quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A MINHA VIDA COMO MILITAR , (recordações ,angustias, tristezas e alegrias)! !

  A 28/01/2009
                                                                                               Recordações, Angústias, Tristezas e Alegrias

Por Amadeu Neves da Silva

CCAÇ 1558


Recordo, com muita precisão, que quando estava em ÉVORA no R.I 16 e fui mobilizado para Moçambique, pouco mais era que um adolescente (20anos), alheio ao que se passava no antigo Ultramar. Não tinha noção daquilo que iria encontrar e enfrentar em África. Sendo assim, encarei com naturalidade e despreocupação a mobilização militar para a guerra em Moçambique.

Foi em Évora que conheci o Pinto e o Garcia, dois bons companheiros. O primeiro, ainda mais novo, era tal como eu, leviano, despreocupado e inconsequente. O Garcia, mais velho, era o nosso oposto.

Recordo, SANTA MARGARIDA, onde fizemos o I.A.O. As incursões no velho “carocha” do Júlio a Alferrarede onde devorávamos uns belos frangos no churrasco. Foi neste Campo Militar que estreitei os laços de amizade, em particular com os elementos do Grupo de Combate a que pertenci e em geral com todos os membros da CCAÇ 1558.

Recordo, muito bem que na véspera do embarque, o Récio que se tinha excedido na bebida e ao vomitar para a sanita perdeu a sua dentadura.

Recordo, toda a madrugada de 29 de Abril de 1966 e a chegada a Santa Apolónia, onde a deparar com o meu pai fiquei profundamente abalado.

Recordo, a despedida de familiares e amigos que foram marcados por cenas lancinantes na Rocha Conde de Óbidos, local do embarque.

Recordo, o desfile e o embarque no paquete “Pátria” e à medida que nos íamos afastando do cais saíam das chaminés uns roncos medonhos que provocavam, na generalidade dos militares. Grande desconforto e tristeza, tendo sido amparado por palavras e pelo ombro amigo do Garcia. Jamais esquecerei!!!.

Recordo, a chegada a Lourenço Marques, cidade muito bonita. Com Avenidas grandes e largas e muito bem traçadas. Mas a frieza e a indiferencia dos Laurentinos deixaram-me bastante surpreendido.

Recordo, a chegada a NACALA, destino final da viagem marítima. Aqui encontrámos em contacto pela primeira vez com as populações autóctones. Seguimos por via férrea, que mais parecia da pré-história, até NAMIALO onde ficámos alguns dias. Com grande surpresa nossa, vimos mulheres com a cara totalmente pintada de branco e com um cigarro com a parte acesa dentro da boca. Novamente em comboio, deslocámo-nos até IAPALA para finalmente em camionetas (Machimbombos) seguirmos até ao ILE-ERRÊGO de boa memória onde ficámos até Março de 1967.

Recordo, que inicialmente ficámos em bivaque numa antiga fábrica de algodão. Passados alguns dias fomos inaugurar um excelente quartel. Aqui no ILE-ERRÊGO houve uma grande empatia entre nós e a população civil em especial com o José Rodrigues e o Fernando Marques dos quais ainda hoje somos amigos.

Recordo, que pouco tempo depois, duas secções do meu grupo de combate, foram deslocados para NAMARRÓI. Mais tarde, a minha secção juntou-se-lhes e aí recomeçaram os meus problemas com o Alferes Pontes. Os meses aqui passados foram muito bons, designadamente quando frequentávamos a piscina, junto à casa do Adjunto do Administrador , Graciano Nunes. As idas à Missão Católica igualmente eram muito proveitosas. Passado algum tempo retornei ao ILE-ERRÊGO, onde de novo fui muito feliz. Foram momentos de grande amizade e de camaradagem com a população civil. Mais tarde, fui transferido para o pelotão do Alferes Monteiro e fomos destacados para o GILÉ. Aqui a estada foi curta, mas ainda deu para patrulhar NICOADALA e MOMA. Esta última era uma bonita povoação.

Recordo, que regressámos ao ILE-ERRÊGO nos finais de Fevereiro de 1967 e no início de Março todo o Batalhão foi destacado para o Distrito do NIASSA. Novamente de Machimbombo, até IAPALA e daqui de comboio até ao CATUR e novamente em Machimbombo até VILA CABRAL, com passagem pelo “célebre” caracol do CATUR. Depois, seguimos até MEPONDA, onde fomos transportados no LAGO NIASSA por lanchas da Marinha até METANGULA. De novo em coluna auto chegámos a NOVA COIMBRA.

Recordo, que fomos encontrar em NOVA COIMBRA, uma realidade bem diferente daquela a que estávamos habituados.

