segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

LIVRO de DALILA CABRITA MATEUS. Memórias da Guerra e do Colonialismo. Biografia de Malangatana Valente Ngwenya

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016


(2) Biografia de Malangatana Valente Ngwenya


Malangatana Valente Ngwenya
Pintor

Valente Ngwenya Malangatana nasceu a 6 de Junho de 1936, em Matalana, no sul de Moçambique. Frequentou a Escola Primária de Matalana e, mais tarde, na então Lourenço Marques, a escola comercial.
Foi pastor de gado, aprendiz de <<nyamussoro>> ( médico tadicional), criado de meninos, apanhador de bolas e, ainda, criado num clube da elite colonial.
Em 1960, graças ao apoio do arquitecto português Miranda Guedes (Pancho), que lhe cedeu a garagem para atelier e lhe passou a comprar dois quadros por mês, por um valor superior ao salário de um criado negro, tornou-se artista professional.
Numa leva de prisões que levou à cadeia numerosos intelectuais (designadamente os poetas José Craveiinha e Rui Nogar) foi detido pela PIDE sob a acusação de estar ligado à FRELIMO. Não se tendo provado o seu envolvimento, acabou por ser absolvido e libertado, após quase 2 anos de prisão. 136/65
A PIDE afirmou, então, que: " serve de cartaz de propaganda adoptado por matizes políticos antagónicos à linha política da Administração portuguesa" Nota da autora esta frase foi retirada de: IAN/TT, Arquivo da Pide, Processo SR 136/,65 Malangatana Valente e outros, folhas 1/5
Em princípios de 1971, Fernando Pereira de Castro, responsável pela delegação da PIDE/DGS em Moçambique, em carta enviada ao director-geral, comentou: <<O pintor moçambicano Malangatana Valente Ngwenya obteve da Fundação Gulbenkian a concessão de uma bolsa de estudo para cursar na Metrópole gravura e cerâmica. Trata-se de um africano altamente suspeito do ponto de vista político, pelo que já esteve detido por actividades subversivas (...) As sua ligações com elementos oposocionistas locais são notórias e as suas ideias de emancipação negra mantém-se intacta. Ainda recentemente expôs no NÚCLEO DE ARTE nesta cidade, uma sucessão de quadros seus, quase todos versando temas africanos de problemática social emocional e entre eles um que intitula 25 de Setembro. Pretende reproduzir com esse quadro a fúria da alma negra em revolta, no momento em que eclodiram os ataques da Frelimo. Ele próprio o admite, no auto que lhe foi levantado e cuja cópia se junta>>  IAN/TT, Arquivo da Pide, Processo SR 16303 SC/CI(2), Malangatana Valente e outros, folhas 23
Propondo-se o pintor seguir para Lisboa, o responsável da PIDE sugeriu que sobre ele fosse exercida vigilância e chamou a atenção para o facto de uma eventual deslocação ao estrangeiro vir a ser aproveitada para contactar com elementos independistas. E termina declarando que o governador-geral manifestara interesse el levar o assunto ao Ministro do Ultramar. Ora este decide proibir a saída de Malangatana de Moçambique. Logo o responsável da delegação, num rásio enviado ao director-geral, exprime a sua discordância com a  proibiçaão que, na sua opinião, sereia muito criticada e se prestaria a especulações, na medida em que, por um lado, se apregoava o propósito de promover o homem negro e, por outro lado, quando surgia a oportunidade para tal promoção, ela era impedida. Considerou, pois, que a ida de Malangatana para a Metrópole teria inconvenientes menores que os da probição. Nota da Autora:  IAN/TT, Arquivo da Pide, Processo SR 16303 SC/CI(2), Malangatana Valente e outros, folhas 21
Após a independência foi Deputado pelo Partido FRELIMO de 1990 até às primeiras eleições multipartidárias, em 1994, em que não foi candidato. Foi. também, membro da FRELIMO na Assembleia Municipal de Maputo, eleito em Junho de 1998
Foi um dos fundadores do Movimento para a Paz e pertence à direcção da Liga dos Escuteiros de Moçambique. Colaborador da UNICEF, fez funcionar durante anos uma escolinha dominical de bairro intitulada<<Vamos brincar>>
Museu Nacional de Arte em Maputo
Foi um dos criadores do Museu Nacional de Arte de Moçambique. Desde 1959 que participa em exposições colectivas em várias partes do mundo. Tem murais pintados ou gravados em cimento nas cidades moçambicanas de Maputo e da Beira, assim como em cidades de muitos outros países. Obras sua podem ver-se em museus e galerias públicas, assim como em colecções privadas espalhadas por vária partes do mundo. É membro de vários júris internacionais.

Clik AQUI, para ler a entrevista a Malangatana Valente Ngwenya

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

LIVRO de DALILA CABRITA MATEUS. Memórias da Guerra e do Colonialismo. Biografia de Valeriano Baúque

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016


3)Biografia de Valeriano Baúlque

MEMÓRIAS DO COLONIALISMO E DA GUERRA.BIOGRAFIA( DE: VALERIANO BAÚLQUE, ANTIGO FURRIEL DA 6ª COMPANHIA DE COMANDOS DE MOÇAMBIQUE


Valeriano Baúlque. Bancário, antigo Furriel 
da 6ª Companhia de Comandos de Moçambique, participante no massacre de Wiriyamu

Biografia:

Nasceu em ZAVALA, em 1950. Em 1971, completou o curso geral do Comércio, em Lourenço Marques.
Ao completar 21 anos, foi seleccionado para um curso de Comandos, vindo a integrar, como furriel, de Agosto de 1972 a Agosto de 1974, a 6ª Companhia de Comandos de Moçambique.
Esteve no grupo de Comandos que, ao lado da PIDE/DGS, participou na carnificina de WIRIYAMU.
No levantamento dos colonos  em 7 de Setembro de 1975, teve um papel destacado na defesa da cidade e da população negra.
Após a independência, participou na reunião da direcção da FRELIMO com os chamados "COMPREMETIDOS"
De 1984 a 1986, a pedido de Samora Machel, integrou o grupo de Comandos que dirigiu a reorganização do Exército Moçambicano, na cidade de Maputo.


Click AQUIl para ler a entrevista de Valeriano Baúque.

domingo, 17 de janeiro de 2016

LIVRO de DALILA CABRITA MATEUS. Memórias do Colonialismo e da Guerra. Biografia de Marcelino dos Santos

domingo, 17 de janeiro de 2016


(1)Biografia de Marcelino dos Santos.MEMÓRIAS DO COLONIALISMO E DA GUERRA --- BIOGRAFIA DE MARCELINO DOS SANTOS (Formatado)



Clik aqui para ler a entrevista a Marcelino dos Santos, e os comentários e a crítica à entrevista por António Carlos Augusto

