório do PCN, fala depois para se dirigir aos seu partidários, que logo a seguir se manifestam em grandes concentrações, no Distrito de Inhambane.
O avião dos TAP, autorizados a descolar de madrugada, levava consigo o Dr.Ferro Ribeiro. Fica a substituí-lo Parcídeo Costa, secretário provincial de valor nulo. 
s dirigentes, no Rádio Clube, mantinham a esperança de que Ferro Ribeiro, Juiz íntegro e homem honrado, pudesse falar com Spínola, antes da chegada de Mário Soares, Almeida Santos, Melo Antunes e Victor Crespo, e dos outros que tinham assinado os acordos de Lusaka.
Gomes dos Santos, aos microfones, alegava a afirmação de Spínola, no Buçaco, de que interviria, quando em Moçambique lhe demonstrasse que aquilo que, de todos os lados lhe chegava oficialmente sobre o desejo de ser governado pela Frelimo, era falso. Portanto que o povo se mantivesse em vigília afirmando assim o destino que já tinha escolhido. Dentro do Rádio Clube, uma ordem da Comissão Administrativa encontrada nos estudos, num papel arrancado, pelos que os ocuparam, circulava de gabinete em gabinete. Podia-se ler nele: Atenção. Em todos os noticiários de hoje, sexta-feira, 6 de Setembro, só devem incluir notícias sobre as conversações de Lusaka e manifestações de apoio à Frelimo. Recebemos a indicação de que Stélio e Zito Craveirinha e Isaías Tembe, agitadores da Frelimo, andam a distribuir G-3 no "Caniço".
O Comité Político continua reunido no Rádio Clube. Na Matola depois das emoções fortes do dia, há agora mais calma, mas as precauções e vigilância não diminuem. Começam os preparativos para a noite e para aquelas muitas centenas de milhares de pessoas que ali estão. Preparam-se os elementos que irão render os que ocupam os postos. Mas, em muitos locais, a rendição é dispensada. Os que ocupam os lugares rendem-se entre si, recusando-se a abandonar o posto.Daniel Roxo acede a isto, e manda mais alguns elementos que permitirão aos outros descansarem lá mesmo. Os "Mochos" continuam operacionais, recusando-se terminantemente a ser substituídos.
O discurso que Vasco Gonçalves fez para anunciar aquele "grande domingo" em que se celebrava a homologação, por Spínola, do acordo assinado na véspera em Lusaka, insultava também os revolucionários, chamando-lhes "Minoria reaccionária " ou "desesperada", acusando-os de utilizar métodos demagógicos, de lançar mentiras para o ar e de terem, praticamente como reféns, no Rádio Clube, mulheres e crianças. O discurso, gravado pelo Rádio Clube, foi retransmitido na íntegra, provocando as mais vivas reacções, que iam de gargalhadas  a gestos incontrolados de revolta e raiva.
A nação só teve conhecimento do acordo, depois de assinado. Nem a Metrópole foi ouvida, nem Moçambique. Tudo se passou entre a delegação portuguesa  que, para o efeito, foi enviada a Lusaka, os representantes do Governo Provisório de Moçambique, chefiados por Antero Sobral e a Frelimo.
É assim que Portugal entrega Moçambique a Samora Machel.
Tomamos agora conhecimento de que, ontem, à noite, às 20H30, a população da Beira tentou que a emissora do Aéreo Clube passasse a retransmitir o que do Rádio Clube vai para o ar. O major Águas Varela, do Comando Territorial do Centro, oficial conhecido como sendo do MFA  e ligado a Jorge Jardim, proibiu essa sob a ameaça que faria explodir as antenas da emissora, caso fosse feita qualquer ligação directa. Perante isto a população passou a manifestar-se ainda mais, pois garantem que o major Águas Varela está a trair Jorge Jardim.  
Nampula, centro militar, onde inclusivamente está o comandante-chefe, não se sente amedrontada. Revive o que se passou há um mês e diz sentir que o momento é gravíssimo, que as suas gentes foram vítimas em áreas enormes completamente destruídas, sem que as Forças Armadas tivessem intervido.


Na Rua em frente ao Rádio Clube, a multidão aplaude os revoltosos
Na rua frente ao Rádio Clube a população alegra-se por sentir que a Província está toda a aderir, mostrando assim seguir os nossos apelos, no intuito de demonstrar ao general Spínola que a Província não concorda com a entrega de Moçambique à Frelimo. Muitas pessoas têm a voz embargada . Outras nem  podem terminar o que querem dizer. É uma mãe ou um pai que perdeu o seu filho a lutar por Moçambique, vítima da Frelimo 
O coronel Cunha Tavares de novo aparece. Não desiste. Agora é a Beira que começa a preocupá-lo. Sempre os mesmos anseios de encontrar uma solução para a rendição que ele julga inevitável
Chegou ao Rádio Clube a indicação de que havia tiroteio na área do "caniço" e do aeroporto. Verificado que não havia quaisquer elementos da revolução naquela zona, saíram algumas patrulhas. Uma delas ao penetrar na zona da Mafalala, foi atacada a tiros de G3. Tomadas as providências necessárias, cercaram o grupo de oito atiradores armados de G3 e aprisionaram um deles, trazendo-o para o Rádio Club. Tratava-se de Isaías Tembe, que acedeu em dar uma entrevista a Ricardo Saavedra no Rádio Clube na qual explicava à população de Moçambique como tinha sido recebido no Rádio Clube e quais as intenções que ali aprenderam serem as que animavam o MML. A seguir às suas declarações, foi-lhe dado a escolher ficar connosco, ou regressar a casa. Escolheu voltar para junto da família que, ao ouvi-lo no Rádio, ficaria por certo preocupada. Já depois de Tembe ter deixado o Rádio Clube, o secretária da Justiça do ex-Governo Provisório, Drº Sérgio Espadas, mandou avisar que estávamos incursos em sanções do Acordos de Genebra por termos utilizado um "prisioneiro de guerra" para fins de propaganda. Rimos todos com gosto ao verificar este cuidado jurídico de quem gostaria por certo de nos aplicar as regras do Julgamento de Nuremberga. Foi a última notícia que tivemos do chamado Governo Provisório.
A origem dos tiros que tinham alertado as patrulhas nunca foi determinada com certeza, mas os acontecimentos posteriores levam à conclusão de que, já nessa altura, elementos da Frelimo realizavam depurações entre os pretos do "caniço" que não lhes eram simpáticos, garantindo também assim o que pretendiam: a criação de um ambiente propício de terror e sangue como o que desencadearam horas depois sobre a cidade. 
Da Beira acabamos de saber que, às 7 horas da manhã, depois de uma hora de conversa com o major Águas Varela, este negou o acesso à Emissora do Aeroclube e proibiu qualquer comício ou ajuntamento. Também avisou que se dentro de meia hora, a multidão não abandonasse a Praça do Município, esta seria  evacuada, a bem ou a mal. A Beira informa que se mantém. As manifestações ali redobraram de entusiasmo. Grita-se na Praça por Portugal, por Moçambique, pela integração de todos os movimentos políticos, incluindo a Frelimo. Através dos microfones, fazemos chegar à Beira, o nosso apoio e solidariedade para o que se possa vir a passar ali. 
O Drº Lúcio Sigalho continua na Praça e dirige as operações. Decidiram que a população se sentasse no chã, com o objectivo de barrar a passagem da Polícia Militar, se ela viesse. E não houve quem cumprisse a ordem do major, ou este acabou por não a dar. De qualquer forma, venceram a primeira tentativa das Forças Armadas para ali aniquilar o Movimento. A Beira continuará. Dos GEP, só se sabe que continuam no quartel do GE.
A Emissora do Aeroclube da Beira, na mão da tropa, tem vindo a transmitir constantes instruções do Governo do Distrito e do Comando do Sector Militar no sentido de que a população não compareça, hoje, ao comício pró- Frelimo que estava marcado para o Estádio do Ferroviário, no bairro da Manga. 
Jorge Jardim envia Álvaro Recio ao Rádio Clube, a fim de se informar qual dos Mesquitelas ali está ali está. É-lhe dito que estão todos. Meu marido pede o indicativo secreto com que poderá falar com Jardim. O emissário já o trazia para o entregar caso ali estivesse Gonçalo Mesquitela.
De Lisboa telefona, horas mais tarde, Benjamim Cacho, avisando que teve conhecimento, por pessoa muito ligada ao Governo, que foi revogado o mandato de captura contra Jorge Jardim..
Jardim parece hesitar. Aguardará a confirmação. Qualquer ponto por onde entrasse na Província teria a protecção dos revoltosos. Dominamos dois aeroportos: o da Beira e o de Lourenço Marques, o que lhe permitirá vir de avião, se assim o preferir.