NOVA COIMBRA era um campo militar sem quaisquer condições sanitárias e de segurança. Coabitavam naquele espaço exíguo a CCAÇ 1558, CENGª 1531, que era comandada pelo Cap.Cepeda. Mais tarde, chegou a 1ª Companhia do BCAÇ 16, que tinha como missão fazer a protecção à Engenharia que estava a construir a estrada NOVA COIMBRA-LUNHO. A esta Companhia pertenciam 2 militares que se tornaram grandes ícones em todo o Niassa. Foram eles o Alferes Carvalho “100” e o na época 2º Sargento Bigone.

Recordo, que em bivaque entre NOVA COIMBRA e o LUNHO, o Alferes Carvalho “100”, autor dos celebérrimos versos que com música dos “Vampiros” de ZECA AFONSO, tiveram entre os militares um sucesso enorme. Quem não se lembra do: são os reizinhos do Niassa todo/ senhores por escolha/mandadores sem lei/aceitam cunhas, dizem que não/passam as rondas sobre os céus do Lunho/.Quantas Mercedes Sr. Capitão/ até agora, foram fornicadas/e eu bem lhe disse que pusesse os homens/rebentando minas, fazendo emboscadas.

De notar que estes versos foram “FEITOS” talvez em Julho de 1967, no bivaque anteriormente referido.

Recordo, a Vivenda Fox de tão boa memória. Era uma palhota debaixo de uma frondosa árvore, nos seus ramos à noite, passeavam-se ratazanas algumas delas bem grandes. Em frente da “Vivenda”, estava o Posto Rádio e a cozinha. Quem lá dormia? Forçosamente eu, o Pinto, o Garcia, o Júlio, o Gonçalves (o que é feito dele) e o Vasco. Em suma a “nata” da 1558.Era a desorganização total, muito por culpa do Pinto e do Júlio.

Recordo, um dia o Capitão por acaso entrou na “Vivenda”, bem entrar é um exagero, não passou da soleira. De imediato convocou-nos e depois de mais um “raspanete” mandou de imediato fazer a limpeza à palhota. À noite, ao jantar na Messe, o Júlio teve mais uma das suas infelizes ideias, leu de pé e com solenidade que na “Vivenda Fox” tinham sido abatidos ao Exército Português milhares de vários insectos. A leitura do documento tirou o Capitão do sério. De imediato mandou calar o Júlio e este arrependeu-se de tanto atrevimento. Mas, entre nós, serviu durante algum tempo de motivo de galhofa e de gozo. Lembro os esforços que o Gonçalves fazia para que o seu cão, o “Leão”, fosse “pai”. Debalde, o cão era como o dono.

Recordo, em NOVA COIMBRA com um misto de tristeza e angústia. Vi a 22 de Maio de 1967, após o rebentamento duma armadilha seguida de uma mina anti-pessoal, o Cabo Leão morrer, O Alferes Sancho muito maltratado nas pernas, o Furriel Moutinho gravemente ferido no abdómen lutar contra a morte, que felizmente venceu. Outros 17 camaradas ficaram feridos com mais ou menos gravidade. Foi um pesadelo. Nunca tinha visto tanto sangue, dor, desespero e sofrimento.

Recordo, um fim de tarde, encontrava-me doente, quando recebo ordens para ir com uma secção +, auxiliar uma coluna auto que tinha rebentado uma mina. Chegados lá, foi fácil concluir que era impossível trazer de volta naquele dia a viatura acidentada. A coluna prosseguiu a viagem e nós montámos a segurança da Berliet acidentada. Como era um trabalho de rotina, não levámos ração de combate. Chovia muito, éramos poucos, por isso estávamos ligeiramente dispersos. Durante a noite, fomos flagelados e ouvimos com clareza ruídos de pessoas. Via rádio, avisámos o quartel do que se estava a passar. Durante a noite tivemos algum medo e muita Angústia. De manhã bem cedo, para nosso alívio chegaram reforços e material para rebocar a Berliet sinistrada. Terminados os trabalhos dirigimo-nos com o Vasco para a viatura da frente onde já se encontrava o “Zequinha”. Pedi-lhe que fosse para a outra viatura, contrariado lá foi.

Recordo, como fosse hoje, decorridos alguns quilómetros, passávamos uma curva perigosa e voltando-me para trás disse ao Vasco “se a Berliet acidentada passasse íamos comer ao qurtel”. Dito isto oiço um estrondo medonho e vejo a segunda viatura e o “Zéquinha” a irem pelos ares. Corremos de imediato para eles e após uma violenta troca de tiros socorremos os camaradas atingidos pela explosão da mina. O “Zéquinha” tinha a cara totalmente coberta de sangue provocado pelo rebentamento dos sacos de areia que estavam na cabine da viatura. Ao ver-nos limitou-se a dizer em completo desespero: “Ó meu furrielzinho veja como estou”. Hoje esta cena tem uma certa comicidade mas na época foi bem dramática para todos.