MARCELINO DOS SANTOS ; Fundador e dirigente da FRELIMO

Nasceu a 20 de Maio de 1924, no LUMBO, distrito da Ilha de Moçambique. Aí estudou até à 3ª Classe. Fez a 4ª Classe em Lourenço Marques, onde concluiu a Escola Industrial Sá da Bandeira.
O pai era torneiro mecânico de segunda classe nas oficinas dos Caminhos -de-Ferro.
Chegou a Lisboa, em Outubro de 1947, onde frequentou o Instituto Industrial de Lisboa e, mais tarde, o IST (Instituto Superior Técnico). Era sócio nº 248 da CEI (Casa dos Estudantes do Império),de que foi dirigente. Morou na Rua Miguel Bombarda e no nº1 da Rua Casal Ribeiro, onde durante certo tempo, partilhou um quarto com Amílcar Cabral. Militou no MUD juvenil. E foi preso em Novembro de 1950, numa manifestação junto ao Monumento aos Mortos da Grande Guerra, juntamente com Mário Andrade e Guilherme Espírito Santos.
Em 1951 foi para França. Estudou em Grenoble, no Instituto Politécnico e, mais tarde, em Paris, no Instituto de Ciências Políticas.
Em 1953, participou, em representação da juventude moçambicana, no Festival da Juventude de Bucareste. E participou, depois, nos Festivais de Varsóvia, Moscovo, Pyongyang e Havana, sempre como representante da juventude moçambicana.
Em 1954, esteve no Congresso da UIE (União Internacional dos Estudantes) e no Conselho da Federação Mundial das Juventudes Democráticas, em Pequim, na China, país que percorre durante durante 56 dias, declarando a propósito: << - Foi desde então que vi com clareza o que era o socialismo>>. Ao longo da sua vida, visitará oito vezes a China.
Em 1959, em Roma, participou no 2º Congresso de Escritores e Artista Negros.
Em Paris, representou os estudantes e as juventudes portuguesa e colonial. Morou num quarto no 3B da Praça da Sorbonne (É neste mesmo quarto que, em 1945, o Partido Comunista Português, pretendia instalar uma sede sua. E em 1964, vivia aí um membro destacado do PCP, antigo jornalista do jornal REPÚBLICA, já falecido), onde se realizou a << reunião de consulta e estudo para o desenvolvimento da luta contra o colonialismo>>, de que sairá a decisão de criar o MAC (Movimento Anticolonialista)
A província Francesa não lhe renovou a autorização de residência. E o professor universitário António Brotas afirmou que, nessa altura, Marcelino dos Santos lhe pedira para guardar uns arquivos, uma colecção do AVANTE! e um original dos CONTOS VERMELHOS, de Soeiro Pereira Gomes. Marcelino dos Santos negou que algumas vezes tenha tido na sua posse um exemplar dos Contos Vermelhos. E negou, também, ter pertencido ao PCP, acusação que lhe foi feita pela PIDE.
Foi para a Bélgica. Ao tentar regressar a Paris, foi expulso.
Em 1960, foi para Marrocos, sendo designado secretário- geral da CONCP. (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas). Foi, também, secretário das Relações Exteriores da UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique).
Viajou com passapotes de Marrocos e da Tanzânia.
Em 1962, quando a FRELIMO se formou, foi secretário das Relações Externas da FRELIMO, cargo que, a partir de 1970, acumulou com a vice - presidência da FRELIMO.
Depois do assassínio de Mondlane, foi-lhe também enviada uma bomba, desactivada pela polícia tanzaniana.
Foi um dos dirigentes independentistas a ser recebido pelo Papa Paulo VI, no Vaticano.
Foi membro da presidência do Conselho Mundial da Paz. E em 1971, na Embaixada da União Soviética em Dar - es - Salam, recebeu, juntamente com Samora Machel, a medalha comemorativa do nascimento de Lenine.
Após a independência, foi ministro residente na cidade da Beira, ministro do Plano e Presidente da Assembleia Nacional.
Actualmente, não desempenha qualquer cargo político, embora, embora continue a ser membro do Comité Central da FRELIMO.

Esta biografia rectifica e completa dados duma outra, por nós redigida na obra A LUTA PELA INDEPENDÊNCIA, Editorial Inquérito, Lisboa, 1999.

domingo, 10 de janeiro de 2016

LIVRO de DALILA CABRITA MATEUS: Memórias do Colonialismo e da Guerra. Entrevista a Marcelino dos Santos

domingo, 10 de janeiro de 2016


ENTREVISTA A MARCELINO DOS SANTOS


Entrevista a Marcelino dos Santos, concedida e gravada em Maputo, em Agosto de 2000 
Marcelino dos Santos
P -  Queria pedir-lhe uma biografia sua. Na minha tese de Mestrado, publiquei uma, a partir dos dados que possuía. Mas quero confirmar esses dados.
R - Nasci e m 1929. E fiz a Escola Industrial Sá da Bandeira.
P - O seu pai foi administrador do BRADO AFRICANO?
R - Não. O meu pai foi simplesmente membro da Associação Africana.
P - E não escrevia?
R - Creio que nunca escreveu nada.
Nunca fui YUSSUF MUKANGANA. Nem MAFALALA dos SANTOS. KALUNGANO sim. Nem com o passaporte de CHIKOVANI MAHALA, aliás não é CHIKOVANI mas sim CHIKOMANE. O passaporte com o nome de AHMEDI DRAOUI, sim.
Que livro é este? Nem sabia que existia este livro. Vocês fazem os livros e depois guardam-nos para vocês?!
P - Não tenho culpa disso, o editor disse-me que tinham vindo para cá livros. Mas sabe que lhe escrevi uma carta para aqui, para o Partido FRELIMO, pedindo uma entrevista.
R - Se calhar não liguei à carta. Não me lembro de ter existido uma carta (risos).
P- Mas olhe que mandei uma carta para LÚCIO LARA e ele respondeu-me.
R - Ah! Mas esse é mais bem educado, sempre o foi...<< Em 1951 quando estava iminente a sua detenção>>, É mentira. Não estava iminente qualquer detenção.
P - Ai não?!
R - Nenhuma. Eu é que tinha ido a uma querela no INSTITUTOS SUPERIOR TÉCNICO e, na altura, já tinhamos decidido que, quando tivesse possibilidades, devia sair de Portugal, porque era o fascismo.Então fui para França, com o GUILHERME ESPÍRITO SANTO. Você ouviu falar do DR. ARMÉNIO FERREIRA?
P - Sim,sei quem é.
R - O Arménio Ferreira e a esposa é que nos levaram  no Wolkswagen deles. Deixámos Lisboa, em 5 de Outubro de 1951.
O que era o IUS de Praga? Nunca frequentei qualquer curso nestes países.
P - Não?
R - Uhh! Tanta mentira. Esta aqui da Polícia Francesa que << não lhe renovou o pedido de residência>>  é verdade. Mas o António Brotas, isto? Eu ter tido um original do SOEIRO PEREIRA GOMES. Isso teria sido uma grande honra! Infelizmente não tive, nunca. Talvez o Vasco ou o próprio Arménio Ferreira. O Drº Arménio Ferreira ficou muito mal, porque não sabia que o Soeiro Pereira Gomes era membro da direcção do PCP. E quando ele morre, o Paartido faz o seu elogio fúnebre e diz que ele era membro do Secretariado (Nota da autora: Tanto quanto se sabe Soeiro Pereira Gomes foi membro do Comité Central do PCP, mas nunca so seu  Secretariado). E o Arménio ficou ... Eh, pá! E agora o que vou fazer. Era amigo do Soeiro e passeava com elepor ali. E agora se fazem a ligação?
Drº Arménio Ferreira. Militante do PCP e do MPLA
Olhe, nunca estudei na Bélgica nem em Londres! Só em Lourenço Marques, Lisboa e Paris. O resto, sim.
Olhe, aí vem Madame Santos.
P - Boa tarde
R - Tem que corrigir isto. Quer fazê-lo agora
P - Está bem
R - Olhe nasci em 20 de Maio de 1929, no Lumbo, nessa altura pertencente ao Distrito da Ilha de Moçambique.
Não toma notas?
P- Estou a tomar (a gravação estava a ser feita)
R - Meu pai chamava-se Firmino dos Santos, era operário, torneiro mecânico de segunda classe nas oficinas dos Caminhos de Ferro.Nunca foi administrador do jornal BRADO AFRICANO. Talvez tenha escrito qualquer coisa, mas nunca foi conhecido como escritor ou jornalista.
Agora usei os pseudóminos de Kalungano, Mikwana, para apoesia, e Chikomane Mahala, para a prosa. Usei passaporte de Ahmedi Draoui de Marrocos, é verdade. E possivelmente outros, até da Tanzânia.

