segunda-feira, 22 de junho de 2015

A TRAGÉDIA DO RIO ZAMBEZE -- 1969

segunda-feira, 22 de junho de 2015


A TRAGÉDIA DO RIO ZAMBEZE---1969


Os jornais Metropolitanos relataram nas 
1ª páginas o trágico acidente
  
Na tarde de 21 de Junho de 1969,próximo das 17H,que uma coluna militar composta por 150 homens e 30 viaturas,que aguardava havia já seis dias a possibilidade da passagem daquele rio,embarcou no batelão,em Lacerdónia,com destino a Mopeia,na margem esquerda do Zambeze.
Ainda não era decorrida uma hora de viagem quando,inesperadamente,a embarcação,demasiadamente carregada,começou a inclinar sendo invadida pela água,fazendo-a afundar.No diálogo que travámos com dois dos sobreviventes,foi-nos dito que o batelão,face ao peso da carga,navegava com a plataforma quase submersa o que,por este motivo e também pela pequena ondulação que se fazia sentir,começou a meter água.O comandante da embarcação,que se encontrava na proa,em conversa com o Alferes Rosário e outro graduado,ao verificar a situação,ordenou para a casa das máquinas uma manobra de correcção,ou seja navegar para a margem,ordem esta que não foi percebida pelo maquinista,que ao tentar corrigi-la fá-lo de tal forma brusca,provocando,com a ajuda da água já acumulada no batelão,o seu afundamento,mas não totalmente,pois durante algumas uma pequena parte do mesmo,inclinada a menos de 45graus,manteve-se fora de água.Este facto,segundo explicação de um dos nossos interlocutores aconteceu visto o batelão navegar já ao longo da margem esquerda do rio,em direcção a Mopeia,que não ficava,como se possa julgar,

defronte a Lacerdónia,de onde partiu a coluna ,como se disse.Assim, a proa ao afundar-se,arrastando consigo as viaturas,enterrou-se no fundo do rio. A corrente que se fazia sentir e a "provável ajuda"de algumas viaturas,manteve o barco naquela posição,onde seis militares conseguiram agarrar-se até serem salvos pelos pescadores Campira. Muitos dos militares lutaram,alguns durante horas,"com as aguas do Zambeze",mas só 54 sobreviveram,ficando 19 a dever a sua vida a quatro pescadores autóctones que laboravam por perto,os Irmãos Campira.Aqueles irmãos apercebendo-se,pelo barulho,que algo de estranho se passava,impulsionaram as suas pirogas para as imediações do acidente efectuando,por longo período de tempo,o salvamento de homens si mi- afogados e exaustos para a ilhota onde viviam.Depois de terminada esta tarefa,os pescadores prestaram aos sobreviventes,que tinham dores,frio e e choque emocional,a assistência possível,fazendo fogueiras para os aquecer.Uma vez que a lenha era escassa,não hesitaram em queimar parte das próprias palhotas onde viviam.Depois disso,já pela madrugada, os Campira foram a Mopeia,acompanhados por alguns sobreviventes,avisar as autoridades locais que iniciaram de imediato as buscas.A atitude dos pescadores originou em Moçambique,uma onda de solidariedade tal que lhes valeu,por iniciativa do jornal"Diário" de Lourenço Marques,a oferta de uma casa pré-fabricada,bem como um louvor decretado pelo Governador-Geral Dr.Baltazar Rebelo de Sousa.Foi com base neste louvor que lhes foi concedida a Medalha de Prata de serviços distintos . 

Os  irmãos Campira
Entretanto,outros militares conseguiram,pelos seus próprios meios,alcançar terra
firme,muitos deles utilizando,como precioso auxílio,vários objectos flutuantes,tais como:Malas e sacos de viagem,bidões vazios,pedaços de madeira,etc...Houve até quem ficasse a dever a sua vida a uma viola que trouxera da Metrópole.Nos dias consequentes à tragédia,Mopeia foi "invadida"por jornalistas da imprensa da Província e da África do Sul.Deslocaram-se ao local algumas entidades militares.Uma das faltas mais notadas foi a do Movimento Nacional Feminino.
 À grande maioria dos sobreviventes,que se manteve no pequeno destacamento militar de Mopeia,coube-lhe ainda a ingrata missão de tentar identificar os corpos que durante alguns dias iam sendo resgatados das águas e margens do Zambeze.Quando nos ocorreu a ideia de inserir neste livro a tragédia do Zambeze,estávamos conscientes que,se o fizéssemos só com base nas pesquisas efectuadas nos jornais da época,alguma informação que prestássemos não seria precisa.Então,empenhar-nos no sentido de chegar ao contacto com algum dos sobreviventes,para ouvir,de viva voz,os seus angustiantes relatos das horas que se seguiram ao acidente.Assim,como já referimos,em Julho de 2009,40 anos depois,conseguimos falar pessoalmente com dois sobreviventes da tragédia,o António Banza Rodrigues e o João Filipe Barata Coelho.