Recordo, Messumba onde estive destacado com uma secção +. Estávamos numa palhota situada numa pequena elevação a poucos metros da estrada que nos levava até às residências do Padre Paul, das freiras, à Igreja Anglicana e nos conduzia até Mondué já no Lago Niassa. A segurança nocturna era feita por quatro militares, ficando um em cada extremo da palhota. Eram 23.45horas do dia 4 de Agosto de 1967. Sei as horas porque o meu relógio parou. De repente um estrondo medonho, e por cima dos que se encontravam no interior da palhota caiu matope e capim do telhado. Devido ao intenso tiroteio e lançamento de várias granadas vindas do inimigo tivemos muitas dificuldades em atingir o exterior.

Pareceu-nos uma eternidade o tempo que durou o tiroteio. Foi um resto de noite terrível, angustiante e de medos. Ao alvorecer deparámos com a palhota parcialmente destruída e com um inimigo morto a poucos metros de nós e com muito armamento em seu poder, designadamente granadas mão. Após o reconhecimento à zona circundante, capturámos armamento abandonado e observámos muitos vestígios de sangue. O que pressupõe que o inimigo fugiu desordenadamente e com alguns feridos. Penso que se não fosse a atenção do “Manel”, estaríamos todos mortos.
O Manuel dos Santos, natural do Barreiro era condutor da CCAÇ 1558, foi o autor do disparo que vitimou o inimigo. No nosso 25º Convívio do BCAÇ 189, fiquei a saber o que de facto aconteceu. O “Manel” não estava de serviço, mas jovem como era tinha necessidades fisiológicas e nessa noite, resolveu ir para um canto no exterior da palhota,”fazer” sexo à mão. Quando estava no acto, ouviu ruídos e de imediato disparou, e fê-lo com tanta precisão que o inimigo morreu. Foi a sorte de todos os 13 jovens que lá se encontravam. Desde sempre que estou convicto que aquele assalto estava planeado para morrermos todos ou então os sobreviventes eram aprisionados.
Curioso, e hoje deixa-me intrigado o facto de dias após o ataque terem lá ido interrogar-nos dois agentes da DGS acompanhados pelo Major Esteves, e mais tarde, a Missão ser visitada por um Bispo Anglicano, que mostrou interesse em falar comigo e para tal convidou-me para um chá na casa do padre Paul que não estava presente. A conversa versou alguns temas, mas o ataque não foi abordado. Eu é que me senti lisonjeado pelo convite do Bispo. Mas, a angústia, essa manteve-se durante muitos dias, principalmente quando se aproximava o anoitecer, cada um de nós refugiava-se nos silêncios e nos receios e a vontade de jantar não era muita. Mais angustiados e tristes ficámos, quando soubemos que em NOVA COIMBRA o Furriel Freitas tinha morrido e o Furriel Cardoso e o 1º cabo “Cheka” António Barata tinham ficado gravemente feridos.



Recordo, uma operação com dois grupos de combate, comandados pelos Alferes Machado e Monteiro. Operação de rotina igual a tantas outras. Indo eu à frente, de repente apercebi-me dum caminho com utilização recente e vozes de pessoas. Para não se perder o efeito de surpresa, não tivemos tempo para pensar no perigo de minas e armadilhas, corremos e entrámos de chofre no acampamento. Fui o primeiro a entrar, foi tudo muito rápido. Tiros, gritos, pânico e de repente vejo no chão e aos meus pés está uma cena que ainda hoje me atormenta. Uma criança de tenra idade com o corpo esfacelado. A sua carne tinha a coloração roseada. Nunca tinha visto. Uma mulher, presumo mãe da criança, apesar de ferida, fractura exposta numa perna, cobria com o seu aquele pequeno corpo dilacerado, outras pessoas bastantes feridas ou talvez mortas. Foi horrível.Jamais esquecerei. Alguns soldados, sob o comando do Alferes Monteiro, que tinha sido estudante de Medicina, trataram o melhor que puderam e sabiam os ferimentos na perna da mulher e dos outros feridos. À criança, essa, a esvair-se em sangue, sabia o que fazer. A restante população estava em pânico com a surpresa e violência da acção. Finalmente, o Alferes Monteiro, num acto de grande coragem e acompanhado pelo Alferes Machado e por um soldado, levou o corpo da criança ao colo para o interior do mato. Ouviu-se um tiro. No seu regresso, passados largos minutos, somente regressaram os três militares. Todos percebemos o que aconteceu e fez-se um silêncio sepulcral. Ainda hoje a incerteza e a angústia me acompanham. Teria sido eu? Se fui, Deus sabe que foi um acidente e quanto já me penitenciei.