Marcelino dos Santos com elementos da Casa dos Estudantes do Império
Chego a Lisboa em 5 de Outubro de 1947 e não tive lugar nos exames de admissão ao Instituto Industrial de Lisboa, portanto nãopude fazer exame. Felizmente, soube da existência de um grupo de três explicadores. E, juntamente com outras pessoas, nesse ano 1947/1948, andei nas explicações. Eram de uma altíssima qualidade, infelizmente não me recordo dos nomes deles. Mas se algum ainda estiver vivo, gostaria de cumprimentá-lo porque aprendi Física- Química e Matemática de tal maneira, a saber realmente. Assim, quando entrámos para o Instituto Industrial brincávamos com os exames de Matemática. Quando um problema era posto não utilizavamos a fórmula, produzíamos primeiro a fórmula. Depois o professor zangou-se e disse que, se voltássemos a fazê-lo, não veria a nossa prova e ficávamos com zero. Mas realmente era um grupo fantástico com uma enorme capacidade de ensinar. Era um grupo do Instituto Industrial que, em 1947, não tinha emprego.
Fui, pois, para o Instituto Industrial de Lisboa, fiz lá dois anos e, depois, fiz o exame para entrar no Instituto Superior Técnico.Aqui, vou ter como professor da cadeira de Matemática José henrique Aranda, que já tinha sido meu professor na Escola Industrial na disciplina de Electricidade.
No exame estava um assistenta. Este era muito estúpido. Éramos muitos  numa daqquelas salas enormes, fazíamos o exame em cima duma prancheta, olhe devíamos ser mais ou menos cento e cinquenta pessoas. E sendo eu Marcelino dos Santos, estava aí para o meio.Opa o assistente decide verificar se tinhamos cábulas. Começa pelo primeiro, depois o segundo e assim sucessivamente. Como é que umprofessor assim, controla alguma coisa?!. Se vê o primeiro, o segundo já teve tempos dde esconder a cábula. Quando vi aquilo, pensei: << isto é demais >>. Sabe que, naquela altura , os Portugueses tinham a mania das << elites da Nação>> ? Bem, quando ele chegou junto de mim, disse-lhe: << Em mim o senhor não toca >> .  O indivíduo ficou a "vibrar". Levantou a voz e eu repeti: << Aqui o senhor não toca >> . A sala ficou em silêncio. Enttão ele de repente, puxou a folha, olhou de umlado e do outro. Não fiz a prova, escrevi sim uma carta para o professor da cadeira.E quando acabei de a redigir fui entregá-la e perguntei: Onde quer que ponha isto ? >>  Não respondeu. Pousei a carta e saí.
Naquele mesmo dia falei com os camaradas. Mandei uma mensagem para aqui para Moçambique e o facto a resposta do telegrama.Pedi autorização  para ir para França. O meu pai disse-me que fosse.
P - Ah! Informou os seu pais?
R - Sim. Uma semana depois recebi uma chamada do Professor José Henriques Aranda, onde me dizia que, se quisesse, podia fazer a prova. Expliquei-lhe que, naquela altura, já tinha decidido ir para França.
P - Mas na verdade é que participou numa manifestação, em Novembro de 1950, junto ao Monumento aos Mortos da Grande Guerra?
R - Sim, em 1950. Nessa altura aproveitava-se tudo para fazer manifestações contra o fascismo. Prenderam-me e levaram-me para uma esquadra ali perto. Quando lá entrei, já lá estava o Mário Pinto de Andrade , que me perguntou:
<< O que estás aqui a fazer? >>
Estava na esquadra além do Mário de Andrade, o Agostinho Neto (Nota da autora: O Agostinho Neto não foi preso. Mas sim Guilherme Espírito Santo). e um outro de que não melembro o nome, mas sei que é Goês e pequeno (Nota da autora: Seria, talvez, o escritor Orlando da Costa)
Na CEI havia muitos >cambados>> e nós tinhamos sempre lutas para assegurar a presidência das secções, que eram Moçambique, Angola, Cabo Verde e Guiné. depois havia a a direcção-geral. Recordo-me que, certo ano, o Drº Fernando Vaz foi para a secção de Moçambique e para membro da direcção-geral da CEI (não secretário-geral). Havia combates duros. Naquela altura, os estudantes eram, na sua maioria brancos. Havia também de origem goesa, moçambicanos mulatos, pretos não os havia naquela altura, porque os que havia estavam em Coimbra, como é o caso de Eugénio Dias. Mais tarde é que chegam, já eu tinha saído. Chegou um tal Paixão Dias, que não conheço. Sei que trabalhou estreitamente ligado ao Mário de Andrade. Gostaria muito de falar com ele.
Morei na Casal Ribeiro, mas não só, tive várias residências. Morei também na avenida Miguel Bombarda, depois morei perto do Saldanha. É precisamente nestas férias que sou preso. Sei que, quando fui preso, Amílcar Cabral teve um trabalhão a queimar a papelada do nosso quarto. Já não me lembro que tipo de papelada, mas suficientemente incriminadora para a PIDE.
Agora, em 1951, é mentira, nunca esteve iminente a minha detenção. Saí de Portugal como um pacífico cidadão português. Não saí nada a fugir. Mário de Andade, esse sim, em 1954, sai a fugir. Saí, como lhe disse, com o Drº Arménio Ferreira. Não vale a pena dramatizar, porque não houve grandes fugas. Ainda passámos por Madrid. Nunca tinha estado lá. Não me refugiei em França, fui sim estudar para França. Comecei por Grenoble. Aqui fui encontrar Aquino de Bragança. E desde esse dia até à sua morte dele estivemos sempre juntos.

Aquino de Bragança
Depois entrei no Instituto Politécnico de Grenoble. tinha feito, aqui, na antiga Lourenço Marques, Electricidade. Mas em França havia acesas discussões políticas. De modo que em Abril de 1953, decidi sair de Grenoble e ir para Paris, para fazer o Instituto de Ciências Políticas. Mas tinha que explicar aos meus pais porque é que ia para Paris. Disse, então, que íamos revolucionar e por isso não podia ficar na província, mas sim, obrigatoriamente, na capital. Era um pricípio de honra (risos).
Fui moralmente bem preparado e incentivado para Paris, onde cheguei a 30 de  Abril. Porque, naquela altura, estávamos todos ansiosos por conhecer o 1º de Maio nas Faculdades.
P - Como se sentiu? Qual foi a sua reacção?
R - Realmente fiquei bastante contente. Foi uma grande manifestação.
Toda a gente sabe que não há organizações africanas noQUARTIER LATIM. Quem mora lá? Todo o mundo e ninguém. Organizações ali, o que é que havia?. Nenhuma. A PIDE não sabia nada.
P - Umgrupo de quatro ou cinco pessoas já era suficiente para a PIDE começar a pensar.
R - Mais tarde vou para Socialogia, mas não termino nada. Os franceses não me renovaram a autorização de residência.
A União nacional dos Estudantes de França fez um grade trabalho. Bombardeavam o Ministério do Interior. Eu próprio fiz uma petição dirigada ao Ministro do Interior, que não me respondeu. Mas no Partidos Comunista Francês disseram-me: Sabe, o Ministro do Interior tem poderes para expulsar uma pessoa, sem lhe dar qualquer explicação >>PEu tinha um passaporte poetuguês, sem visto, que me dava estada de três meses. Então, que faço? Saí e fui para a Bélgica. Fiquei lá algum tempo e regressei. Mas não valeu de nada. Uns dias depois, às cinco horas da manhã, a polícia francesa bateu-me à porta. Morava na Rua da Bastilha. Cheguei à esquadra às seis da manhãe esperei, até às oito horas, que os funcionários chegassem. A polícia apresentou-me um papel para eu assinar. E disseram-me que, quer assinasse ou não, era a mesma coisa, pois no dia 6 de Janeiro tinha que me ir embora. E se não fosse, levavam-me. Bem, a distância mais curta era até Lisboa, de modo que me levavam para lá, através da fronteira espanhola. Foi assim. Mas sabe houve organizações de ultra-esquerda que me isseram para eu ficar em França na clandestinidade?
Mas o meu trabalho tinha sido feito até então à luz do dia, porque lutava contra o colonialismo português, e isso a França não proibia. Expliquei que não precisava da clandestinidade, porque o meu trabalho se relacionava com o mundo inteiro. O que é que eu ia fazer na clandestinidade?
Desde a minha chegada a Paris que fui representante, primeiro dos estudantes e da juventude. Ligava ao mundo inteiro quer socialista quer capitalista. Qual era então, então, a validade de ficar ali? Nenhuma. Fui para a Bélgica, pois tive muita sorte. Foi na altura. Foi na altura que se realizou a mesa-redonda dos partidos políticos do Congo Kinshasa e esta lá todo o mundo. Foi aí, por volta de 15 de Janeiro. Estavam Patrice Lumumba, Kasavubu e outros. Eu estava com o Tomás, que depois foi Ministro dos Negócios Estrangeiros, e agora é empresáio nos EUA ou na Grã-Bretanha. Tive, pois, oprtunidade de conhecer toda aquela gente. Patrice Lumumba, por exemplo, conheci-o em Liége. Vivia lá também o José Carlos Horta, um camarada moçambicano. Fiquei na Bélgica até Maio. Em Maio redebi instruções para ir a Londres. E quando recebi instruções é porque a nossa base parmanecia em Lisboa. Os estudantes que estavam em Lisboa é que eram os "donos" , eles é que me disseram para ir a Londres.
P - Mas esses estudantes onde estavam organizados?
R - Em Lisboa!
P - Sim, mas, concretamenten onde? Nalgum partido?
R - Não, não. Era a casa dos Estudantes do Império. A CEI foi essencial.
Mas também tinhamos a CASA de ÁFRICA, para alguns, não para todos. A CEI era toooddooo o mundo, branco, mestiço ou negro. Na Casa de África, brancos não entravam. Não era por racismo, era por questão de segurança. Alguns dos que estavam na Casa de África integrava a céelula do MUDJ (Movimento de Unidade Democrática Juvenil) na Casa dos Estudantes do Império. Tinhamos, ainda, um outro lugar, o 37 da Rua Actor Vale.
P - Da Tia Andreza.
R - Pois, aqueles  que estavam em Lisboa é que mandavam. E até eu sair, em 1960, recebia instruções deles. Em 1957, em Paris fizemos nascer o MAC, Movimento Anticolonialista, que não teve qualquer acção a não o trabalho de constituir um momento no conhecimento do pensamento político, passando de organização estudantil e da juventude para movimento político.
Mas, nesta altura, já tinham surgido o MPLA e o PAIGC. Mas, no Movimento Antocolonialista aparecíamos com adesão individual.
Em Janeiro de  1960 cria-se em Tunes a Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas.
Aí tivemos pouca sorte. Alguém que escreveu uma carta para um de nós, para a Tunísia, mas para a oposição, que era com quem nós tínhamos ligações. Só que os nossos camaradas que foram para lá, não sei se próprio Lúcio Lara, entregaram a carta a um membro do Governo Tunisino. Oh, pá! 