As  Forças Armadas estão dentro dos quartéis. Dalguns destes, saem caminhões com reboques carregados de armamento na direcção ao "Caniço". O Comité da Revolução informa de novo o coronel Cunha Tavares, pedindo que sejam tomadas providências e advertindo-o do que isso poderá a vir representar
Por noticiário da Emissora Nacional, tomamos conhecimento que Costa Gomes vai dirigir um apelo à população de Moçambique: 
De Lisboa desejo lançar um apelo à população de Lourenço Marques, especialmente aos dissidentes de Lourenço Marques, que ocuparam e utilizaram o Rádio Clube da cidade. Desejo vincar três pontos essenciais.:

1º Nos acordos de Lusaka foram assegurados a defesa das pessoas e salvaguardados os seus legítimos interesses, não se justificando alarmes nem reacções precipitadas.
2º O Governo Provisório e o Estado-Maior General das Forças Armadas repudiam quaisquer acções ilegítimas, que só servirão para dividir os grupos sociais que podem lançar Moçambique na tragédia dum luto fratricida.
3º Ao Comando Militar foi dado ordem para restabelecer a tranquilidade e a Paz em Lourenço Marques, por forma a permitir que os acordos de Lusaka possam entrar em plena execução.

Mal acabou a sua leitura, do povo saíram desabafos insultuosos para Costa Gomes. Ninguém reconhecia à Frelimo  capacidade para governar Moçambique. Sabia-se das suas ligações e convicções comunistas. A Província começava a ter a certeza da traição que se preparava. Para tudo estar consumado, faltava apenas a assinatura de Spínola homologando o acordo.
Domingos Arouca, que cumpriu 8 anos de cadeia pela sua ligação à Frelimo e se tornou por essa razão um líder, não apareceu no Rádio Clube até este momento. Numa das reuniões do Comité da Revolução foi decidido entrar em ligação com Inhambane. Transmito a quem me atendeu o telefone de ver Domingos Arouca no Rádio Clube. O convite foi negado e sem explicação. 
Neste dia ainda, soubemos das explosões de fúria que Samora Machel tivera na véspera quando, a seguir à assinatura do documento, se preparava para ouvir pela rádio as entusiásticas aclamações da população de Moçambique, no seguimento daquilo que a imprensa e a rádio durante meses lhe tinham também feito acredirar, e que os próprios delegados em Lusaka lhe tinham contado da manifestação que deveria estar a decorrer no Estádio Salazar, na Machava. Em vez disso, ouviu, pela primeira vez, a Voz de Moçambique Livre, tão inequívoca que percebeu que o país se tinha revoltado contra ele.
Horas depois, Samora fez um discurso muito violento, em que classifica os revoltosos de 7 de Setembro de rebeldes fascínoras, dizendo que está pronto a iniciar nova guerra e que os há-de exterminar a todos. O Governo de Lisboa, tendo certamente da prosa, acusa-nos do mesmo, e ameaça-nos de dominar a Revolta.
Recebemos notícias alarmantes de um dos grupos móveis, que a transmite através dos "walkie-talkies": uma companhia saíra do quartel de Boane, dirigindo-se para a Matola . Comanda-a o próprio comandante da Escola de Aplicação Militar, coronel Soares. 
O Comandante dos "MOCHOS"
A Matola é alertada para do perigo que se aproxima. Roxo dá as suas instruções a "Mocho5" . O público é avisado pelos microfones logo a seguir, com a promessa que irá sendo posto a par e passo do que suceder.
As tropas são interceptadas por elementos dos nossos grupos, antes de entrarem na Ponte General Betencourt. Fazem parar a coluna. O coronel conferência com Marques, comandante da OPV da Matola. Marques explica ao comandante Soares que a ponte está preparada para ir pelos ares se insistirem em passar. O coronel aceita então ir conferenciar ao Rádio Clube com os chefes da Revolução, mas só.
O coronel Soares é convidado para uma reunião em que estavam o coronel Cunha Tavares e os responsáveis do MML. Toma parte nas conversas, unindo-se ao coronel Tavares na opinião que a Revolução é inviável.
Daniel Roxo foi especialmente visado na pressão tentada pelos coronéis que, por terem tido comandos no Norte, pretenderam utilizar o prestígio que isso lhes podia dar junto de Roxo para o afastarem do MML. Roxo respondeu, rindo, que era mais fácil as Forças Armadas virem ajudar o MML , do que ele trair aqueles que lhe tinham manifestado a sua total confiança. Ao fim de algumas horas, o coronel Soares desistiu de querer convencer os revoltosos  
Esta segunda noite, a de 8 para 9, decorreu de modo semelhante à anterior, com os apoios de todos os estabelecimentos que podiam enviar mantimentos.
Na sala a isso destinada, as reuniões não cessam durante a noite. Agora, estão todos os líderes que se juntaram ao MML, com o coronel Cunha Tavares que veio finalmente com uma missão diferente das que tinha invocado desde o princípio. O comandante-chefe, general Orlando Barbosa, tinha chegado a Lourenço Marques para receber o emissário de Spínola. Eram eles o coronel Dias de Lima e o comandante Duarte Barbosa. Pretendia o general Orlando Barbosa que o MML assentasse as bases das conversas a ter com estes representantes. O coronel Cunha Tavares não soube desvendar o mistério desta visita tardia, que parecia já não ter sentido depois de se conhecer a outorga de Spínola ao acordo, pelo discurso do Primeiro Ministro Vasco Gonçalves, que o Rádio Clube captara em gravação e retransmitira para toda a Província.
As viaturas militares continuavam a conduzir armas para os subúrbios e que estas estavam a ser distribuídas, pediu-se ao coronel Cunha Tavares, mais uma vez, para que a PSP sob o seu comando, juntamente com os militares, pusesse termo ao que se estava a verificar. 


Logo pela manhã  cedo começa a correr que a água, na Matola e em Lourenço Marque, está envenenada. Verificado pelos Serviços Municipalizado de Água e Electricidade, verifica-se que é apenas um boato, o Rádio Clube comunica ao público o resultado.
Ás 8 da manhã de hoje, tivemos a informação de que haviam chegado à cidade da Beira contingentes de GEP e que estavam formados perto da Praça do Município. Meu filho João Afonso, num breve telefonema, diz-me: Sei que vamos ordens do major Varela para atacarmos a população que está concentrada na praça. Eu vou vou-me recusar a cumprir a ordem . Que é que acham? Acho que é o teu dever. Que Deus te guarde, meu filho.
Jovens empunhando a Bandeira Portuguesa na varanda do Rádio Clube

 OITO HORAS E VINTE--BEIRA

O major Águas Varela, do CTC, comando pessoalmente o ataque à população que se concentra na Praça do Município. Há mortos e feridos. O ataque é feito indiscriminadamente. Pergunto a quem me dá estas notícias: E os GEP? Que se passa com eles? Não sei, respondem-me.
As preocupações em relação ao meu filho compreendem-se, são interrompidas pelo telefone que novamente toca. É Porto Amélia, a informar do entusiasmo da população. Como o número de Europeus é pequeno, as manifestações apresentam o aspecto de serem quase totalmente de negros.Pelo telefone consigo ouvir um coro enorme a repetir: Queremos ser Portugueses em Moçambique Livre!
Logo a seguir, anunciam que acabou de chegar uma Companhia de Comandos que confraterniza com a população, com os Fuzileiros e com a PSP. Radiantes informam: Por aqui a coisa está garantida. Temos a vitória.