DISSE-NOS ANTÓNIO BANZA RODRIGUES: 

Em  traços gerais,sem entrar em pormenor,corroboro o que atrás foi escrito sobre o acidente.No entanto,quero acrescentar que,antevendo uma eminente tragédia,não cumpri as ordens do comandante da coluna que ordenava ao pessoal para se dirigir ao outro lado do batelão com o objectivo do equilibrar.Naquele breve espaço de tempo despi a camisa e descalcei as botas,mas enquanto o fazia um camarada ainda me disse:« Eh pá,eu não sei nadar»infelizmente engrossou a lista dos mortos. Já com o batelão a afundar cada vez mais,lancei-me à água,afastando-me desesperadamente do local breves segundos.
Após a tragédia depois,a tragédia se consumava.Foram momentos dramáticos 
depois ouvia nitidamente os gritos de pânico daqueles que não sabendo nadar tentavam agarrar-se,fosse ao que fosse,na ânsia de se salvarem.
Entretanto,fui nadando de costas com o objectivo de me cansar o menos possível,mas tive que desistir da ideia,uma vez que a água me entrava pela boca.Passado algum tempo vi perto de mim um saco de viagem a boiar,
consegui chegar junto a ele,e lá me segurei,com muito jeitinho,para que não se abrisse e perdesse por isso  o efeito de bóia.
Lá longe,via a margem do rio,o pôr do sol já se iniciara,a noite não tardaria.
A certo passo,ao olhar para o lado,vejo um camarada de infortúnio,já exausto,tentando chegar até mim para usufruir da "boleia"do meu providencial saco,mas tive a consciência que se isso acontecesse seria,
talvez,fatal para ambos,uma vez que aquela "tábua" de salvação não comportar dois "penduras". Além disso, não sabendo em concreto do estado em que se encontrava aquele camarada,resolvi atirar-lhe o saco, evitando assim que ele se aproximasse.Decorridos mais alguns minutos e cada vez mais exaustos,vejo três camaradas agarrados a um bidão de 200L vazio a quem pedi "boleia" e me foi concedida visto haver espaço para quatro.
.Contudo,face ao esforço despendido,quer físico,quer psicológico,acentuava-se cada vez mais a minha debilidade,até porque a cerca de 50 metros da margem,resolvemos largar o bidão e nadar para terra ficando,assim,cada qual entregue a si próprio.
 Alguns momentos depois,já sem movimentos e vencido,dei os "trunfos" ao Zambeze que lutara duas longas e intermináveis horas.

Os três camaradas
a quem pedi "boleia"

Acontece que,quando as minhas pernas, já inertes,desciam na vertical
senti os pés pisarem terra firme.Num impulso,ganhando de novo ânimo,vindo não se de onde,pus-me de pé e verifiquei que a água me dava pela à altura do peito.
Com dificuldade,consegui alcançar a margem onde se encontravam já alguns camaradas,uns que chegaram pelos seus próprios meios,outros transportados pelos irmãos Campira,cuja actuação já foi relatada.
Assim foi o epílogo deste primeiro acto da minha comissão de serviço em Moçambique,outros mais estavam para acontecer.


            O RELATO DE JOÃO FILIPE BARATA COELHO:

As quatro décadas decorridas,não foram ainda suficientes para apagar da minha memória os horrores da tragédia que presenciei e vivi naquele fatídico fim de tarde de 21 de Junho de 1969. Enquanto o batelão navegava eu ia tentando ocupar o tempo conversando com este ou aquele camarada de viagem.No momento em que me encontrava numa amena cavaqueira,à proa,com os comandantes da embarcação e da coluna militar,comecei a sentir os pés molhados,reparando que as ondas do rio provocavam a entrada de água,com abundância,para cima da plataforma, situação que levou o comandante do barco a dar instruções,como já atrás referi ,para o manobrarem na direcção da margem.Apercebendo-me que algo ia correr mal,e assim aconteceu num curtíssimo espaço de tempo,dirigi-me,a correr,no sentido inverso onde me encontrava,despindo,entretanto,a roupa,ficando apenas .Como  por magia demoníaca o batelão imerge arrastando consigo homens, viaturas e demais carga que transportava.Lá bem no extremo da parte emersa da embarcação preparava-me para me lançar à água quando os cinco camaradas que ali se encontravam,firmemente seguros,imploravam que não os abandonasse,pois não sabiam nadar. Perante aquelas aflitivas súplicas e por verificar que a parte onde nos encontrávamos não se movia,resolvi ficar.