Lúcio Lara dirigente do MPLA
Quando ele viu o que era, fomos postos de parte. E qual era o objectivo da nossa prença em Tunes. Havia lá uma reunião pan-africana, e o objectivo era levar o Holden Roberto à unidade. Mas, face à situação criada com aquela carta, foi impossível fazer a unidade com o Holden Roberto. E tivemos a oposição total do poder na Tunísia. Não fizemos unidade nenhuma.
Em Maio de 1960 estava na Grã-Bretanha. Aí recebi instruções ( já se realizara a conferência de Casablanca) para ir para Marrocos, onde, desde a indepemdência, estava o Aquino de Bragança. Fui para lá em Agosto.
Como se lembra, tinha-me sido recusada a permanência em França. Estávamos muito apreensivos, porque não se sabia se me iam deixar entrar em França. Então, o Luís Almeida, do MPLA, a Carina, mulher dele, e eu próprio chegámos à fronteira da Alemanha com a França e entregámos os passaportes. bem, passados uns segundos os passaportes já estavam nas nossas mãos.Mas o da Carina, qual quê? E o tempo a passar. Ficámos admirados por termos recebido os nossos, principalmente o meu. Só mais tarde é que tomámos consciência de que era o tempo da FLN da Argélia e havia o problema das malas com dinheiro, transportadas e levadas para a FLN, fora de França, com o produto das "dádivas" dos argelinos que viviam em França. Ora tinha-se verificado a situação de muitas jovens alemãs terem sido presas no transporte de malas para esta rede de apoio ao FLN. Por isso, a Carina foi sujeita a uma revista. Mas, depois, acabaram por lhe devolver o passaporte.
Ficámos admirados com o facto de me deixarem entrar depois de me term expulso. Em França, por princípio, quando se é expulso por decisão do tribunal, automaticamente todas as fronteiras, terrestres, marítimas e aéreas, são informadas de que Fulano de tal é indesejável. Mas, como a minha expulsão não passou pelo tribunal, ninguém tinha competência para informar. Estou convencido e depois até o comentámos, que teria havido um consenso entre Polícias, entre a Polícia Portuguesa e a Polícia Francesa.
É interessante assinalar que a França soube que isto aconteceu, porque, talvez em 1972, veio a Dar-es Salam um padre, que escrevera uma obra sobre a arte maconde. Procurou falar comigo. E falando com ele disse-lhe:
<< - Vocês, franceses, expulsaram-me de França por solidariedade com os colonialistas portugueses>>.
Disse que não e que, quando voltasse a França, iria apurar os factos, pois tinha entrada livre na casa de De Gaule. E uns meses depois encontra-me e diz que o Governofrancês me informava de que, quando quisesse, podia voltar em França. Nunca tive problemas com os franceses.
Fui para Marrocos em 1960, onde devíamos ser recebidos por Sua Majestade, o rei Mohamed V. O Aquino estava casado com a Mariana de Bragança, sendo ambos professores de Liceu da cidade de Settat , a 35 Kms de Casablanca. Na manhã do dia em que devíamos ser recebidos, saímos muito cedo e viemos para Casablanca. Mas, quando dissemos a uns amigos o que íamos fazer, esclareceram-nos que Sua Majestade acabava de morrer. Para nós foi um honror. Começámos a pensar: <<- E agora como vai ser>>. Bom, só dois meses depois, mais ou menos, é que tivemos novo encontro com Hassan II, o novo rei. Hassan II, o novo rei. Hassan II foi excelentíssimo. Chamou logo alguém a quem deu instruções, para que, a partir daquele momento, dessem todo o apoio à realização de conferências, instalações e transportes enfim, apoio a todos os participantes, tudo a expensas do Governo de Marrocos.

Casablanca, 14 de Abril de 1961. Conferência da CONCP
E foi, assim, que, de 14 a 16 de Abril de 1961, se realizou em Casablanca a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, CONCP. Nessa reunião, Mário de Andrade foi eleito Presidente da CONCP, eu fui eleito secretário-geral e o Aquino de Bragança ficou no secretariado para a informação com a Amália Lopes Fonseca, de Cabo Verde. Fomos de Casablanca para Rabat, com o objectivo de, primeiro, informar sobre o resultado da conferência, segundo,  de nos solicitar que a sede da CONCP fosse instalada em Marrocos. à entrada de Rabat, havia de ver o séquito de motos. Fomos directamente para o palácio e somos recebidos por Sua Majestade. O Mário de Andrade como presidente, expressou o desejo nos estabelecermos em Rabat. O rei respondeu: << Vocês devem saber que, em qualquer lugar de África, estarão sempre em vossa casa. Mas já que escolheram Rabat para sede da vossa organização, aqui ficarão até ao dia em que a vossa sede se transformar na Embaixada dos vossos países independentes>>.
Você está a ver? O rei era muito inteligente. E é preciso dizer que Marrocos, mesmo quando, já depois da independência, tomámos posições muito diferentes em relação ao Sara, sempre manteve connosco relações de amizade, sempre e sempre sem rancor.
Marrocos apoiou muito o MPLA e o PAIGC, de 1961 a 1963. E nós FRELIMO perdemos, por não termos desencadeado a luta antes de 1963. Marrocos tivera dois grandes ministros dos Assuntos Africanos, mas, em 1964, já se tinham demitido. O Governo marroquino teve sempre muitas querelas por causa das relações Portugal/França e havia 

Rei  Hassan II de Marrocos, recebendo em 1961 os membros da CONCAP
E havia lá gente que era pró- França. Contudo, embora não com a intensidade dos anos 61 a 63, Marrocos sempre nos apoiou, sempre nos deu aquilo de que precisávamos. Se precisássemos de armas, tínhamos. A partir de certa altura, o armamento começou a faltar, mas bilhetes de avião sempre tivemos.
Em 1972, Mariano Matsinhe eu fomos mandados pela FRELIMO ao Chile. Fomos até Marrocos para buscar a passagem. Deram-nos um bilhete Chile/Estados Unidos. Assim, depois do Chile, tivemos de ir às Nações Unidas e à Europa, regressando então a Dar-es-Salam.
Agora quanto as festivais que aqui refere no seu livro. Estive em 1953 no Festival da Federação Mundial da Juventude Democrática onde participámos pela primeira vez. Nesse ano, chegámos a Bucareste como representantes do MUDJ, de modo que tínhamos uma direcção encabeçada por um jovem português. Era uma situação que já sentíamos ser um pouco incomodativas, mas enfim. Foi assim que chegámos a Bucaresta. Guilherme Espírito Santo, Agostinho Neto e eu apanhámos o avião, em Paris para Bucareste. Mas o Vasco Cabral veio pelos seus próprios meios. Somos cinco que participam, representando os nossos países. E no desfile os nossos países apareceram. Mas a<<estória>> foi esta. Chegámos a Bucareste e lá fora estavam muitas crianças, com fanfarras, flores e tudo: << - Eh,pá! Isto não é para nós, deixa os outros irem à frente. Isto não é para nós>>,