Recordo, a ida para, MIANDICA. O meu grupo de combate, foi o primeiro da CCAÇ 1558 a ir para lá. Foi uma deslocação penosa visto que do Lunho para lá não havia estrada e as Berliets, que transportavam víveres e material de guerra tiveram que se embrenharem no mato até, MIANDICA. Foram muitos e vários os acidentes naqueles malfadados 40 Kms. Se não estou enganado a coluna sofreu 1 morto (cipaio) e 29 feridos.

Recordo, MIANDICA como um pesadelo, (neste Blog está exaustivamente descrito o que era MIANDICA). Foram desumanos 0s 70 dias lá passados. M as, foi lá que em grandes diálogos com o Alferes Monteiro, percebi o porquê das suas sistemáticas fugas e desculpas em “fazer” operações. Tudo passava pelas lutas estudantis pelo seu irmão Daniel em 1962 e mais tarde as suas. Os problemas que seu irmão teve na Guiné enquanto Militar e os motivos da sua prisão para Boane em Moçambique.

Recordo, com ternura, a leitura em conjunto de uma carta enviada de LISBOA pelo Daniel em que ele escalpelizava o belo filme (já o vi) de Jacques Tatti “As férias do sr. Hulot”.


Recordo, que em MIANDICA tudo faltava. Desde comida, tabaco, notícias, actividade, os dias eram monótonos, cerca de 40 homens confinados a um espaço reduzido, água para a higiene diária não existia, a pouca que havia era somente para bebermos. Muito perto do acampamento, num vale profundo e de difícil acesso, corria um pequeno riacho, era aí que recolhíamos a água para bidons de 200litros. A operação era feita com poucos homens, muito demorada e os perigos eram enormes. Daí a opção da água recolhida servir somente para beber

Recordo, que as carências eram muitas e diversas, mas uma afectou-nos e muito. Foi a falta de tabaco. Até as beatas desaparecera. O Alferes bem enviava mensagens para Nova Coimbra e para Vila Cabral, onde estava o Comando do Sector a reclamar as faltas. Em vão. Um dia poisou uma avioneta de reabastecimento, o piloto foi literalmente “assaltado” pelos seus cigarros. Foi notório o seu espanto. Um dia, e por causa do tabaco o Alferes Monteiro, pediu ao Movimento Nacional Feminino de Vila Cabral uma estátua de Nossa Senhora de Fátima. A este pedido foram rápidos, ao tabaco só o tivemos quando chegou a MIANDICA uma coluna de reabastecimento.


Recordo, que a coluna descrita anteriormente além de reabastecimento, também trazia matéria de Artilharia pesada. Foi uma grande operação comandada pelo Cap. Delgado à Base Central do Niassa, em que foram utilizados meios aéreos, artilharia e infantaria. Os meus companheiros da 1558, mais uma vez tiveram um comportamento bastante meritório, comprovado com a captura de muito material de guerra e documentação.

Recordo, o regresso a NOVA COIMBRA em meados de Dezembro de 1967. Foi uma longa caminhada, cerca de 40Kms, para quem estava bastante fragilizado por 70 dias mal alimentados. Fizemos uma curta pausa no quartel do LUNHO recentemente inaugurado. Como já disse, a água era um bem escasso e precioso em MIANDICA e por isso não nos lavávamos e assim quando chegámos tínhamos um aspecto andrajoso.


Recordo, quando a companhia em Dezembro de 1967 capturou um inimigo. O Vasco com os seus métodos “persuassivos” aconselhou-o a denunciar a sua base.
Lá fomos poucos dias antes do Natal. A suposta base era nas proximidades do RIO LUNHO. Foi frustrante, o homem andou-nos a enganar vários dias e por isso teve a sua “recompensa”. o

Recordo, que em meados de Janeiro de 1968, finalmente fui em gozo de merecidas férias. O Capitão concedeu-me uns míseros 20 dias. Em METANGULA, apanhei o NordAtlas. Era um enorme avião de tranporte. Nunca tinha utilizado este meio de transporte. Eu era o único passageiro, no seu bojo transportava Jeeps e muitos caixotes. A sorte foi que a viagem foi curta. Chegado a VILA CABRAL, tive tempo para telefonar para a família em Lisboa. Foi uma conversa emocionante. Daqui segui para a BEIRA, cidade onde só estive 3 dias por manifesta inaptidão. Da BEIRA fui até INHAMBANE, aqui sim. Foram maravilhosos os dias passados nesta bela cidade. A população civil foi inexcedível.