Governador da Zambézia
Cumprimentando os irmãos Campira
Durante o tempo que ali permanecemos,cerca de duas horas e meia,fui tentando ganhar forças psicológicas para dar ânimo aos meus companheiros de infortúnio e a mim próprio.
Era visível que a proa do batelão se ia afundando gradualmente.
Sentíamos isso pela água que,cada vez mais cobria os nossos corpos.Recordo que o pânico se apoderava de mim quando via,por perto,algo deslizar pela corrente pois,como é sabido,o
 Zambeze é habitat natural dos crocodilos,os quais,com toda aquela agitação,deveriam,sem dúvida,andar nas redondezas.
As esperanças de salvamento esfumavam-se,ao mesmo ritmo com que a noite avançava sobre o
Zambeze e,por isso,a todo o momento teria que tomar uma decisão,que não poderia ser outra senão abandonar o local,deixando ali os meus companheiros a aguardar que o batelão se .afundasse,definitivamente, o que aconteceu horas mais tarde.
No meio de um "nocturno silêncio"ouvimos uma voz forte,lá longe,gritar:
«Há aí alguém?». Enchendo os pulmões de ar respondemos,com  toda a força que nos foi permitida,que sim.«Quantos estão aí!»,retorquiu aquela voz salvadora.Minutos depois surge perto de nós uma piroga com um único timoneiro,um dos irmãos Campira,que em três viagens transportou os náufragos para "porto seguro". Como devem calcular é difícil descrever em palavras o momento em que pisei terra firme e vejo reunidos os cinco companheiros de infortúnio que  antes ouvira:«Meu Furriel,eu não sei nadar».
Pela madrugada,com o grupo praticamente reunidos seguimos para Mopeia onde permanecemos durante algum tempo.
Finda a dura tarefa de identificação dos cadáveres,recebi guia de marcha com destino ao Lunho."capital do estado de minas gerais"na verdade,nada mais gratificante para recuperar,física e psicologicamente,dos males sofridos..."

Os sobreviventes da tragédia do Rio Zambeze



Extraído do livro: Aquartelamentos Militares em Moçambique

De: Manuel Pedro Dias




2 comentários:

edumanes disse...
Como foi que aconteceu,
Não souberam explicar
Alguém que na tragédia não morreu
A culpa terá sido de quem não sabia mandar
Com a pressa se esqueceu
O peso excedeu
Para a embarcação se virar.

Boa tarde, um abraço
Eduardo.
Manuel Talhinhas disse...
Estive à porta do Batalhão do Serviço de Material em Lourenço Marques a despedir-me do meu amigo Alferes Aniceto que comandava a coluna.
Era Alferes Mil. na 1ªBtr/GAC6 em Vila Cabral onde estivemos juntos.
Deixou a mulher grávida, aquela criança infelizmente nunca conheceu o pai.
Foram 100 mortos a lamentar, e os sobreviventes jamais esquecerão esses momentos de grande aflição.
Repousem em paz.

segunda-feira, 15 de junho de 2015


HONRA E GLÓRIA



                                                                                                                              
            

                  
           Luís António Andrade Âmbar

Alferes de Cavalaria, n.º 00530363

Companhia de Caçadores 1560 «LEOPARDOS»

Batalhão de Caçadores 1891 «LEAIS E VALOROSOS»

Moçambique: 21Mai1966 a 13Ago1968


Cruz de Guerra, de 1.ª classe
(Título póstumo)















Luís António Andrade Âmbar, Alferes de Cavalaria, n.º 00530363, natural de Ponta Delgada (Açores), filho de Aires Virgílio do Rêgo Âmbar e de Maria Justina Banha de Andrade Âmbar.

- em 1963 ingressa na Academia Militar como cadete-aluno n/m 00530363;

- em Mar1966, finalista do curso de cavalaria da AM, colocado na EPC-Santarém para frequentar o tirocínio, findo o qual é promovido a aspirante-a-oficial de cavalaria;

- em 28Ago1966 promovido a alferes de cavalaria;

- em 13Jan1967, tendo sido mobilizado pela EPC, em comissão de regime individual, para servir Portugal na Província Ultramarina de Moçambique, embarca rumo a Nacala, de onde marcha para o noroeste distrital do Niassa, ficando colocado como comandante de pelotão da CCac1560/BCac1891 aquartelada em Maniamba;

- na 3ªfeira 25Jul1967 participa na Op Sobe-Sobe e efectua na serra do Juzagombe um golpe-de-mão sobre acampamento IN, tendo logo de início da acção sido mortalmente atingido no ventre pela deflagração de uma granada;

- em 25Jun1968 louvado e agraciado a título póstumo com a Medalha da Cruz de Guerra de 1ª classe, por relevantes actos em combate;

Paz à sua Alma

(nota) - Comandante da Companhia de Caçadores 1560: Capitão Mil.º de Infantaria António Augusto da Costa Campinas.