Vasco Cabral, dirigente do PAIGC
Mas saíram as pessoas, e tudo continuava lá. Afinal, aquilo era mesmo para nós. Alguns era a primeira vez que saíam para um festival. O Vasco Cabral, não, esse já tinha muitas andanças pelo mundo. Mas você não imagina o choque que foi para os outros. Você já viu, imensas crianças brancas, uma fanfarra e flores, tudo dedicado a pretos?! Habituados como estávamos ao racismo. Já viu?. aquilo emocionou-nos imenso. aquilo que podíamos pensar de um estado socialista, ali estava, pronto! Pela primeira vez nos sentíamos gente inteira.
A ida para Bucareste fora organizada ainda no contexto de pertencermos a Portugal. Mas já ninguém se sentia bem. Há muito que já tinhamos posto de lado a << brincadeira >> de  sermos representados por organizações portuguesas. Por isso fomos falar com os camaradas, discutimos o caso, porque já ninguém se sentia bem a desfilar com a bandeira de Portugal. Fizemos então a tal reunião, uma reunião dura, em que sentimos que os camaradas portugueses ficaram chocados, embora compreendessem. Mas o chefe da delegação ficou mal.
P - Lembra-se quem era o chefe da delegação?
R - Não me lembro bem. Creio que, anos depois, terá ido para as Nações Unidas.
Então decidimos que, a nível interno, permanecíamos unidos, mas a nível externo era Portugal, Moçambique, Angola e Guiné. Foi, assim, que avançámos no desfile. Angola com Agostinho Neto, A Guiné-Bissau com Vasco Cabral, Moçambique com Marcelino dos Santos, São Tomé e Príncipe com Guilherme Espírito Santo. E foi, assim, que a coisa se realizou.  Das outras vezes já não houve problemas. Em 1955, foi em Varsóvia e estiveram presentes por Moçambique, a Noémia de Sousa e eu próprio, Mário de Andrade por Angola, e não sei se o Guillherme Espírito Santo por São Tomé.
Em 1957, em Moscovo, Mário de Andrade estava presente por Angola. Noémia de Sousa já não esteve a Maria Helena Fonseca e Costa (irmã do cineasta). A partir daí, participámos em todos os festivais da juventude, designadamente na República Democrática da Coreia e, depois em Cuba. Sabe, nestes festivais havia todo o ipo de debates, actividades desportivas e culturais, tudo.
Continuando. Depois do festival, saímos de Bucareste e fomos de comboio para o Congresso da União Internacional de Estudantes em Brastilava, na Checoslováquia. Também em 1954, participei no Conselho da Federação Mundial da Juventude Democrática em Pequim. Na altura Moscovo para Pequim era percorrida em nove dias de comboio. Sete dias e meio em território soviético e o restante em territ´rio chinês.
Fiz esta viagem com dois companheiros, um brasileiro, o outro venezuelano. Deste lembro-me muito bem, porque mais tarde viemos a encontrar-nos no Instituto de Ciência Políticas em Paris. Chamava-se Caballero. Conheci também nessa altura a Ruth First ( Mulher do Presidente do Partido Comunista da África do Sul, Joe Slovo. Seria assassinada na cidade de Maputo com uma bomba colocada numa encomenda postal)
Joe Slovo e Ruth First dirigentes do PC da África do Sul
Com aqueles camaradas estive no Conselho da Federação Mundial da Juventude Democrática. Depois, os chineses ofereceram a quem quisesse a oportunidade de ficar mais duas ou três semanas, até ao dia 1 de Outubro, grande festanacional chinesa. Naturalmente que aceitámos o convite.
O meu pai continuava a mandar a mesada, que chegava todos os meses. Só que, naquela altura, comia e dormia de graça, na República Popular da China. Mas voltemos um pouco atrás. No dia 1 ou 2 de Março de 1954, antes de sair de Paris, tinha recebido um convite enviado para Lisboa. De onde, como não havia ninguém paea ir, me mandaram a mim. Só que, três dias antes, chegara o Mário de Andrade disfarçado de operário. Viera para Paris, porque andava a ser perseguido pela PIDE. Ficou no meu quarto, na Casa dos Estudantes de Marrocos, onde morava. Ora ele foi vivendo da minha mesada.
Fiquei 56 dias na China. Tive oportunidade de visitar tudo, cooperativas e empresas estatais, creches, escolas e universidades. Estive em várias empresas industriais, falei com dirigentes de sindicatos, de organizações de mulheres, da juventude, dos pioneiros. Visitei palácios do povo em várias cidades. Fomos, pois, conhecendo a República Popular da China. E em cada lugar a que íamos, explicavam como era no passado, as lutas que tinham travado e a realidade do presente.
No fim da viagem conversámos os três, o venezuelano Manuela Caballero, o brasileiro e eu. Sabe, os dias passadas na China foram uma verdadeira lição de marxismo-leninismo. Foi desde então que vi com clareza o que era o socialismo. Foi nessa viagem  de 56 dias, que até hoje não esqueço, continuando a defender o socialismo. que, realmente, era uma coisa bonita.
Na China vimos riquexós. Já imaginou? Ora, na nossa emotividade revolucionária, aquilo constituía um rebaixamento da condição humana. Ganhámos, então, coragem e falámos com os chineses. Como é que explicavam aquilo? Responderam que estavam a tentar resolver os problemas, mas não podia ser de um dia para o outro. Imaginem que decidíamos proibir totalmente que os riquexós fossem puxados por pessoas. Toda agente que, actualmente consegue ganhar para viver, como é que vai fazer para obter este mesmo dinheiro? Vai andar por aí a pedir?
Depois, creio que se desenvolveram mais. Em 1954, no 5º aniversário do triunfo da Revolução Chinesa, você passava pelas ruas de Pequim e via algumas gruas para grandes empreendimentos, mas o resto era às costas. à custa do esforço físico.
A meio da viagem disseram que, por certo, estávamos cansados pelo que nos levariam pelo que nos levariam a lugar paradisíaco. Tinham chalés por aqui e por ali, todos ligados pela água. E quem pilotava os barcos eram jovens chinesas. Era um lugar de sonho!
Isso significa que, dos países socialistas que conheceu, aquele que mais o encantou, o que mais admirou, foi a China?
R - Enquanto país, sim. Até hoje. Mas quanto a festivais, o mais belo de todos foi o de Bucareste, em 1953. Naquela altura, o secretário-geral do Partido Comunista Romeno ainda não era o Ceausescu, era o Gheorghiu - Dej, que andava por ali, a pé, no seu fato de linho branco e chapéu de palha, junto de todos, perfeitamente à vontade. Os primeiros ano da Roménia foram muito difíceis.
Gheorghiu - Dej, secretário geral do PC Romeno
Fiz umas oito viagens à República Popular da China. aprendia-se ali muito! sobretudo estas coisas da política e do  desenvolvimento económico, as experiências. Tinham sempre a preocupação de mostrar o impacto social dos diversos empreendimentos.  Era isto que, naturalmente, nos encantava, o saber que as coisas estavam a ser feitas em benefício do povo.
Escreve aqui que a PIDE me atribuía a qualidade de responsável do PCP em França. Mentira. Nunca fui do PCP e muito menos responsável em França.
P - Aí escreve-se que a PIDE lhe atribuía, não está a afirmar que era.
R - Moreino 3B da Praça da Sobornne. Ora em em 1956 ou 1957  tive de ir  a Portugal, muito discretamente. E fui com um passaporte português. Ora quando estava em Portugal saiu nos jornais portugueses a notícia de quea polícia francesa fechara uma sede do PCP em Paris, no tal 3B da Praça da Sorbonne. E agora? Os camaradas disseram-me que tinham de partir imediatamente. Naturalmente que, no comboio, já estava com fantasmas, ao mínimo gesto já era um agente da PIDE a aproximar-se de mim. A senhora da casa informou-me que a polícia viera ao apartamento. Fui, então, procurar saber com os camaradas portugueses o que aquilo significava. Informaram-me que, em 1945, a seguie à libertação, o PCP tinha pedido a abertura de uma sede em Paris, precisamente no 3B da praça da Sorbonne. se bem se recorda, naquela altura os comunistas tinham ministros no Governo. Era, pois, normal que o PCP pudesse ter uma sede. Só que o Governo francês nunca respondeu. Assim, deve ter sido simples coincidência ter aquilo acontecido precisamente no momento em que estava em Portugal.
Devem ter visto que havia um pedido e que tinham que dar uma resposta que pusesse ponto final no assunto.
P - Mas podia ser também umas coisas das Polícias. A polícia Francesa dava informações à PIDE.
R - Mas porque não o fez antes?
P - Porque só naquela altura é que estava na ordem do dia a questão dos Movimentos de Libertação.
R - Só então soube que aquele quarto tinha sido pedido pelo PCP para a sua sede em Paris.
P - Sabe que entrevistei o Vasco Cabral? Ficou muito admirado com a quantidade de informação que a PIDE tinha e que era verdadeira. Expliquei-lhe que a PIDE, a partir de certa altura, começou a classificar a informação. Sabia que há nos arquivos informações dadas por Polícias estrangeiras, inclusive pela Polícia de Marrocos, sobre os Movimentos de Libertação? e que havia mesmo pessoas ligadas aos Governos, que davam informações à PIDE? Por isso disse que a PIDE lhe atribuía aquele facto. Mas faltava a confirmação do próprio. Daí terlhe escrito uma carta, pedindo uma entrevista. O próprio Lúcio Lara  confirmou coisas que  a PIDE dizia. A PIDE sabia coisas de dirigentes dos movimentos de libertação, até de índole muito pessoal.
R - Estudei no Lumbo até metade da 3ª Classe. A seguir, e até ao fim da escola industrial, em Lourenço Marques. Depois em Lisboa e, finalmente, em Paris.
P - Não concluíu um curso?
R - Não. Mais tarde, em 1966 ou 1967, disseram que, se quisesse, podia ir tirar a minha licenciatura. Mas ir estudar, tanto tempo depois?
A partir de 1961 fui secretário getal da CONCP e, ao mesmo tempo, secretário para as Relações Exteriores da UDENAMO. E em 1962, quando a FRELIMO se constitui torno-me secretário para as Relações Exteriores da FRELIMO, cargo que, a partir de 1970 e até à independência, acumulei com a vice-presidência da FRELIMO. Só parei durante durante um breve período, de Maio a Novembro, quando Uria Simango ficou nas Relações Externas.
P - Não se importa que falemos do atentado a Eduardo Mondlane?
R - Sabe certamente que Mondlane foi assassinado com uma bomba. Ora também foi enviada uma bomba para mim. Mas, na altura em que chegou, já tinhamos a experiência de Mondlane. A partir da morte deste, tudo o que chegasse com encomenda para a FRELIMO ers vistoriado pelos serviços de segurança da Tanzânia.
Agora a minha residência ter sido assaltada, como se diz aqui no seu livro....!
P - Não foi?
R - Não, nunca foi assaltada.
P - Sobre o processo do Drº Eduardo Mondlane, a PIDE refere várias vezes que os chineses estariam metidos. De qualquer modo, já se sabe quem o matou, até porque um polícia publicou e assumiu que foi a própria PIDE que matou o Drº Eduardo Mondlane.