Recordo, que nos últimos dias de Fevereiro de 1968, a Companhia recebeu ordens para regressar à ZAMBÉZIA. Desta feita para o ALTO MOLÓCUÉ. O meu grupo de combate, incumbido da secção de quartéis, foi o primeiro a sair de NOVA COIMBRA, e o trajecto foi o mesmo da vinda um ano antes.

Recordo, que chegámos na véspera do Carnaval, a população convidou-nos para os tradicionais festejos. Depois de instalados, fui com o Alf. Monteiro ao ILE-ERRÊGO , que dista cerca de 200 Kms visitar os nossos amigos. Que festa. Encontrámos o Fernando Marques já casado e o José Rodrigues sempre disponível para nos ajudar no que necessitássemos. Pernoitei na casa da família Pereira onde esquecemos as nossas missangas e a placa de identificação.

Recordo, a notícia do soldado Fernandes, quando o seu Grupo de Combate, comandado pelo Alferes Quintas, estava a ser rendido em Miandica. Neste blog a morte está descrita na crónica de António Carvalho, “O ÚLTIMO ATAQUE A MIANDICA”. A sua morte revelou-se muito dramática. Eu conhecia bem o Fernandes e o seu percurso de vida. Era natural do Distrito de VISEU como o Pinto. Bastante jovem partiu a “salto” para terras de França. Na expectativa de poder regularizar a sua situação de clandestino naquele país, apresentou-se em PORTUGAL para fazer o serviço militar. Encontrou a morte e com ela o sonho desfeito de ter uma vida melhor em França. Foi doloroso para o Pinto, eram bastante amigos.

Recordo, um Domingo, talvez o último de Março de 1968. Íamos jogar futebol com a Missão Católica do ALTO MOLÓCUÉ. Eu era o responsável pelo Desporto na Companhia e um dos jogadores da equipa era o “Zé” Martins. E estava convocado para jogar. De manhã na esplana da da Residencial pediu-me com muita insistência para não ir jogar, visto que partia um hunimog para uma viagem ao ILE-ERRÊGO e queria ir como condutor. A contragosto deixei-o ir. Na viagem também ia o Furriel Higino Cunha. 

A este pedi-lhe que trouxesse as missangas e a placa de identificação que tinha deixado em casa da família Pereira. Morreram os dois num despiste do hunimog. Foi terrível.


Recordo, O mês de Abril foi passado no GURUÉ, já integrado de novo sob o comando do Alferes Pontes. Foi um tempo muito bem passado. Semana sim, semana não deslocávamo-nos para o LIOMA, localidade muito próxima do Distrito do NIASSA.

Recordo, que nos primeiros dias de Maio, foi ordenado à Companhia a ida de 3 Grupos de Combate para o NIASSA, desta feita para NOVA VISEU. Foi um choque, já tínhamos terminado a Comissão, esperávamos a todo o momento o regresso à Metrópole e afinal íamos de novo para zona de combate.

Quem ficou no ALTO MOLÓCUÉ foi o Alferes Monteiro com os dois Furrieis “CHEKAS” que tinham chegado à Companhia em Janeiro. Não achei justo e reagi muito mal. Resignado mas não convencido e revoltado, partimos para NOVA VISEU com uma pequena estada em VILA CABRAL.

Recordo, que durante o trajecto de IAPALA até ao CATUR, os militares residentes insinuavam que nós íamos de novo para VILA CABRAL, por castigo, devido à morte (assassínio) do Furriel Cunha. Foi um boato que nos magoava mas que tivemos que suportar. Era inédito uma Companhia vinda há 2 meses do Norte e já com a Comissão terminada, regressasse ao Norte. Algo se passou, daí até ao boato foi um pequeno passo.

Recordo, que quando estávamos em Vila Cabral, ainda realizámos uma operação em redor da Cidade. Entretanto chegaram várias Companhias “CHEKAS” que tal como nós ficaram a aguardar transporte para as suas localidades. Os Furrieis duma dessas Companhias, quiseram afrontar-nos na Messe de Sargentos do quartel de Vila Cabral. Eles queriam comer na “1ª Mesa” nós dizíamos que esse direito era nosso por sermos mais antigos, ou seja KOKUANAS. Eles não levaram a sério os nossos avisos., sós os reconheceram quando virámos a mesa derramando a sopa por cima deles. Foi um grande MILANDO para nós. Felizmente que estávamos de partida.

Recordo, que a ida para NOVA VISEU foi acidentada, bastante chuvosa que nos atrasou significativamente a marcha, um acidente quando um soldado manuseava uma granada de mão que felizmente não provocou vítimas. Chegados, ouvimos do Capitão da Companhia residente a ordem de “para esses gajos não há nada”. Foi uma decepção. De facto nada houve, vivemos de Maio a finais de Julho em tendas e comíamos em marmita porque nem os pratos nos emprestavam.