A Companhia de Caçadores 1560 (CCaç1560), desembarcou em Nacala [21 de Maio de 1966].

Foi colocada no Gilé, onde substituiu uma secção da Companhia de Caçadores 689 (CCaç689).                     


De Maio de 1966 a Janeiro de 1967, a actividade operacional, consistiu principalmente em patrulhamentos e acção educativa e medicamentosa junto da população.

Em Janeiro de 1967, foi transferida, por troca com a Companhia de Cavalaria 1505 do Batalhão de Cavalaria 1879 (CCav1505/BCav1879), do Gilé para Maniamba. Destacou 1 pelotão para Bandece.

                                                                                    


De Janeiro de 1967 a Fevereiro de 1968, efectuou entre outras, as operações: "Alcides" (vale do rio Messinge), "Segunda Vez" (região da "Base Liconhire"), "Lisboa" (serra Macuti), "Marretada II" (região da "Base Maniamba), "Sobe-Sobe" (serra Juzagombe), "Alferes Ambar" (região da "Base Liconchire") e "Crepúsculo" (entre os rios Messinge, Nossi e Luavize). Tomou parte nas operações "Marretada", "Caravana I" e "Caravana II".

Em Fevereiro de 1968, foi rendida em Maniamba, pela Companhia de Artilharia 2326 do Batalhão de Artilharia 2838 (CArt2326/BArt2838), regressando ao Gilé, onde rendeu a Companhia de Cavalaria 1505 do Batalhão de Cavalaria 1879 (CCav1505/BCav1879).

Foi rendida no Gilé (Agosto de 1968), pela Companhia de Caçadores 1794 do Batalhão de Caçadores 1934 (CCaç1794/BCaç 1934).


Cruz de Guerra, de 1.ª classe
(Título póstumo)



Alferes de Cavalaria
LUÍS ANTÓNIO ANDRADE ÂMBAR
 
CCac 1560/BCac 1891 - RI 16
MOÇAMBIQUE
 
1.ª CLASSE (Título póstumo)
 
Transcrição da Portaria publicada na OE n.º 16 - 2.ª série, de 1968.
Por Portaria de 25 de Junho de 1968:
 
Condecorado, a título póstumo, com a Cruz de Guerra de 1.ª classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província de Moçambique, o Alferes de Cavalaria, Luís António Andrade Âmbar, da CCac 1560/BCac 1891, do RI 16.

Transcrição do louvor que originou a condecoração.
(Por portaria da mesma data, publicada naquela OE):

Louvado, a título póstumo, o Alferes de Cavalaria, Luís António Andrade Âmbar, pela sua extraordinária coragem, abnegação e espírito de sacrifício frente ao inimigo e debaixo de fogo, amplamente demonstrados nas numerosas acções de combate em que tomou parte.

Destacam-se as suas actuações na operação "Quatro Camaradas", em que, ao receber ordem para assaltar com o seu Grupo de Combate, em ataque frontal, as posições dominantes donde numeroso grupo inimigo varria as nossas tropas com intenso fogo de armas automáticas, morteiros e lança-granadas foguete, foi o primeiro a lançar-se imediatamente para a frente, apesar de haver cerca de 800 m de terreno a percorrer, plano, descoberto e batido pelo fogo inimigo. A sua actuação galvanizou de tal maneira os seus homens que estes não hesitaram em segui-lo, conseguindo, juntamente com outro Grupo de Combate que actuava no seu flanco direito, desalojar o inimigo ao fim de hora e meia de violento combate.

De realçar também a sua actuação na operação "Sobe-sobe", em que, ao preparar-se para executar um golpe de mão a uma base inimiga e havendo sido detectado já sobre a base, não hesitou em dar a ordem de assalto mais cedo do que fora previsto, a fim de evitar que o grupo inimigo se pusesse em fuga. Ao dar esta ordem de assalto, fê-lo com plena consciência do grave perigo que corria devido à fraca visibilidade; no entanto, não hesitou em correr este perigo, sendo ele o primeiro a lançar-se ao assalto à frente dos seus homens, o que lhe custou a vida, pois foi atingido pelo fogo inimigo.

Assim, o Alferes Âmbar, com o seu heroísmo e total espírito de missão e sacrifício, acabou por dar, conscientemente, a sua vida pela Pátria.