Parece que na Tanzânia foi feito um inquérito sobre quem teriam sido os autores da morte do presidente Mondlane. E diz-se que todo esse processo foi oferecido à FRELIMO. É verdade)
R - Que eu tenha conhecimento, não. Informação, sim, é verdade que deram uma informação oficial.
P -  Mas não apresentaram documentos?
R - Não sei se apresentaram documentos. Eu nunca os vi. Se oa apresentaram, entregaram-nos ao camarada presidente Samora Machel. Mas não creio. Só sei que informaram oficialmente.
A informação que temos é que os livros foram comprados na Beira , segundo orientação de Jorge Jardim. E o indivíduo que fez a bomba teria sido Casimiro Monteiro. (Nota da autora do livro: A informação não faz muito sentido. Parece-nos difícil que, na cidade da Beira, tenha sido possível adquirir a edição francesa doANTI-DUBRING de FREDERIC ENGELS, uma obra marxista. De resto o mais provável é queEduardo Mondlane tivesse pedido o livro, não em português (em que só existia na versão brasileira) mas im inglês, língua que dominava na perfeição.).
A informação que temos é que os livros foram levados para o Malawi por um indivíduo que não vou falar. E do Malawi para MBEIA vão através de um padre belga. De Mbeia para Dar-es- Salam, para o nosso escritório, é que vem por mãos de gente da FRELIMO, para o nosso escritório, é que vem por mãos de Gente da FRELIMO.
P -É verdade que recebiam ajuda de Israel?
R - É verdade. Treinámos gente em Israel.
Cada vez que íamos à União Soviética, eles tinham a mania de fazer sigilo. Nós, não. Não fazíamos as coisas de forma escondida. Estamos aqui oficialmente, deixem a rádio e a televisão anunciar que estamos aqui. Não há problema nenhum.
Quando a FRELIMO se constitui, o único licenciado ( e até doutor) era Mondlane. Depois chegaram o Helder Martins e o Jorge Rebelo. O Fernando Ganhão, o Óscar Monteiro e o Sérgio Vieira formaram-se na FRELIMO. Tinhamos a maioria das pessoas com a 4ª Classe.
Alguns com o 2º ou 4º ano do liceu. Por isso é que fizemos uma escola para formar este gente. Também por isso, enviámos para a RDA, China, URSS, Bulgária e Roménia. Formámos gente militar e cientificamente. Também para alguns países de África, Argélia, Egipto, Gana. Mas o Gana foi...!
As coisas só se tornaram mais difíceis para os portugueses a partir de 1969.
P - Esclarecidas que estão estas questões, passemos então àquilo que me traz, o problema dos antigos presos políticos, saber o que se passava nas cadeias, enfim o que a PIDE fazia.
Gostava que me esclarecesse sobre o que estava no pensamento do presidente Samora, quando fez a reunião com os antigos presos políticos? Qual era o objectivo? E se manteve o acordo com a reunião?
R - Naturalmente. Todos estávamos de acordo. O objectivo foi dito claramente e era para libertar todo o mundo. Se você quer andar aqui à vontade, tem de reconhecer que aquilo que fez é crime. 
P - Mas eles não tinham cometido crime nenhum, apenas tinham estado presos.
R - Não, não, não, espere, não. Primeiro escute. Tivemos muitos companheiros com comportamentos errados.
P - Errados em quê?
R - Porque duma forma ou doutra fraquejaram, colaboraram.
P - Será que fraquejaram? Também os considera traidores?
R - Não. Nós não considerámos ninguém traidor. Mas sabemos, porque as coisas foram faladas, que a Polícia foi informada. Torturam-me no primeiro dia, mas não digo nada. No segundo dia, não digo nada. Mas no terceiro dia, falo. E quando falo, digo que foi Fulano e vão buscar Fulano. Então, diz-se que aquele traiu. Não há outra palavra. Traaaaaaiiiuuuuuu.E isso traduziu-se em sofrimento para eles. Então, a ira é enorme, porque a PIDE, como qualquer polícia deste tipo, não suporta que alguém resista.
Temos camaradas que ainda hoje não perdoam aos outros. A FRELIMO entendeu o problema e disse que, a parir de então, aqueles que tinham << namoriscado>>. com a PIDE deviam ir para campo da reeducação. Por exemplo Malangatana Valente foi para um campo de reeducação em Nampula. E foram outros. Voltaram homens livres, que se tinham libertado a si próprios dos comportamentos errados que tinham tido na prisão.
P - Nesses campos de reeducação, o que é que faziam?
R - O que é que faziam? O que é fazia o Malangatana  lá em Nampula? (risos). Fez as suas pinturas. Era só uma maneira de estar lá, de fazer política, não era nada especial!
P - Mas eles não recebiam treino militar?
R - Nunca.Nunca. Não sei. Não sei. Pergunte ao Malangatana.
P -Mas, por exemplo na República Popular da China, também houve campos de reeducação. O médico ia cultivar batatas e o advogado era capaz de ir para a estiva.
R -Conheço a reeducação do tempo de luta. Mas aquilo ali era simplesmente um lugar onde as pessoas viviam e trabalhavam.
P -Mas trabalhavam em quê?
R - Na terra, na terrra, na terra. (irrita-se)
P -Ah! Era isso que queria saber. Dedicavam-se à agricultura, independentemente dos seus conhecimentos.
R -Sim. independentemente dos seus conhecimentos.
P - Era uma forma de quê? De saberem o que o povo passou? 
R -Não, não, não. Era uma forma de aprenderem a regenerar-se pelo trabalho, porque nós também temos um processo de trabalhar. 
Por exemplo durante a luta, se um camarada era enviado para a reeducação, ficava em geral três meses.
P - Ah! Durante a luta também houve campos de reeducação
R - Sim, sim. Ficvam três meses. por exemplo, tudo dependia do tempo. Nós dividíamos o tempo. Numa primeira fase, dormia e trabalhava, mas ninguém lhe falava,, comia, mas ninguém lhe falava. Andava por ali à vontade, só que ninguém lhe falava. Quando terminava o primeiro mês e a primeira fase, então a gente começava a falar com ele. Conversava, conversava. E na terceira fase era o trabalho político. Depois saía e, pronto, era um cidadão como outro qualquer.
P - Então aos antigos presos políticos vai acontecer a mesma coisa?
R - Ah! Para esses foi muito leve. Foi muito leve. Mas trabalho político, sempre. 
P - Significa isso que, para a FRELIMO, aqueles presos deviam ter morrido e não falarem, é isso?
R - A nossa obrigação é não falar, não vergar perante o inimigo.
P - Mas isso é bom de dizer para quem está fora, para quem nunca passou por lá.
R -E aqueles que passaram e que estiveram na prisão com outros, que os traíram. Como é que os qualifica?
Estou a dizer-lhe que temos aqui gente que até hoje não fala, com aqueles que falaram e cooperaram! Sofreram na pele a fraqueza do outro. Não é por acaso que se diz:<<Independência ou morte. Venceremos>> , respondo:
<<Sim. Era preciso morrer>> ( Nota da autora: O estranho é não terem sido uniformes, os critérios de tratamento dos antigos presos)
P - Então, durante a luta, se algum guerrilheiro feito prisioneiro, a FRELIMO não alterava nada, ninguém saía da base?
R -Não. Não. Essas medidas de segurança só existiam aqui na cidade. Na luta armada não, porque os portugueses podiam saber que a gente estava aqui, mas a gente não saía. ( Nota da autora: Esta afirmação tem pouco a ver com a táctica usada, em regra, pela guerrilha. E só pode explicar-se com o facto de o entrevistado, de facto, não ter feito a luta no interior do país.)
P - Acha que todos os antigos presos políticos foram reeducados?
R - Bem, houve presos políticos que se comportaram normalmente, de maneira revolucionária. E outros fraquejaram. E esses é que foi preciso << libertar >>,porque isso constituía para cada um deles um peso, porque as pessoas andavam na rua  e sabiam que olhavam para elas. E sabiam que os outros dabiam, que tinham colaborado. Isso, paciência, é um estigma para qualque.
A realização da reunião foi uma maneira de os libertar, porque quando publicamente digo aos camaradas: << Peço muita desculpa, mas fiz isto e aquilo e aqueloutro, mas foi nestas ciescuntâncias e, agora, recinheço foi uma falta, foi um erro>> 
P - Não prenderam ninguém?
R -Absolutamente ninguém (Nota da autora: A afirmação não é verdadeira. Como se pode comprovar, pelo caso de MATIAS MBOA, que esteve cinco anos preso na Machava, por ordem administrativa da direcção da FRELIMO.) Nem julgados foram. Tratámos os problemas politícamente. Aquilo que nos interessava era reconstruir e educar.
P - Os antigos presos políticos foram mandados para campos de reeducação. Mas porque é que os chamados<< compremetidos >> não foram também para campos de reeducação?
R - Os compremetidos? Que é isso?
P -Os Comandos, os Flechas, os grupos especiais de páraquedistas (GEP) e outros.
R -Já era o ano de 1982!
P - Significa isso que a direcção da FRELIMO foi adquirindo experiência política e começou a ver as coisas de outra maneira?
R -Não, não. Naturalmente que, com os anos que passam, qualquer governo adquire experiência. Mas não é essa a base de reflexão. A base de reflexão é que, em 1982, já havia muita coisa vivida. E qual seria o interesse de mandar esses companheiros (sic) para os campos, de os castigar de os punir? Vamos lá a ver. Tivemos aqueles que foram para os Comandos voluntáriamente e aqueles outros que foram obrigados a ir.
P- Mas aqueles que se entregaram voluntáriamente e que constituíram os GEP, os Comandos, os Flechas, esses mataram, enquanto que os presos políticos...
R - Aqueles que mataram. não sei quem foram.
P - Mas esses matavam.
-Sim. Mas também houve muitos que fugiram de Moçambique com medo de sofrerem represálias por parte da população. Há quem diga que, aí por volta de Julho de 1974, saiu o primeiro grupo de moçambicanos que tinham participado naquilo a que nós chamámos << sectores fascistas do Exército Colonial>> em direcção ao Zimbábué, dirigidos por um oficial português. Razão? Medo de serem presos pela população. Não houve o caso de um Mondlane qualquer que chegou a ser Capitão? Muitos fugiram. Mas temos por aí outros. O Freitas Branco e o Aurélio Lebom foram Comandos.
P - Mas foram voluntários ou obrigados?
R -O Aurélio Lebon foi voluntário.
P - Então a esses não foi feira reeducação?
R - Não sei. Talvez por ser mais tarde, quando as coisas já eram melhor tratadas. Mas não sentimos necessidade. O Freitas Branco, por exemplo, passou para o Exército Moçambicano, é hoje Oficial.
P -Há uma coisa que me faz um bocado de onfusão. É que, apesar de tudo, os antigos presos políticos não andavam de arma na mão a matar e a incendiar aldeias, nem diziam ao Exército Português  <<Estão ali> E foram  para a reeducação. Ao passo que os Comandos, que mataram e incendiaram, não foram. Continuo a não perceber.
R - Ah! É fácil falar., dizer que os Comandos fizeram isto e aquilo. Por exemplo o Armando Loja era Oficial - Comando e nunca matou, até uma criança ele conseguiu salvar. Não é por ser Comando que se mata. 