Uria Simango, prisioneiro em Nachingwea
Pela primeira vez, os dirigentes assomam à varanda do Rádio Clube, recebendo uma espantosa ovação. Fala Uria Simango, e a seguir, Velez Grilo.
Dentro prepara -se a reunião com os emissários de Lisboa que se espera venham directamente do aeroporto para Lisboa.
A próxima chegada dos emissários de Spínola é uma esperança a que muitos se querem agarrar. Mas dentro do Comité da Revolução, no Rádio Clube, há sérias dúvidas se vêm para auscultar a Província e informar spínola ou, apenas, ganhar tempo. Os incidentes na Beira não se conjugam com quais quer intenções que o general Spínola tivesse, no sentido apontado. Os responsáveis, não estão,por isso, descansados.
Mal chegou o avião, os emissários foram praticamente arrancados dele e metidos num automóvel, sem que tenham podido contactar com o povo. Foi convocada por eles uma reunião de dirigentes para o gabinete do Comando-Chefe. Soube-se imediatamente que ao chegarem do aeroporto tinham tido uma conferência com elementos da Frelimo que os aguardavam ali. Só às 11 horas os delegados do MML serem recebidos.
Estes, em número de sete, pretenderam explicar os antecedentes e a situação económica da Província, as atitudes que as Forças Armadas tinham vindo a assumir em todos os pontos a elas confiados, incluindo as especiais responsabilidades pelas destruições de António Enes, cometidas perante a passividade das tropas portuguesas. A meio desta exposição entrou o general Orlando Barbosa, dizendo que acabava de receber um telefonema de Costa Gomes, pelo qual este parecia compreender a posição tomada pelo MML, agradecendo a generosidade demonstrada na tentativa de salvaguardar a honra das Forças Armadas, e terminou dando a entender que os revoltosos deviam aguentar-se.
É de notar que este é dos poucos telefonemas de que o MML não teve notícia pelo serviço de escutas dos Correios, que funcionou perfeitamente até ao fim. Teria existido? Teria sido apenas uma manobra de Orlando Barbosa? Foi dúvida que nunca se conseguiu esclarecer.
Os enviados de Spínola ouvem o general sem quaisquer comentários e pedem-lhe em seguida que se retire.
A reunião terminou, marcando-se outra com os mesmos dirigentes para as 14H. Os emissários de Spínola, em conversa, dizem-lhes que poderão ficar 2 ou 3 dias em Lourenço Marques, se tanto necessitarem para se informarem completamente da situação.
Apesar de todos os elementos ilógicos que se acumulam, apresença destes dois oficiais dá uma noção de que, mesmo com a homologação do acordo, qualquer coisa poderá ser feita por Spínola. Há muitos que sentem que a vitória está próxima, embora os mais experimentados comecem a pensar que se está apenas perante mais uma representação, tanto a gosto do MFA.
Afinal, a reunião é adiada das 14 para as 17 horas e a ela só poderão, por ordem dos enviados de Spínola, comparecer os elementos que com este contactaram no Buçaco, ou seja, os elementos do FICO.
Isto agrava ainda mais as suspeitas de muitos dos responsáveis.
Jorge Jardim tem-se mantido informado do que se passa através dos seus elementos de contacto em Lourenço Marques  que ao Rádio Clube se deslocam constantemente.
Perante a atitude dos militares nas reuniões e as desconfianças que se adensam, é-lhe pedido que tente intervir através dos seus amigos Banda e Kaunda.
Jardim responde que vai tentar entrar urgentemente em contacto e que, depois, dirá o que conseguiu.


Oficiais Portugueses na Beira impávidos face aos acontecimentos 
Da Beira informam, agora, que foi o major Águas Varela quem pessoalmente comandou o ataque desta manhã com elementos da PSP,da Polícia de Choque e Para-quedistas. Os GEP recusaram-se a cumprir a ordem de atacar, o que enfureceu o major. 
Às 10 horas uma comissão foi falar com o comandante da PSP, major Walter, pedindo que fosse autorizada uma marcha silenciosa e um comício. Esta comissão foi por ele encaminhada ao brigadeiro comandante do CTC, por só ele poder dar tal autorização. Estes explicou-lhes que o ataque desta manhã tivera que ser efectuado porque o comandante de um grupo da Frelimo, aquartelado perto da Beira, o tinha exigido. A comissão perguntou se o Exército português já andava à ordens de um grupo da Frelimo. Esse grupo era o que as Forças Armadas tinham instalado no quartel dos GEP no Dondo, como se viu. 
Perante esta pergunta o brigadeiro parece envergonhado, e autoriza os dois pedidos que lhe apresentam.
Antes das seis, terminou a reunião com os enviados de Spínola. Velez Grilo e quem o acompanhou regressam ao rádio Clube e imediatamente se reúnem com os restantes chefes políticos. Os emissários vão informados de tudo o que se está a passar, e garantem que, durante 48 horas, os militares se absterão de quaisquer ataques, até vir a decisão de Spínola.
Mas mesmo as esperanças que isto poderia levantar, eram anuladas pelas ordens constantes que ouvíamos directamente de Costa Gomes, ou líamos na transcrição das conversas escutadas, no sentido de se atacar o Rádio Clube e as antenas, utilizando toda a tropa disponível.
No avião da TAP seguem os dois emissários para Lisboa. No Rádio Clube, o efeito da promessa das 48  horas é o de todos deslaçarem a tensão nervosa em que se vivia.
Na rua também há regozijo com a notícia e deve ser o único sítio onde ela parece merecer confiança. 
Mas... a paz foi pouco duradoura! Mal o avião levantara, começaram as violências descontroladas no aeroporto. 
Na Beira  a marcha do silêncio começou. As pessoas abandonaram os carros e formam um enorme cortejo, sem incidentes. Mas a tensão é sensível. No entanto, é um desfile de tristeza, que o Dr. Lúcio Sigalho, já em Lourenço Marques, onde esteve presente às reuniões posteriores à conferência no Quartel General, vai relatando à medida que consegue contactar os elementos beirenses.
Do Batalhão de Caçadores temos notícias de que acaba de sair mais um carro com armamento. Está nele, como oficial de dia, um antigo membro da Associação Académica que facilitou a saída de todo este material. Novamente o MML pede medidas  eficientes à PSP. O coronel Cunha Tavares sai do Rádio Clube para tentar dar ordens que evitem esta situação. Não resultam, pois as armas continuam a sair do quartel.
Uma vez mais, os responsáveis do MML sentem que a única possibilidade de salvar a população é a de termos armamento bastante para os efectivos de que podem dispor.
As Forças Armadas e a própria polícia respondem agora que nada farão para conter violências, enquanto o Rádio Clube estiver ocupado. Podemos dispor de cerca de 1200 homens da OPV, e várias centenas de ex-militares, naturais da Província ou não, mas que tinham aderido ao MML.
Meu marido tenta, telefonicamente, saber se é possível apressar a entrega do armamento que tinha sido oferecido pelos sul-africanos. Daniel Roxo, por sua vez, vai tentar obter aquele por que, desde o princípio, espera, enviando helicópteros da HEPAL, companhia dirigida por um tal sr. Vinagre, que se tinha comprometido a fazer este transporte. Desapareceu de vez, depois de ter afirmado que não pode levantar porque a Força Aérea o impede.
Organiza-se então um grupo que sairá imediatamente com camionetas e homens, na chamada "operação Tigre".
Da torre do aeroporto chamam pelo telefone:
"Mocho 3" chama Roxo. Estamos a ser atacados . Informe Roxo.
Vou mandá-lo chamar a uma reunião em que está. Quem está a atacar. Os para-quedistas AB 8. A Companhia colheu-nos de surpresa e estão a atacar em força.. Aparecem então Roxo e meu marido. 
O diálogo merece ser transcrito.

Estamos a ser atacados por AB 8. Já prenderam, por surpresa, os nossos que estavam no R/C. Fizemos algumas rajadas para a escada para os afastar e ter tempo de receber ordens. quais são? Daniel Roxo pergunta:que efectivos têm vocês aí? 

Somos dez.
Que meios têm?
G3 e e munições para fogo vivo por mais 5 minutos. Estamos dispostos a aguentar até ao fim. Já estão a atacar a escada; ouçam 
E pelo telefone ouvimos as rajadas e as respostas secas, tiro a tiro.
Estão perto. Já temos um ferido.

Roxo e meu marido olham fixamente um para o outro e Roxo dá-lhes ordem para se renderem. Meu marido assegura-lhes, então, que antes da manhã estarão de regresso ao Rádio Clube.