Recordo, que ninguém em VILA CABRAL nos enviava víveros frescos, correio e dinheiro, em suma estávamos esquecidos e abandonados. Para obtê-los tivemos que a nossas expensas alugar um Taxi-Aéreo para que o Capitão fosse a VILA CABRAL adquirir estes bens essenciais. O correio então era fundamental. Foram dois meses de intensa actividade recompensados com a captura de matéria de guerra e recuperação de muita população. Aqui, cabe uma palavra ao exemplo do Capitão Delgado, que além de ser ferido 2 vezes em combate foi aquele em que mais operações participou, nomeadamente as mais perigosas. Ele manteve a 1558 disciplinada e aprumada e se assim não fosse a nossa ida para a INTERVENÇÃO em NOVA VISEU, tinha sido problemática e não tinha sido o sucesso que foi.

Recordo, quando o Capitão para manter o moral das tropas o mais elevado possível, cantava connosco o”Tombe la Neije” de Adamo era engraçado nós de noite no mato Africano pedirmos que caísse neve.

Recordo, que em termos militares a Companhia apesar das vicissitudes teve um comportamento bastante meritório com o resultado da captura de vário e diverso armamento e a recuperação de muita população.

Recordo, o regresso, mais uma vez feito por via férrea, mas desta feita o comboio já chegava perto de VILA CABRAL. Desembarcámos de novo em IAPALA a 29 de Julho de 1968. Chegados aqui, exaustos e exangues por mais de dois meses de intensa actividade física e psicológica e enquanto esperávamos pelos machimbombos para o regresso ao ALTO MOLÓCUÉ, sentei-me despreocupado no chão. Reparo então num jovem civil, branco a olhar-me com desdém. Fiquei revoltado e furioso e só muito a custo me contive, não sem que antes lhe tivesse proferido algumas palavras feias e duras. Chegámos ao ALTO MOLÓCUÉ e dias depois o Alferes Pontes ter oferecido um jantar a todo o seu grupo, só tivemos tempo de embalar os nossos pretenses e de novo em comboio fomos de IAPALA até NACALA, onde nos esperava o “VERA CRUZ” para nos trazer de regresso à Metrópole.


Recordo, que quando fizemos uma pequena paragem em NAMPULA, a 11 de Agosto, tivemos conhecimento que na estrada NOVA COIMBRA-METANGULA, tinha morrido o Capitão Horácio Valente da 4ª Companhia de Comandos. Ficámos tristes, conhecíamo-los por várias vezes eles terem ido combater à zona de NOVA COIMBRA.

Recordo, na viagem de regresso a passagem por LOURENÇO MARQUES, onde tínhamos à espera vários amigos, residentes naquela Cidade, que estiveram connosco no LUNHO. Mostraram-nos a Cidade que é muito bela.

Recordo, a paragem em Luanda, paragem técnica, esperavam-nos vários familiares que depois do almoço em sua casa, mostraram-nos a Cidade da qual além da Baía não gostei.


Recordo, a madrugada de 4 de Setembro de 1968. Ninguém dormiu, a ansiedade era enorme. Como sou natural de Lisboa, o Capitão Delgado, incumbiu-me para acompanhar a descarga da bagagem de porão e depois enviá-las para ÉVORA.

Recordo, que o Batalhão 1891 ficou perfilado no lado bombordo do paquete, o que era óptimo visto que esse era o lado de onde se avista LISBOA. Mas, a maré estava a encher e o “VERA CRUZ” foi forçado a atracar na ROCHA CONDE DE ÓBIDOS, com a proa virada voltada para a barra. Todo o pessoal se deslocou para estibordo, ficando no lado contrário eu e um punhado de camaradas. Como não desfilava por causa das bagagens, desloquei-me ao camarote para recolher os meus haveres. Resolvi espreitar pela vigia e a dois metros estava o meu pai (era trabalhador portuário e tinha acesso àquela zona). A surpresa foi de tal monta que caí para trás. Recompus-me e quando fui de novo espreitar já não estava lá.

Recordo, que fui dos primeiros se não o primeiro a desembarcar e depressa vislumbrei os meus familiares. Foi indiscritível a alegria sentida a alegria sentida. Não encontro palavras para a descrever. Foi um momento único na minha vida. Jamais esquecerei o 4 de Setembro de 1968.

Recordo, que quando ia a atravessar a Av 24 de Julho, cruzei-me com as viaturasque transportavam os meus camaradas da 1558. Numa delas seguia o meu bom AMIGO, GUSTAVO MONTEIRO. Dissemos adeus um ao outro. Foi a última vez que o vi. Que Deus o tenha em Paz.