P - Então quando há pouco dizia <<os tempos de 1982 eram outros>>o que queria dizer?
R - Penso que já havia um melhor entendimento das pessoas e do que se devia fazer. Mas nada posso dizer. Facto é que nós, os principais interessados, não ficámos nada chocados com a maneira como as coisas foram tratadas. Isto é um facto concreto. Não ficámos chocados. Ficámos claros e conscientes. Recordo-me de que, por exemplo no caso do Freitas Branco, um caso que recordo perfeitamente, até achámos que O.K.  << sim senhor, camarada!>>, pois sabíamos que muitos companheiros não tinham feito nada. Outro exemplo, o filho, o filho do Brás da Costa, era piloto da Força Aérea Portuguesa e nunca bombardeou a FRELIMO, mas morreu com uma anti-aérea da FRELIMO. Os camaradas não sabiam. Mas o pai não sucumbiu. O pai soube assumir e compreendeu. Brás da Costa era um grande empresário do Niassa.
Agora, na prisão, havia os outros. E até hoje ainda há casos de camaradas que não perdoaram.
P - Tenho uma curiosidade. Já alguma vez pegou no jornal que era feito na Cadeia da Machava? Viu-o alguma vez?
R -( risos) Ressurgimento? Não dá para falar. Vamos embora (levanta-se)
P - (risos) Não dá para falar. Vamos embora (levanta-se)
P- Não dá para falar, porquê?
R - (risos) Não sei.
P - Nunca viu o jornal.
R - Não falo. Vamos embora (dirige-se para a porta)
P - Mas aquilo que o presidente Samora pretendia.
R - Não era o que o presidente Samora pretendia, era o que a FRELIMO pretendia, porque essas coisas não foram vontade de Samora. Foram realizadas conscientemente, um trabalho dirigido pela direcção do Partido.
P - Mas então aquilo que o Partido FRELIMO queria era que as pessoas passassem a entender-se bem, que houvesse um grande perdão pelas atitudes do passado, que houvesse um reconhecimento dos erros que foram cometidos. Agora se há alguns que não perdoam aos outros por terem falado, então significa que esses não compreenderam qual era o objectivo da FRELIMO?
R - Então, mas aí...o que é que a gente pode fazer. Sabem que a FRELIMO perdoa, mas eles nunca perdoaram.É
P - A FRELIMO estava muito bem implantada no terreno da guerra. Acha que se não tivesse havido o 25 de Abril...!
R -Ah! Teríamos sido indepentes em 1976.
P - Em 1976? Tinham perspectivas disso? 
R - De certeza. Mais ou menos em 1976.
P - Acha que Portugal não tinha armas à altura?
R -O problema eram os homens. Homens (fala mais alto). As pessoas que pegam em armas é o que conta. Não as armas.
P - Mas sabe que se diz que estava prevista uma ajuda a Portugal em armas, armas que iriam...
R -Vamos embora. Vamos embora.