Passam-me o telefone para me despedir de "Mocho 3". Ainda houve tiros antes da entrega,e, por fim, o silêncio.
Meu marido e Roxo voltam à reunião e o primeiro interrompe que estava a falar. Conta o que se passara, terminando por propor que não haja mais conversas antes de termos a garantia formal de que os prisioneiros serão postos imediatamente em liberdade com as suas armas. Um dos militares presentes garantiu depois de se informar que os prisioneiros regressariam tão depressa fossem identificados. Estes só regressaram ao Rádio Clube pela manhã, trazendo consigo o armamento. Só um teve que baixar ao hospital e o seu estado inspirava cuidados.
 Sem armamento, quanto tempo poderíamos aguentar ainda, dada a violência crescente que começara a alastrar da zona do "caniço" para o centro da cidade e bairros residenciais.
Os camiões que tinham ido buscar as armas haviam chegado já há mais de duas horas ao seu destino, mas o armamento não se encontrava no sítio indicado, conforme avisaram por telefone.
Jorge jardim contacta nesta altura, pedindo por telex informações sobre o levantamento do seu mandato de captura, cuja confirmação não viera.
Comunica-se a Jardim que a população continuava a aguardar que chegasse. Mas que, tendo perdido o controle do aeroporto, não se aconselhava a sua vinda por ali.


À chegada do avião da DETA, vindo de Tete, o tenente coronel da FA, Cardoso, comandante , AB 8, em acesso de fúria descontrolada, dá ordem para que os seus homens atirem sobre os passageiros que vêm a sair. Mas esses homens hesitam e é ele próprio quem alveja as pessoas que se deslocam na placa. vem nesse avião o Engº Pires de Carvalho que, finalmente, pode juntar-se a nós no Rádio Clube. Esses tiros ferem o Dr. Carmo, médico radiologista da Universidade de Lourenço Marques.Cardoso leva  a sua loucura ao ponto de querer prender a tripulação do avião,desistindo depois dessa intenção.
Perante estes factos, os Fuzileiros, que se encontravam nas imediações a fazer a segurança da estrada, ocupam o passeio fronteiro à fachada do Aeroporto, e, durante largo tempo, para-quedistas e fuzileiros se enfrentam de armas aperradas. 


Jorge Jardim e sua filha Carmo
Por telex, meu marido insiste com Jorge Jardim para que,por meio dos seus amigos, consiga que travem o ataque que parece ser iminente, por ordem da Frelimo, e ao qual as Forças Armadas parece que não podem ou não querem resistir.
Jardim promete ir tentar o possível.
Nampula informa que duas companhias da Frelimo embarcaram em aviões da FAP, com destino a Lourenço Marques, via Beira.
O clima geral da Província mantém-se entusiástico. Moçambique inteiro recusa-se a aceitar os acordos de Lusaka, mesmo encarando já o recurso à força.
Mário Soares e Samora Machel, após o acordo de Lusaka
Em Lourenço Marques adensam-se as violências e o Exército repete que não tomará quaisquer providências enquanto ocuparmos o Rádio Clube. A PSP, está esgotada por dias e noites de serviço. Na reunião com o coronel Cunha Tavares, Marinho Falcão e o comissário Segurado trocam-se palavras muito duras. O MML oferece a colaboração dos seus milhares de homens que, armados e enquadrados na PSP, restabeleceriam a ordem nas zonas que estavam a ser atacadas.
O Comité dos Responsáveis pede a presença do general Orlando Barbosa, porque não era legítimo pedir a um coronel que transmitisse ao comandante-chefe o julgamento moral que a população inteira tinha já feito sobre ele e as tropas que comandava.
O capitão Belchior, segundo comandante do Batalhão de Comandos, que já tinha estado no Rádio Clube a contactar com os Comandos que tinham aderido e com os ex.Comandos, que também ali estavam, voltou agora e pede a Augusto Cabral que os junte a todos no anfiteatro, pois quer falar-lhes.
Pede-lhes que abandonem o Rádio Clube e vão para as suas casas, dizendo-lhes: A VOSSA HORA ACABOU!. Então perguntam-lhe directamente porque é que ele não deixa sair a companhia de Comandos que está em Lourenço Marques, porque eles têm a certeza de que, sozinha, ela poderia restabelecer a paz. respondeu o capitão Belchior: PORQUE TENHO BRANCOS E PRETOS E NÃO OS POSSO MANDAR JUNTOS A MATAR BRANCOS E PRETOS. A reunião acabou sem sucesso, pois ninguém se deu por convencido.
Este oficial tinha ido ao Rádio Clube no princípio da revolução, a pedido de "Mocho I". De todos os Comandos, só dez ou doze elementos aderiram à Frelimo. Após o acordo de Lusaka, foi enviado por este grupo um telegrama a Samora Machel, felicitando-o. Assinaram este telegrama o capitão Borralho, o alferes José Cabral e mais ou oito ou dez Comandos.
A Avenida Pinheiro Chagas, começa a ser saqueada por pretos, que carregam o produto do seu saque em viaturas militares com a bandeira da Frelimo e condutores fardados. A onda de loucura atinge já toda a periferia da área residencial. Os prédios da COOP começam a estar sob a acção dos ataques vindos do "caniço". Na Avenida de Angola e na do Trabalho estão já em plena luta com a polícia, que tenta defender, em vão, as vidas que se perderam. 
Toda a área está nas mãos dos terroristas, que não eram ainda tantos que, quando atacados pela PSP ou pelos elementos do MML, não fugissem, para regressar logo que aqueles tinham que se dirigir a outros pontos.
Do grupo que foi buscar o armamento voltam a telefonar, a informar que não lhes foi entregue e que não vêem qualquer forma se o obter. Esta notícia agrava a situação de tal modo que todos sentem que a intervenção da força militar é já a única possibilidade de manter a ordem e salvar milhares de vidas em perigo.
A escuta das conversas do Comando-Chefe com Lisboa dá a conhecer as instruções pessoais de Costa Gomes no sentido de ordenar um ataque que resolva por qualquer meio o problema do Rádio Clube, mas que se não intervenha antes deste ter sido abandonado pelo MML.
O problema tem agora toda a clareza. Para defender o chamado prestígio das Forças Armadas, e a sua posição de responsáveis perante a Frelimo, pela doação feita a esta de todo Moçambique, Costa Gomes só permitirá a repressão ao "caniço"


Aconselhados a abandonar o Rádio Clube, a multidão gritou: FICAMOS...TRAIÇÃO
O ataque das Forças Armadas à população, para tomarem o Rádio Clube volta a ser uma hipótese já muito provável. Delas, provém a indicação de que tinha sido ordenado o emprego de gases lacrimogéneos.
Dentro do Rádio Clube, principalmente os rapazes militares, estão nervosos. Sentem o inevitável o que não querem aceitar.
Pelos microfones, as populações de Lourenço Marques e da Matola  são avisadas das ordens de Costa Gomes, acabara de dar e aconselhadas a que, perante o perigo que todos correm, é a altura dos que assim entenderem se retirarem. Em resposta, a multidão solta gritos de FICAMOS e de TRAIÇÃO
Os responsáveis vêem agora que o Exército, estivera a ganhar tempo, para de acordo, com o governo de Lisboa e o documento de Lusaka, permitir à Frelimo deslocar forças suas, para Lourenço Marques, e, com a cumplicidade de elementos seus infiltrados no Exército, armar aqueles que Samora, no seu discurso, disse ter na cintura da cidade.


A rendição surge como inevitável.
Certos elementos da Forças Armadas que, desde o principio, manifestava simpatia, sem, no entanto, se comprometerem, insistiam agora mais ainda: o MML não tinha qualquer hipótese.
Chegam notícias dos subúrbios acerca das primeiras violações de brancas, e de incêndios. As lojas continuam a ser assaltadas. Algumas oficinas e casa incendiadas. Havia que admitir a chegada mais cedo ou mais tarde, de duas companhias da Frelimo e isso seria abrir das comportas do massacre dos brancos- e dos pretos, que com eles se tinham manifestado por Moçambique Livre.