Este texto foi retirado da Revista nº 4 “O BATALHÃO” de 1998 e revisto e actualizado em Maio de 2011

domingo, 25 de janeiro de 2009

1º CAPITULO - O Paraíso

 Texto de Vasco Pesado da Silva
Furriel Miliciano enfermeiro da CCAÇ  1558
                                                                                                       
Clube do ILE. Rodrigues (Civil), Pinto, Gonçalves, eu e o Higino

Fui para Moçambique de avião e desembarquei em Lourenço Marques em Maio de 1966, onde permaneci 15 dias. Fui mais uma vez de avião (NordAtlas) para a Beira, onde estive dois dias e daqui fui de novo em avião para Nampula onde estive mais três dias. Daqui de comboio até Mutuali para no dia seguinte uma viatura militar veio-me às 4 da manhã transportar até ao Gurué (Vila Junqueiro)
Quando cheguei à CCAÇ 1558, esta já tinha um mês de presença no ILE-ERRÊGO. No dia seguinte fui para o Ile-Errêgo. Quando cheguei a esta localidade a CCAÇ 1558 já tinha 1 mês de permanência na localidade.
Assim que cheguei, a minha primeira impressão foi que nem parecia estar num local de guerra. Encontrei um quartel a estrear, tudo muito arrumadinho.
Apresentei-me ao  Capitão Daniel Delgado, dizendo-lhe Meu  Capitão, eu não percebo nada disto
- Não pode ser, nós nem sequer temos médico na Companhia.
O meu grande problema é que entendia muito pouco de enfermagem para uma situação de guerra, pois o curso tiha sido de apenas três meses. Sinceramente não me sentia nada preparado pra tal situação. Então decidi com toda a honestidade contar ao comandante da companhia Capitão Daniel Pereira Delgadoe disse-lhe olhos nos olhos: Meu capitão estou-me a apresentar, mas eu não entendo nada disto, porque o que aprendi não foi mais que primeiros socorros.
Respondeu-me o Capitão: Não temos médico na companhia. E agora?
Respondi-lhe: - Como há um pequeno hospital civil aqui e também na vila um médico civil, se me autorizasse eu ia trabalhar nesse hospital, pois iria pedir ao Dr. Mário José Pires (residente) se me deixava ajudá-lo no hospital.
Ele aceitou a minha proposta e passei a ser seu assistente nas intervenções cirúrgicas além de outros serviços nas consultas hospitalares. Na realidade foi um médico que me ensinou bastante, tanto que o meu comportamento no teatro de guerra a ele posso agradecer. Bem haja ao Dr Mário José Pires.


2º CAPITULO
A DESILUSÃO

Até Fevereiro 1967 a tropa tinha sido uma autêntica maravilha, mas em Março do mesmo ano, começa então a vida negra de toda a Companhia.
Fomos para Nova Coimbra (LUNHO) (que de Coimbra não tinha nada, as diferenças era Coimbra o Paraíso e Nova Coimbra o Inferno de 5 estrelas ). Não tínhamos água, luz, (tínhamos um gerador que não funcionava e não havia peças para a sua manutenção). Em relação às instalações eram difíceis de descrever.
A Enfermaria era uma barraca de lona que tombava, todas as noites, quando havia uma pequena brisa. Já degradada, os ratos eram às centenas. Estava infestada de formigas (Mucham), portanto quase todos os dias os cabos enfermeiros tinham que a pôr de pé. Em relação aos medicamentos era outra desgraça. Pouco ou nada havia: anti-palúdicos, morfina 1%, pastilhas L.M., aspirinas, 3 seringas de vidro e um tacho muito velho para as esterilizar, 2 pinças, 2 tesouras 3 bolsas de enfermeiro (combate) e alguns pensos de combate, duas macas e talvez mais algum equipamento que após 40 anos me possa escapar.
Conclusão, tudo o que ali se encontrava estava altamente infectado e até alguns medicamentos fora do prazo de validade. Muito mais haveria para dizer, mas é melhor ficar por aqui.