Entrevista concedida e gravada na cidade de Maputo, em Agosto de 2000.

Comentários e críticas à entrevista a Marcelino dos Santos, por António Carlos Augusto, em 7 de Janeiro de 2016.

É difícil fazer uma análise a uma entrevista tão estranha quanto esta. A princípio a jornalista, que sem duvida possui um currículo interessante, parece mais interessada em confirmar dados do que fazer já um trabalho definitivo e publicável. O estranho é que os dados que pretende confirmar constituem a base da sua Tese de Mestrado que entretanto já deu ao prelo. Porque me parece que estamos a ver o filme ao contrário, tudo isto faz pouco sentido. Agrava o problema as sucessivas recusas em aceitar como correcta grande quantidade de informação por parte do entrevistado, ou seja, o trabalho de tese tem informações erradas nomeadamente os dados biográficos de Marcelino dos Santos.
Mais estranha se torna a entrevista quando o entrevistado parece pouco preocupado com o rigor dos dados que fornece, dando até aqui e acolá um sinal de que o tempo já terá apagado parte  substancial da sua memória.
Apesar destes condicionalismos vamos à análise de alguns tópicos da entrevista:

Soeiro Pereira Gomes. 1909 - 1949
1- Soeiro Pereira Gomes, foi um destacado membro do PCP. Era sobejamente conhecido  o seu envolvimento, quer pela acção directa quer pela sua obra literária imtegrada no movimento neo-realista, muito presente no Ribatejo da época. Em 1945 passou à clandestinidade devido às pressões que a polícia já exercia, e sua importância era tal que justifica a homenagem fúnebre em 1949 numa altura em que esta acarretava riscos. Estranha-se, e muito, a surpresa que Marcelino relata com o discuso fúnebro de Soeiro.

2º- O entrevistado afirma viver de uma mesada enviada pelo pai, que diz ter sido torneiro mecânico de 2ª nos caminhos de ferro em Moçambique. Parece-nos escasso o rendimento deste tipo de profissão para enviar para a Europa uma quantidade suficiente de dinheiro em câmbio desfavorável, ainda para mais com as contingências do dinheiro que circulava em Moçambique, com cotação inexistente no estrangeiro tanto quanto julgo saber. As sucessivas referências a "autorizações" a Moçambique para fazer isto ou aquilo parecem revelar outro tipo de organização que em todo o caso não é explicada, nem a jornalista a aprofunda....estranhamente.

3ª- A dada altura diz Marcelino que "os pretos estavam em Coimbra" afirmando que em Lisboa só estudavam mulatos e goeses. Isto não tem nenhum fundamente histórico, é um delírio puro e simples. Mais à frente afirma "na CEI era todo o mundo, branco, mestiço e preto" (?). Refere ainda a presença de Amílcar Cabral em Lisboa, e sabemos nós que existiram vários outos estudantes. Em que é que ficamos?

4º- Afirma o entrevistado que vivia no Quartier Latin em Paris, onde segundo ele a PIDE nem sonhava quem lá estava e quem lá vivia, muito menos as reuniões que ali se faziam. O senhor Marcelino dos Santos está profundamente equivocado relativamente ao trabalho da PIDE no estrangeiro e nomeadamente em Paris. Em primeiro lugar terão sido poucas as congéneres estrangeiras que não colaboravam com a PIDE, de entre estas a SDECE francesa e o conde de Marenches em particular, tinham uma relação priviligiada com a polícia portuguesa, o que não será estranho por exemplo, à venda de equipamento de fabrico francês a Portugal. Foi ainda o conde de Mareches que comunicou ao sub-director da PIDE Barbieri Cardoso, o que se passava m Lisboa a 25 de Abril de 74. A PIDE tinha um conjunto grande de informadores em Paris, e difícilmente deixaria de saber o que lá se passava, naquela cidade existia uma plataforma de oposicionistas locais e alguns em trânsito, isso era do conhecimento da polícia portuguesa.
A jornalista não confrontou o entrevistado com esta realidade.

5º- Refere-se a impossibilidade de um acordo com Holden Roberto. É evidentemente que sim, ele era apoiado por ocidentais, nomeadamente pelas "inocentes" Fundações para o desenvolvimento norte-americanas. Ora essa colagem que o bloco de Leste/Governos magrebinos queriam evitar. Assim se compreende a afirmação de que "A Tunísia opôs-se ao acordo com Holden". A jornalista não questionou quais foram os desentendimentos existentes que frustaram o acordo.

6º- Existe uma atabalhoada referência ao facto de, na opinião de Marcelino, a FRELIMO não ter podido contar com o apoio de Marrocos como sucedeu com os restantes movimentos, e isto porque segundo ele não teve actividade antes de 1963. Ora o PAIGC também não e não deixou de ter apoio. Além disso mais à frente o próprio Marcelino reconhece a importância do apoio marroquino, (?). Não explica, nem lhe é perguntado, o que mais entende que o rei Hassan poderia ter feito por eles.

 Fazendo um flashback, refere um encontro em 1953 em Bucareste das juventudes internacionais. Diz ter ficado emocionado porque como africano que lutava pela autodeterminação/independência  dos povos do Ultramar Português não esperava uma tão calorosa recepção. Ora o senhor Marcelino está profundamente equivocado. A recepção foi ao MUD Juvenil no qual os estudantes de origem africana se integravam. O MUD foi constituído para concorrer a eleições e contornar o facto de os partidos políticos estarem ilegalizados em Portugal, (mais tarde sucederá o mesmo com o MUNAF). Nem em Bucareste havia os políticos estarem ilegalizados em Portugal, (mais tarde sucederá o mesmo com o MUNAF). Nem em Bucareste haveria naquela altura consciência da necessidade de se alterar a política portuguesa em África, nem tão pouco no MUD, onde a questão era tão  somente a substituição do regime. Aliás a oposição em Portugal demorará muito tempo a perceber que o problema em África  seria aquele que não conseguindo o regime resover serviria os seus interesses. Praticamente só em 1965 no livro "Rumo à Vitória" é que Álvaro Cunhal dá a entender que os milicianos comunistas não devem mais procurar soluções de fuga ao serviço militar como refractários ou desertores, mas sim engrossar as fileiras do exército e ali fazer a propaganda anti-guerra e pró-independência. 
Até esta apenas existiram algumas tentativas isoladas de crítica à guerra mas nada de consistente muito menos organizado enquanto oposição.

 Interessante é a apologia aos métodos chineses. Interessante e revoltante. A dada altura explica o entrevistado como decorria o processo de "recuperação" de um cidadão. Existiam 3 momentos porque pasava o "utente" do campo de reeducação. Primeiro causava-se isolamento estando proibido o diálogo, passado um mês "faziam o trabalho político". Ao fim deste processo estava a lavagem ao cérebro feita. A tudo isto chama Marcelino " Forma de regenerar pelo trabalho". Não podemos deixar de nos lembrar do livro de PRIMO DE LEVI. " Isto é um Homem", quando descreve a sua entrada em AUSCHWITZ, e as letras encimando o portão principal:" ARBEIT MACHT FREI" - O TRABALHO LIBERTA (REGENERA).

 Por fim, a parte mais dramática desta entrevista. Uma entrevistadora a fazer uma enorme confusão entre dois momentos e duas realidades históricas em Moçambique. Mistura-se o "fenónimo" chamado COMPROMETIDOSque foi uma realidade grosso modo entre 1975 - 1978, e um outro COLABORACIONISTAS que teve lugar em 1982. Vamos a ver, os chamados colaboracionistas foram os moçambicanos que serviram nas forças especiais portuguesas de 1974 - 1975, (Comandos, GE, GEP, etc...). Estes foram logo fechados em estádios de futebol, feita revista a suas casas, vilipendiados, torturados psicológicamente de diferentes formas, e  durante anos viram o seu nome exposto no local de trabalho como escória da sociedade. O problema foi que com o advento da guerra civil tiveram de ir buscar os "especialistas", e alguns deles vieram a tornar-se oficiais superiores das forças armadas de Moçambique. La nobless oblige...Outra coisa foram os colaboracionistas, que tendo sido elementos da FRELIMO, ao serem capturados pelas forças portuguesas resolviam falar e contar o que sabiam. Claro que tiveram de ser reeducados, ou melhor, regenerados pelo trabalho. Parece que a regeneração deu-se através da agricultura, enfim...

No entanto a jornalista dá mostras de misturar estes dois fenómenos que nada têm em comum, daí a resposta do entrevistado "mas isto foi em 1982". Ele sabe perfeitamente que se trata de duas coisas distintas, mas claro ao aperceber-se do erro da jornalista, aos costumes disse nada!