General Orlando Barbosa
Três dos dirigentes encaminham-se para falar com Orlando Barbosa. Quando iam preparados para discutir,  ouviram dele a única atitude decidida de um pobre general a quem cabia a triste sina, para homem honrado, de ter de destruir a única posição portuguesa que, embora só no seu íntimo, não podia deixar de considerar que fora consentânea com a noção de honra de portugueses.
E como tímido, resolveu o seu dilema. Em acto de fúria, nada mais pôde dizer Que: Os senhores têm 20 minutos para abandonar o Rádio Clube. Se não saírem, mandarei bombardear. Prefiro fazer um lago de sangue a um mar de sangue. E saiu.
Os responsáveis que ouviram isto voltam ao Rádio Clube e no percurso até à sala de reuniões vão repetindo a frase do general a várias pessoas.Começa então a reunião, que devia ser a última, com todos os elementos dos variados sectores.
Estavam presentes, pelos militares, o coronel Cunha Tavares, o major Marinho Falcão, oficiais do MFA e o comissário Segurado da PSP. 
Os rapazes que dispunham das suas armas não queriam ouvir falar de rendição. Perderam a cabeça.
Do comando da PSP chegavam constantemente comunicações quer eram transmitidas para a sala de reuniões. Na cara de todos via-se a grande preocupação, mas ninguém queria desistir de procurar uma derradeira solução diferente.
E, com as lágrimas em muitos olhos, foi decidida na reunião discutirem-se as condições de dignidade para a entrega, e as garantias de protecção da população civil, único motivo porque se evitaria um confronto final. Roxo está reunido com "Mocho 1"
Os rapazes que integravam os sectores militares da Revolução, foram acometidos de verdadeiro ataque de loucura. E entre lágrimas de raiva e expressões de indignação, preparam-se para se oporem pelas armas a qualquer decisão naquele sentido.
Teresa Mesquitela e Sara Cabral terminaram a arrumação dos dinheiros doados. As contas tinham sido revistos por João Carlos e o dinheiro e os cheques foram separados em sacos plásticos. Tiveram ordem para guardar tudo até novas instruções.
A província mantém-se em alerta. Na cidade, a situação do bairro suburbano de Benfica é gravíssima. Mata-se já indiscriminadamente. Os estudantes universitários e os "democratas" andam no meio daquela gente a incitá-la.

A seguir, um telefonema da Frelimo.Voz desconhecida pede para se chamar ao telefone um dos dirigentes. Quero saber quem fala e para quê. Dizem-me ser representantes da Frelimo e quererem saber que garantias podem ter para se deslocarem ao Rádio Clube. Peço que aguardem um momento para lhe chamar quem lhe possa dar tais garantias.

Vem Daniel Roxo ao telefone, com "Mocho2", que fala, estando aquele ao seu lado. Garante-lhes que poderão vir. Abrir-se-á  um corredor na multidão e serão protegidos pelos nossos elementos armados para evitar qualquer agressão.
Eles aceitam e fica assente que voltarão a telefonar para comunicar a hora exacta a que chegarão.

As condições de rendição a que se chega na reunião dos responsáveis são:


1º - Compromisso de, no caso de haver a entrega do Rádio Clube, a PSP e as Forças Armadas manterem a ordem, iniciando imediatamente as medidas necessárias. Para isso oferecia o MML todos os seus homens operacionais que seriam comandados por Roxo e enquadrados nas forças regulares.

2º - A garantia de que ninguém que tivesse colaborado por qualquer forma com o MML seria preso ou sujeito a qualquer persiguição posterior.
3º - O armamento e munições de que dispúnhamos no Rádio Clube seria levado por nós.
4º - Aos líderes dos partidos políticos que, por serem negros, estavam em posição ainda mais arriscada de que os outros perante a Frelimo, a PSP garantiria a sua protecção até chegarem ao destino que escolhessem e, caso esse fosse o estrangeiro, a sua protecção até à fronteira . Fez-se questão de que fosse a PSP a assumir esta responsabilidade por as Forças Armadas não merecerem confiança, dada a completa subordinação à Frelimo, que já tinham revelado.
5º - No caso dos responsáveis do MML terem as famílias em pontos afastados da Província, a PSP obteria das Forças Armadas o compromisso da protecção delas, e de as encaminharem para os destinos escolhidos nas condições anteriores. 

Estas condições tinham sido discutidas com a anterior reunião com o coronel Cunha Tavares e que eram aquelas que deveriam ter sido discutidas com o general Barbosa.

O coronel responde que, por tudo o que dele depender, aceita as condições. Mas que não pode assumir responsabilidades pelo general, O coronel Tavares, afirma, no entanto, que a última palavra era do general era a de que exigia a entrega do Rádio Clube, pura e simples, às Forças Armadas.
Foi-lhe declarado que, nessas circunstancias, preferíamos morrer ali a entregar o Rádio Clube ao MFA. As Forças Armadas não nos davam garantia. Seria mais fácil, se o general impusesse tais condições, entregar o Rádio Clube à Frelimo, para o que esta teria que vir conversar connosco, o que desde o início queríamos.
O capitão Silva Marques, presente na reunião, resolveu intervir em defesa da honra da farda que vestia. 
Os rapazes não queriam ouvir falar em rendição
Perante a insistência desse capitão em que o Rádio Clube fosse entregue às Forças Armadas, foi-lhe respondido que nunca o faríamos, porque o Exército, desde o 25 de Abril, não merecia a honra de poder limpar as imensas nódoas que tinha posto nos seus estandartes, com a a glória de receber a rendição da única atitude digna de portugueses, em todo este processo de descolonização.


Ficou assente então que, se o general aceitasse dar as garantias, o Rádio Clube seria entregue à PSP.
O coronel Tavares teve apenas este comentário: Compreendo-vos perfeitamente. Mas a situação não tem outra solução. Podem-se orgulhar de que têm que cair , mas caem de pé.
Cunha Tavares sai e telefona depois a confirmar que o general aceita as garantias e que ele virá ao Rádio Clube, recebê-lo
Redige-se um comunicado para ser lido aos microfones, explicando a decisão assumida. A reacção foi violentíssima, pretendendo a multidão ocupar o Rádio Clube e linchar os responsáveis, porque pensava ter sido traída.
O dinheiro que existia e que tinha sido contado-cerca de 600 contos em cheques e notas-foi entregue por mim, na presença de Sara Cabral, de João Carlos e de Dino Fidalgo, a João Miguel, que tinha estado durante todo o tempo no Rádio Clube, ficando fiel depositário desse dinheiro. Poucas semanas depois já em Lisboa, João Miguel afirmava a João Carlos, que, quando partira para Portugal, entregara esse dinheiro a António Cavadas. É sintomático ter-se aprendido que, actualmente, António Cavadas faz parte do PCP.
Era preciso colocar em segurança os dirigentes negros, especialmente visados pela Frelimo, pois muitos deles eram seus dissidentes.
Ficou decidido que eu e outras senhoras acompanhadas por Toninho Cabral, sairíamos com eles numa carrinha particular.
O comité da Revolução continuava muito ocupado. Apareceu-me "Mocho2" com Luís Peixoto; "Mocho" trazia uma bandeira da Frelimo na mão, que apanhara a Luís Peixoto quando este se dispunha a içá-la no Rádio Clube.
Luís Peixoto estava desde a primeira hora a prestar serviço no posto de socorros. "Mocho2", como não encontrasse Roxo, nem nenhum dirigente, vinha perguntar-me o que fazer. Luís Peixoto, quase a gritar, dizia ter amigos na Frelimo e que, como estes vinham ao Rádio Clube, seria bom estar a bandeira içada. De repente meu marido, que tinha ouvido Luís Peixoto, foi buscar a G3, apontou-a ao jovem disse-lhe que estava disposto a atirar em quem quisesse içar a bandeira.
Os dirigentes, sem a mínima protecção, vão abandonando as instalações. Roxo e os seus rapazes preparam-se também para sair e estão recolhendo agora, serenamente, o armamento.


O armamento sairá, e uma reunião para esta noite ficou marcada por Roxo, é tudo o que nos dizem. Para onde vai o armamento, aonde é a reunião, só eles o sabem.


DIA 10 À TARDE- O coronel Cunha Tavares, através dos microfones do Rádio Clube, que lhe acaba de lhe ser entregue, fala ao povo de Moçambique, dirigindo-se principalmente aos que ainda estão na rua, junto ao edifício. Pede~lhes que regressem a suas casas. A multidão reage violentamente a este pedido. Reforçam as barricadas, dispostos a lutar. O coronel vai sair do Rádio Clube dizendo que voltará daí a pouco, pois vai preparar a ocupação efectiva. Antes,porém, previne os rapazes da segurança que, se não abandonarem rapidamente o Rádio Clube, a população será selvaticamente chacinada, pois o ultimato do MFA é que virão os jactos FIAT para a bombardear.
Os jactos chegam a sobrevoar a multidão que não se amedronta, fazendo os aviões apenas rajadas para o ar, no intuito de assustar. Pouco depois destes terem sobrevoado, vêm elementos da PSP, para-quedistas, e duas Panhards da PM, que cercam a multidão. 