3º CAPITULO

A INTOLERÂNCIA

Os médicos das outras Companhias ( Dr Bray Pinheiro da 1559 e o Dr. Poças da 1560 ) quando passavam pela nossa Companhia (1558) estavam sempre prontos a colaborar com os nossos militares, mas o médico do Batalhão ( CCS ) o sr. Dr. Ruas ignorava o que se passava na 1558 e não colaborava em nada, sabendo ele que não tínhamos médico . Das dezenas de vezes que fui ao batalhão para falar com ele, dava-me sempre lições sobre os sintomas que os militares sentiam. Falava com ele e dizia-lhe que tinha poucos medicamentos. Até nisso ele punha muitas dificuldades. Também lhe falava que tinha pouco pessoal, nunca se importou com isso, dizia sempre o que tinha e lhe fazia falta. Houve uma vez que falei com o meu comandante de Companhia ( capitão Daniel Pereira Delgado )para interferir nessa situação. Foi, então, que emprestaram um maqueiro que pouco ou nada sabia fazer, de primeiros socorros.

Lamento a sua atitude, mas um dia será julgado, não por mim, mas por um ser superior: DEUS. Ele só aparecia juntamente com o comandante de batalhão, porque dizia-se na altura, que ele era o médico particular do mesmo. Fizeram tantos relatórios acerca do seu trabalho em comissão em Africa (Moçambique) que até estou admirado de não ser condecorado com a CRUZ DE GUERRA.
Muito mais haveria para dizer mas ficamos por aqui.


4º CAPITULO

O INFERNO DO LUNHO

Nas dezenas de operações em que tomei parte como Enfermeiro e algumas como operacional, visto não haver graduados suficientes na Companhia, uns por doença outros feridos em combate no hospital de Vila Cabral, sempre estive em situação de resolver os problemas dos feridos. Embora haja um caso curioso, que vou descrever. Quando o Furriel Cardoso foi ferido com o cabo Barata, eu e outros militares demos sangue para os aguentar dado que tinham perdido bastante. De imediato foi feito um rádio para Vila Cabral a pedir transporte para os feridos a que responderam que não havia condições para tal. Então, o Capitão Delgado entrou em contacto com o comandante de batalhão e este com o comandante da Marinha em Metangula, dado que este quartel tinha uma avioneta para os seus abastecimentos e para acudir os seus militares. Estes ofereceram-se a levantar voo por volta das 23,00 horas e foi aí no aeródromo de Metangula que apareceu o Dr. Ruas e o comandante do batalhão.






Á entrada do posto médico em Nova Coimbra
No dia seguinte fomos fazer uma operação, muito difícil, a qual acabámos encurralados com o fogo da Frelimo. Tivemos que fugir e deixámos no local 5 feridos. Fui buscá-los um a um e quando chegámos a uma clareira pedi ao meu camarada Furriel Júlio que me desse uma injecção de sympatol porque estava a sentir-me mal. Era natural , pois no dia anterior tinha doado 500ml de sangue. Então o Furriel Júlio não foi de modas, deu-me a injecção por cima das calças do camuflado.
Estive sempre presente nos locais dos feridos e felizmente nunca morreu ninguém nos meus braços. Houve acidentes em que não estive presente ( Furriel Freitas, Furriel Higino, soldado Martins e soldado Fernandes, este útimo num ataque em Miandica). O cabo Leão quando o coloquei no hélicoptro , já sabia que ele ia morrer, pois tinha pisado uma mina a 5 metros de mim, e tinha ficado muito mal tratado.
Destes 28 meses, penso que metade foi do pior que pode acontecer na vida.
Depois de acabarmos a comissão viemos para o Alto Molocué, pensando nós que a seguir regressaríamos a Portugal. Foi exactamente o contrário. A Companhia 1558, 3 pelotões, incluindo o capitão, voltaram para Nova Viseu, zona muito perigosa onde a Frelimo actuava em força. Felizmente não fui, fiquei no Alto Molocué.
Para terminar este Inferno, fomos muito maltratados pelos governantes da época, pois nunca se preocuparam com o nosso estado psicológico, os nossos traumas de guerra. Aqueles que tinham interesses nas ex-colónias nunca se preocuparam connosco.
Falava-se muito na guerra do Vietname, mas aí havia por parte dos Americanos apoio logístico, hospitais de campanha, meios aéreos, alimentação quente, totalmente diferente de nós. Nós íamos para uma operação com uma RAÇÃO de COMBATE e por vezes estávamos 5 dias sem mais nada para comer. Hoje recordo tudo, mas sei que eu e milhares de ex-militares não estão bem de saúde, para não falar nos deficientes, esses que ainda são discriminados. Mas pensando bem, todos nós, uns mais que outros, somos deficientes.

5º CAPITULO

HOMENAGEM

Quero prestar a minha homenagem àqueles que estiveram em todos os recantos onde havia guerra Portuguesa independentemente das ex-colónias: Guiné, Cabo Verde, S.Tomé, Angola, Moçambique, Índia (Goa , Damão e Diu ) Macau e Timor. Não só aqueles que foram feridos em combate, como os que partiram e não estão entre nós, mas também aqueles que sofreram na pele o afastamento familiar.