 O povo sai das barricadas enfurecido, e faz recuar estas tropas de um dos lados até ao prédio contíguo, onde era o jornal " Diário", o que estes aceitam pacificamente.
Roxo e os rapazes vão deixando o Rádio Clube, de cabeça erguida, nos seus carros e numa camioneta. Vão transportar o armamento que serviu na Revolução, na presença das Força Armadas, que os deixam sair no cumprimento do acordo que se estabeleceu.
Pouco depois, o capitão Santa Rita aproxima-se do Rádio Clube. O povo arranca-lhe os galões e viram o carro em que ele chegou e amolgam-no todo. 
O coronel Cunha Tavares regressa, entretanto, e trás consigo um representante da Frelimo que fora buscar ao Quartel General, e que vem fardado de alferes do Exército Português (se o não era).  
Aproveitando-se da confusão com o capitão Santa Rita, conseguem entrar, dirigindo-se para o estúdio. Explica aos presentes na cabine que esse representante da Frelimo vai falar aos camaradas porque, assim, terminarão imediatamente os massacres que se estão a dar em muitos pontos da cidade.
Segundo diz o alferes, utilizará uma senha previamente combinada com todos os elementos da Frelimo, que será o sinal para pararem. Confirma assim o que o comité da Revolução tinha suspeitado. Tudo estava combinado entre a Frelimo e as Forças Armadas.
O alferes, com uma voz perfeitamente controlada, começa a sua alocução:

Galo, galo, galo amanheceu. Peço a todos os camaradas que se dirijam ordeiramente e com a maior calma possível para todos pontos da cidade, a fim de controlarem as massas que se dirigem para o centro da cidade. Um pequeno trecho musical e ouvia-se de novo a voz do alferes: Peço a todos os camaradas da Matola que estejam à escuta do Rádio Clube, para utilizarem os meios mais rápidos para controlarem as massa em movimento nessa área. Outro pequeno intervalo com música: Galo, galo galo amanheceu. Peço a todos os camaradas que estejam à escuta da emissora do Rádio Clube, mas todos sem excepção, que se dirijam às armas onde se sabe haver violência, a fim de procurar dominá-la, seguindo à risca o programa de paz e amizade proclamado pelo presidente António de Spínola e Moisés Samora Machel. a palavra violência tem de ser esquecida por todos nós. Calma, honraria, um desejo intenso de construir Moçambique, de acordo com o programa assinado no dia sete de Setembro em Lusaka, passa a ser a palavra de ordem para o povo de todo o Moçambique, a partir deste momento. Música- O Rádio Clube de Moçambique foi entregue às forças policiais que o colocaram sob o controle das Forças Armadas, a quem compete garantir a paz ao povo de Moçambique, até à entrada em exercício, em breve, do novo governo para Moçambique, cuja constituição ficou estabelecida em Lusaka. Viva o Presidente de Portugal. Viva António de Spínola. Viva Samora Machel.- Música . Galo, galo amanheceu. foi esta a senha combinada por todos os camaradas. Dêem a vossa ajuda. Viva o Presidente Samora Machel,  Viva o Presidente Samora Machel, Viva o Presidente António de Spínola.

O coronel Cunha Tavares é chamado a atender o telefone. Uns dizem que esta chamada foi feita do Comando da Polícia, outros perceberam ter sido do Quartel General.
Quando o coronel regressa à cabine de som, vem de mãos na cabeça e gritando: Fomos traídos! Fomos traídos! A senha de Galo, galo amanheceu é a ordem de ataque. Nos sítios indicados nestas mensagens já estão a ser massacradas todas as pessoas. Será impossível detê-los.
O coronel Cunha Tavares, sempre a proteger o alferes, que dizia tê-lo traído, levou-o com ele, primeiro da cabine, e depois do Rádio Clube, de onde ambos saíram, apoiados por elementos militares.
Maria Helena Teixeira Lopes, aos microfones, apela, implora que parem os massacres, fala de um Moçambique novo que tem de  surgir com todos unidos; diz, enfim, tudo o que lhe vem no pensamento, na ânsia  de poder suster a violência. Esta foi imparável, brutal.
Os para-quedistas que estão junto às instalações do Rádio Clube lançamo no átrio duas granadas defensivas.
O povo assustado, cercado pelos militares e as Panhards, arranca as pedras da calçada para se defender, o que faz durante algum tempo, acabando por desistir.
O Rádio Clube deixou de transmitir. Os estragos da granadas afectaram a central privativa, que só algumas horas depois pôde voltar a funcionar. 


Maria Helena Teixeira Lopes deixa, de lágrimas nos olhos o Rádio Clube. A sua arma o microfone, também é impotente. Deixou de funcionar.
O FIM DO SONHO!
Todo aquele povo que convergiu para Lourenço Marques nos dias da revolução, é o primeiro a ser massacrado quando a quer deixar e regressar ao ponto de origem.
Ao seguirmos para a Matola, onde sabíamos que os nossos filhos mais novos estavam sós em casa, e receando muito pelo que ali se estava a passar, dado o número de tiros que já se ouviam, para lá nos dirigimos o mais rapidamente possível.
Na recta que começa pouco depois da Polícia Montada e que vai até à ponte Pinto Teixeira, que devia distar do posto aproximadamente 500 metros, só se via um mar de gente com catanas, paus e ferros nas mãos.
No centro da estrada um carreiro estreito, tão estreito que se alguém estendesse o braço tocaria com ele no nosso carro, tinha permitido passar um Toyota que víamos quase a entrar na ponte. Qualquer coisa estranha havia na cara daquela gente que parecia paralisada ou hipnotizada.
Assim, meu marido acelerou o mais possível o carro e, buzinando ininterruptamente, entrámos no carreiro. Este ia-se fechando à medida que íamos passando.
Fomos as últimas  pessoas para a Matola, nesse dia. Quem teimou em o fazer ficou na estrada com a sua família massacrada ou queimada dentro do próprio carro.
Soubemos, depois, o  motivo que, por minutos, tinha tornado aquela massa de gente inofensiva, o que nos permitiu passar. No Toyota que nós tínhamos avistado já na ponte, seguia o alferes GEP no activo Tomé Vieira. Este tinha abandonado também o Rádio Clube e trazia a sua G3. Pretendia sair da Província, para não ser preso, e dirigia-se para a Matola, de onde seguiria com sua mulher para a fronteira . Ao ver a multidão, parou, saiu do carro, fez algumas rajadas que detiveram aquela gente. Depois meteu-se no carro, fazendo fogo para o ar com uma das mãos e guiando com a outra, e assim conseguiu passar, deixando aberto por instantes o carreiro que tínhamos encontrado e por onde seguimos. 
Ao chegarmos a casa, sem mais incidentes, mal se abriu o portão, olhando para o lado da piscina algo nos chamou a atenção. dentro do nosso jardim alguém tinha ido espetar uma lança de Cavalaria, do tempo de Mouzinho de Albuquerque, com a bandeira portuguesa, que imediatamente reconheci. Fora-me oferecida em 1965 pelo Esquadrão de Dragões de Lourenço Marques, quando eu era presidente do Movimento Nacional Feminino. Há anos que eu já tinha saído do MNF.
Como podia eu acreditar ver ali a minha bandeira com a lança que tanto significado tinham para mim? Soube pelo nosso criado Francisco, que tinha vindo um jeep militar e que, por um militar, ali tinha espetado no chão, com a recomendação de que não deixasse ninguém tirá-la.
O tiroteio na Matola era ouvido a uma certa distancia, mas, agora, de fogo contínuo de armas automáticas e granadas de mão.Adivinhava-se bem o que iria pela Machava, Benfica, Bairro do Jardim e mesmo na Matola de Cima, que ficava longe da nossa casa
Dos Correios, avisam-nos de que, se quisermos telefonar, podemos fazê-lo, pois o nosso telefone não ficará sob escuta.
Assim, nessa mesma noite, pudemos ser avisados de que as Forças Armadas já tinham iniciado a perseguição dos responsáveis do MML. Toda a noite os tiros e as explosões se fizeram ouvir em todas as direcções.

No dia 11, logo  pela manhã cedo, eu e meu marido saímos na intenção de darmos uma volta na Matola para nos informarmos do que se estava a passar, e também para comprarmos reservas alimentares, pois que contávamos que muita gente se viesse a abrigar a nossa casa. Assim tomámos conhecimento que desde a Avenida Abel Baptista, situada junto das antenas do Rádio Clube, no sentido de Lourenço Marques, todos os bairros tinham sido massacrados, durante a noite. Algumas pessoas tinham conseguido fugir àquele horror  e tinham-se refugiado nos postos da PSP e na Igreja da Machava. Ninguém podia calcular o número de mortos nem a forma como tinham sido sacrificados. Mas os criminosos não tinham distinguido raças, idades ou sexo.
Também na Machava as pessoas que se tinham refugiado na igreja continuavam a oferecer resistência a ataques em massa, ajudadas, a partir de certa altura, pelos Fuzileiros Navais.
Porta de Armas do Quartel de Boane
Pouco depois, entrava na nossa casa a nossa nora Virgínia, que nos conta ter sido presa pela guarnição de Boane, com meu filho e com Luís Peixoto. 
Ao deixarem Lourenço Marques, na tarde da véspera, na impossibilidade de o fazerem por estrada, saíram de barco com os outros companheiros que também levavam o armamento rumo à Catembe, segundo o plano que fora combinado com Daniel Roxo. Seria também para esse lado, e nessa noite, que ficou marcada a reunião que se faria com ele. Meu filho e sua mulher, seguiram numa das camionetas com o armamento. Daniel Roxo, por razões que minha nora desconhecia, não tinha comparecido à reunião. O grupo que chegara esperou até de madrugada pelo Roxo e por muitos homens que tinham combinado ali se reunirem, e dado o que sabiam estar-se a passar em Lourenço Marques , resolveram seguir directamente para a fronteira, no intuito de, ali, aguardarem as notícias. Meu filho e sua esposa porque tinham os filhos em nossa casa, resolveram vir primeiro buscá-los à Matola . Aproveitaram a oferta de Luís Peixoto que os traria no seu carro. Este fora aceite pelo grupo por desconhecer a cena que com ele se tinha passado no Rádio Clube, em relação à bandeira e ás suas declarações sobre a Frelimo.
Receámos logo que a presença de Luís Peixoto, a prisão e a revelação do esconderijo das armas, estivessem ligadas e que o nosso filho viesse a estar a braços com uma situação séria, tanto mais que vinha armado com o seu revólver, com que saíra do Rádio Clube na véspera.
Meu marido iniciou imediatamente as diligências para que o Gonçalo Nuno fosse solto, invocando o acordo do Rádio Clube. Telefonou ao coronel Cunha Tavares. Este prometeu ver o que se passava e o que poderia fazer. 
No dia 12, meu filho continuava preso e não tínhamos quaisquer indicações do coronel Cunha Tavares. Amigo comum, a pedido do marido, dirigiu-se ao Comando da PSP para com ele contactar directamente. declarou-se, então, ultrapassado e impotente para cumprir o acordo.
Constantemente passa gente por nossa casa. Vão abandonara Província. A maior parte dos responsáveis do Rádio Clube já saíram e os outros andam escondidos.


Nachingwea, 12 de maio de 1975. Simango sob forte dispositivo militar, é forçado a ir a uma audiência para uma forçada confissão.
Com Paulo Gumane, Uria Simango e os outros que tínhamos deixado em segurança quando saímos de Lourenço Marques, passou-se o seguinte:
Tinham ficado em casa que pessoas de um dos partidos tinha alugado depois do 25 de Abril. Era costume ir ali um casal arejar a casa. Esse mesmo casal , nessa noite, iria levar comida ao que refugiado ali. Ao meterem a chave na porta, a senhora que vivia ao lado apareceu apavorada, dizendo que ali estavam escondidos pretos que andavam a ser perseguidos e que ela já avisara a polícia. O casal aconselhou a senhora a recolher a casa e que não abrisse a porta ouvisse o que ouvisse na escada. Mal a senhora entrou em casa, entraram no apartamento e avisaram rapidamente os líderes pretos que, num instante, se meteram no elevador e desceram.
Passaram essa noite em casa desse casal. Logo de manhã acompanhados de Pires de Carvalho, Vasco Ferreira Pinto, Sara Cabral, e Mohamed Hanif, dirigiram-se para o cais do porto. Já dentro da área do cais, são abordados por um carro da polícia e pensam que é agora que vão ser presos! Os Polícias , tendo-os reconhecido, querem avisá-los de que se o navio para que se dirigem não os recolhesse, mais adiante outro estava a aceitar refugiados.
Conseguem chegar ao navio alemão a que se dirigem. Mas o capitão recusa-se a aceitar os líderes negros como passageiros. Os seus companheiros recusam-se a ficar nestas condições e saem com eles.
O grupo tenta então embarcar no comboio que se dirige para a África do Sul, onde chegou são e salvo apesar de um pequeno percalço em Moamba. Paulo Gumane e Mohamed Hanif resolvem arriscar-se a seguir de automóvel para a Suazilândia, onde chegaram sem incidentes.
Nesta altura, com a saída de Velez Grilo, Pires Moreira e Ferraz de Freitas, que também tinham conseguido transportes para fora de Moçambique, estavam na Província apenas dois dos responsáveis do Rádio Clube. Daniel Roxo e meu marido.
Por telefone, tivemos notícias directas de meu filho João que estava na Beira. Aguardava passagem para Nampula, pois tinha ali sido mandado apresentar pelo general Barbosa. Eu teria sido ingrata, se não fizesse aqui ressaltar que, embora não tenha podido ou querido cumprir os compromissos tomados com os revolucionários, no que respeita às suas famílias foi correctíssimo. O caso do João é exemplo nítido disto, pois, se não fosse a  chamada a Nampula, e o que se seguiu, poderia ter ficado nas mãos da Frelimo, a qual, como GEP, o teria tratado bem mal. 
Sigo para Lourenço Marques com Carlos Flores. Pelo caminho vimos todo o somatório de horrores que nos tinham sido descritos. Carros incendiados na estrada e casas roubadas, destruída e muitas incendiadas.
Na cidade, quase ninguém nas ruas. A calma do terror.
Estamos na rua, junto ao Quartel General, junto ao portão fechado. Uns vêm avisar dos mortos que têm em casa, sem os poder enterrar por falte de caixões e transporte para o cemitério. Outros pedem que as Forças Armadas ou a Polícia vão ver os corpos de seus familiares que estão mutilados junto de casa, ou a pleno céu aberto. Pais a quem arrancaram os filhos e que pedem que os deixem ir num jeep das Forças Armadas, com elementos destas, para os procurarem. Outros, desejam o mesmo para se dirigirem a casa dos familiares que habitam nas zonas onde se não atrevem a entrar sem protecção. Também apresentam queixas contra elementos da AB8 da Força Aérea.
De súbito aparece um oficial que me reconhece. Peço-lhe para ser recebido pelo general Barbosa, responde-me que este tinha sido saneado e embarcara para Lisboa no próprio dia 11. Está a substituí-lo o brigadeiro Ilharco. Peço ao oficial que seja recebida pelo brigadeiro, o que me foi concedido. 
Tivemos então longa conversa em que usámos de lealdade mútua. Disse-lhe que a responsabilidade de meu filho não estar numa prisão civil era dele, uma vez que meu filho estava preso no foro militar.
Respondeu-me que nem sabia porque estava preso, mas que lhe tinham dito ter sido por factos de muita gravidade, e por ser agitador. Declarei-lhe que só ouvindo isso de meu filho acreditaria e que queria visitá-lo para falar com ele. Fui então autorizada a visitar meu filho quando quisesse. Ele transmitiria tais ordens para Boane.
Pedi-lhe a confirmação das notícias de estarem a prender os responsáveis do Rádio Clube, porque se encontrava nesse caso o meu marido. Confirmou-me que uma das razões que o meu filho estava preso era essa e que quanto a meu marido, só podia garantir até às 16 Horas dessa tarde não ser preso. Depois disso as decisões pertenceriam ao Almirante Crespo que chegava à Província a essa hora.
Segui dali para Boane. Lá encontrei o coronel Soares, o mesmo com quem se tinha dado o incidente na ponte General Bettencourt. Informou-me então. que, para ver meu filho, teria que me fazer acompanhar por um oficial da Frelimo.
Dali fui para casa e ajudei meu marido a preparar uma mala. Acompanhavam-no para a África do Sul, meu genro Augusto e minha filha Teresa.
Faltavam 10 minutos para as 16 horas quando passámos a fronteira. Eram incalculáveis os carros e pessoas que passavam no posto de Ressano Garcia.
Durante o percurso, num sentido e no outro, daqueles 90 Kms até Ressano Garcia, fomos vendo a repetição dos incêndios e saques. E justamente perto do quartel de Boane, na área onde na véspera tinha havido massacres que tinham imposto intervenção dos militares, estavam já a concentrar-se, novamente, ao lado da estrada, grandes massas de gente com ar hostil.


Neste mesmo dia, 13, muitos pormenores fui conhecendo. No bairro de Benfica, na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima. o padre Romano foi degolado. Na Matola de Cima, num talho, está dependurado de um grande gancho o dono, já morto e coberto de moscas.
Na Matola só havia duas farmácias. A dona e farmacêutica de uma delas, pessoa que conheci muito bem, enlouqueceu, segundo me foi contado na  própria farmácia. Ao dirigir-se, na noite de 12 para 13, para Lourenço Marque, com o marido,são forçados a parar num posto de controle. A senhora é arrastada para um grupo de palhotas, até que o marido se perdeu de vista. O marido da farmacêutica, aproveitando o entusiasmo de quem o guardava em prender mais pessoas, conseguiu fugir; vai procurar sua mulher, ajudado por um preto, dos que estavam a assistir. Vai encontrá-la, alguns quilómetros depois. Fora violada dezenas de vezes. Estava com um braço e um seio decepados, e completamente louca.
No hospital Miguel Bombarda, há muitos feridos, que não puderam ser tratados, tão elevado é o número que ali está. Algumas pessoas morrem morrem nos corredores antes de poderem ser assistidos. Muitos dos feridos de menos gravidade passaram para o Colégio dos Irmãos Maristas, que fica perto do Hospital e que nas suas camaratas alojou os doentes, assistidos pela Cruz Vermelha. Os mortos estão a ser enterradas em valas abertas.
O comissário Segurado, ao ter conhecimento de que centenas de negros vêm atacar o bairro de Malhangalene, detem-nos na Rua do Porto, e, com o contingente que comandava, consegue detê-los com forro cerrado durante quatro horas.
Perante tudo o que neste dia soube que se passou, através de um telefonema, decidimos, eu e meu marido, que o melhor seria levar os três filhos mais novos para junto dele, na África do Sul.Depois de termos arriscado a vida até à fronteira, surgiu um problema, porque as filhas estavam averbadas só no meu passaporte. E, assim, ou eu não poderia regressar sem elas, ou elas não eram aceites na África do Sul, apesar de ali estar o pai, sem irem para o campo de refugiados até eu regressar. Ao fim de quase meia hora encontraram um subterfúgio à lei e puderam ficar.
Regressei mais descansada por deixá-las com o pai e orgulhosa por ver que meu marido continuava a sua missão como chefe, ajudando na fronteira todos os que ali passavam.Soube também que Daniel Roxo se tinha encontrado com o meu marido, na altura em que ambos regulavam os seus papeis no posto da fronteira sul-africana. Daniel Roxo vinha com com os seus últimos homens.
NO DIA 18,
a conselho de oficiais do Quartel General, resolvi tentar falar com o próprio almirante Crespo, no G 18overno Geral, a fim de defenir se o meu filho era posto em liberdade, mantido em Boane ou entregue à Polícia Judiciária
Voltei assim de novo a Lourenço Marques, por ser a hora em que se sabia que habitualmente o almirante recebia as pessoas que se inscreviam para audiências. Eu não me inscrevi previamente, com receio de nunca mais ser recebida. Preferi comparecer directamente. Antes do Hotel Cardoso, tive que sair do carro. 
Joaquim Chissano e o almirante Victor Crespo
Nenhuma viatura estava autorizada a passar. Também não passavam pessoas sem estar munidas de autorização especial. Elementos da PSP que estão ali de serviço, facultam-me a passagem. Verifico que há uma extraordinária concentração das Forças Armadas.
Ninguém me pergunta onde vou e, assim,chego ao portão da residência do Governo Geral. Entro e ouvi então que Chissano, representante da Frelimo no Governo de Transição, já se encontra no Hotel Cardoso, para onde tinha sido trazido de helicópetero mal desembarcara no Aeroporto de Lourenço Marques, vindo de Nampula. Face à desorientação existente na residência oficial com a possível chegada de Chissano ao Palácio, percebi que não seria recebida e por isso abandonei as instalações.
No dia seguinte, telefonei, como fora combinado, para o oficial com quem estava a tratar o caso do meu filho, e este informou-me que era possível que pudesse passar nessa manhã nessa manhã o caso para a Polícia Judiciária, o que implicava a sua transferência para a prisão civil de Lourenço Marques. Mas punha como condição que a minha nora e meus netos saíssem imediatamente da cidade, pois corriam o perigo de serem detidos como reféns. Pediu-me também que o advogado fosse sem perda de tempo falar com ele. Assim foi, e este regressando com a garantia de que, mal saía a família o processo seguirá, ainda esta manhã para a PJ.
Entretanto, sou avisada de que o João Afonso virá a Lourenço Marques. Depois de ter sido mandado apresentar em Nampula, antes de embarcar,foi-lhe comunicado que entrava no gozo da licença a que tinha direito. Deixou-se ficar em casa dos seus sogro na Beira . E tinha agora de vir a Lourenço Marques de urgência. sabia que não poderia vir com autorização, dada a situação especial em que se encontrava.
A partir da situação do Gonçalo Nuno, concluímos todos que nada poderíamos adiantar sobre o esquema que estava combinado para todos abandonarmos a Província. As condições em que estava eram de tortura moral permanente, sujeito constantemente a ameaças de morte. Assim teve de resistir durante 30 dias em que as Forças Armadas portuguesas o mantiveram nestas condições na casa de reclusão de Boane. Findos os 30 dias foi transferido para a cadeia de Machava.
Decidimos, então, que eu e os dois filhos que ainda estavam comigo, seguiríamos para a África do Sul. A nós se juntou Carlos Flores.
A viagem foi cheia de incidentes, para despedida.
O primeiro controle seria em Boane. Nessa tarde, porém, os elementos da Frelimo que já havia dias tinham tomado conta do quartel, juntamente com tropas portuguesas, resolveram, mal saí do carro, apalparem-me. Reagi instintivamente, dando as duas maiores bofetadas que dei em alguém até hoje. E apresentei ao oficial de dia das Forças Armadas que estava à porta de armas. Grande burburinho se levantou, porque, de facto tinha agredido o militar. Como queria ir despedir-me do meu filho que estava preso no quartel, o oficial português presente acompanhou-me. Ao regressar ao carro, ele mandou-me também acompanhar por um furriel mas os frelimos não me deixavam seguir viagem, rodeando o carro. Pude verificar que nenhum deles falava português. Tinham vindo da Tanzânia e nem sei se eram moçambicanos. O seu fardamento era inconcebível. Maltrapilhos autênticos.
Tropas Tanzanianas a desembarcarem em Lourenço Marques
No segundo controlo foi minha filha Isabel, que, vendo as suas malas despejadas sobre o asfalto, exigia que depois da vistoria os soldados as arrumassem.
No terceiro controlo, perto de Moamba, os pretos foram-se juntando aos militares e quanto mais tempo passava mais gente se acumulava, embora sem qualquer hostilidade.
Por fim, já perto da fronteira, um pneu furado...
Era mais de oito da noite quando passámos para a África do Sul, onde nos juntámos a meu marido e aos filhos que ali nos esperavam.
Era o princípio do exílio, e de uns largos meses em que na África do Sul vivi experiências notáveis também, mas agora na Resistência.
Ao deixarmos Komatipoort, o posto sul-africano que, para tantos nós, tinha sido porto de abrigo ansiado, quis propositadamente parar e fixar, dentro da noite, o Moçambique querido de que não me despedi, e que guardava no meu misterioso destino, o de dois filhos que ali ficavam ainda, com a vida em jogo.

FIM